1989: o ano do thrash metal no Brasil – Testament

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Vinicius Castro

Não só pelos shows que ocorreram no Basil, mas também pelos lançamentos daquele período, 1989 foi um ano e tanto.

Testament já tinha conquistado uma boa parte dos corações metaleiros com The Legacy. Mas, por aqui, a banda aconteceu mesmo foi no segundo disco, New Order e a minha grande paixão veio com o impecável Pratice What You Preach. O thrash metal americano abraçava aquele momento da era encabeçada pelo presidente-ator Ronald Reagan e a iminência de uma guerra. Política, sociedade e o recado logo na capa: pratique aquilo que você prega. De certa forma isso permeou nossas vidas, transformando-se numa espécie de mandamento de conduta.

Pôster de divulgação do show no Brasil (1989)

A faixa-título nos deixava sem ar. O coro de “Envy Life” era gritado no espaço de um quarto pequeno, mas com a força de um uníssono que domina um estádio. O mesmo acontecia em “The Ballad” e em “Sins Of Omission” que foi, desde o primeiro momento, a predileta do disco.

Assim como os grandes shows que rolaram por aqui naquele ano, o do Testament também teve histórias curiosas e talvez tenha mudado a vida de muita gente. Os shows tiveram a participação do MX e do Overdose, duas grandes bandas do nosso metal que despontavam pela qualidade de seus discos.

Por isso, nessa primeira parte do nosso especial sobre as bandas de thrash metal que vieram tocar no Brasil em 89, conversamos com alguns fãs e com quem dividiu o palco do Projeto SP com o Testament. Pessoas que tiveram a sorte de ver os americanos no alto do melhor momento que eles viviam até então, dividindo com a gente as lembranças históricas daquele show.

A primeira vez que coloquei uma credencial de imprensa no pescoço foi no dia 12 de março de 1989. Porém, eu não iria cobrir a segunda apresentação do Motörhead no Ginásio do Ibirapuera (SP) para nenhum veículo. Ao contrário, iria fazer algo proibido e até perigoso, mas que hoje se faz facilmente através de um simples celular: filmar um show.

Ainda naquele ano, tive a sorte de estar presente na primeira vinda dos americanos do Testament ao Brasil, que contou com aberturas de MX e Overdose. Naquele 1º de julho de 1989, fui sozinho ao extinto Projeto SP. Lembro de tudo daquele dia. A chegada, a agitação na pista e as excelentes performances das bandas brasileiras. O Testament, àquela altura, tinha dois discos na bagagem – The Legacy (1987) e The New Order (1988) – e estava prestes a lançar Practice What You Preach, que, inclusive, teve a faixa-título executada no show. Como já era fã desde os tempos da demo-tape do Legacy, ainda com a presença do vocalista Steve “Zetro” Souza, que depois foi para o Exodus, fiquei impressionado com o poder de fogo de Chuck Billy (vocal), Alex Skolnick e Eric Peterson (guitarras), Greg Christian (baixo) e Louie Clemente (bateria). Bem, o baterista era, visivelmente, o menos técnico da banda, algo que se provou depois com sua saída.

Após o show, que abriu com “Into the Pit” e se encerrou com “Raging Waters”, fui a uma festa onde todos os meus amigos estavam. Nada a ver com aquela avalanche sonora que eu tinha acabado de presenciar. Sorte minha!
Ricardo Batalha – (Redator-chefe da revista Roadie Crew)

Ingresso do show do Testament. Acervo Ale (MX)

Em 1989 a cena estava num momento muito especial no Brasil. O MX vinha de seu debut, Simoniacal, lançado em 1988, álbum que alcançou uma das maiores vendagens dentre as banda brasileiras. No ano seguinte lançaríamos ainda o Mental Slavery, mostrando toda a evolução que o MX tivera em um ano. Mas 1989 reservou uma grata surpresa: fomos convidados para abertura do show do Testament em SP, no Projeto SP. A notícia foi muito bem-vinda, particularmente porque era uma das bandas de que mais gostávamos e foi sim uma grande conquista. A princípio, quando nos contataram, lembro que seria somente o MX na abertura e posteriormente ficamos sabendo que os amigos do Overdose também participariam.

Tudo pronto, chega o grande dia. O MX usaria a mesma bateria que o Testament, aquela conhecida como a bateria “de fogo” do mestre Tibério, utilizada por todas as grandes bandas que vieram ao Brasil naqueles anos, como o Venom, Metallica, Exumer, Exciter etc.

Após a nossa passagem de som seria a vez do Testament. O baterista Louie  Clemente (Testament), numa tentativa imbecil de aparecer ou de impressionar, começou a reclamar e chutou um dos ventiladores da bateria. Eu estava ao lado do Tibério na pista, nós nos olhamos com ar de reprovação e em seguida veio o pior, o Louie segurou a caixa da bateria em cima da cabeça e a atirou no palco! Foi instantâneo. Lembro que subi no palco pulando e empurrei ele contra a parede falando muita coisa, segurando ele pelo pescoço. Começou ali uma confusão bem grande, que foi contida pelo pessoal do “deixa disso”. Quem mais ajudou a apaziguar foi o Mr. Chuck Billy (vocalista do Testament), inclusive me desgrudando do batera. O clima estava péssimo somente com o Louie; o restante da banda foi bem tranquilo, mas o atrito com ele continuou durante o dia e quase chegamos às vias de fato por várias vezes.

Já estávamos nos camarins e para nossa surpresa bateram na porta. Era o Chuck Billy e o baterista. Ele entrou e pediu para o batera se desculpar por ter sido um idiota, e assim foi feito. Em seguida, em uma tentativa clara de deixar as coisas menos tensas, o Louie propôs que utilizássemos os mesmos hi hats (eram dois), pois o MX tocaria antes deles. Assim foi feito.

Foi um grande dia, uma grande noite. O MX foi ovacionado de uma maneira incrível (existem vídeos no YouTube). Saímos do palco com a galera ovacionando, foi sensacional.
Alexandre da Cunha (baterista MX)

A aura perigosa em torno dos shows era meio comum. Motörhead foi o primeiro show grande e gringo que eu vi. Eu era moleque e foi um dos shows mais violentos. O Testament teve isso também. Tinha um clima de violência. Lembro que eu falava zuando que gostava mais do Testament que do Metallica porque tinha uma comparação entre as duas bandas, mas eu achava o Testament mais underground.

O Testament ia dar autógrafos na Woodstock Discos. Hoje chamam isso de meet and greet. Eles chegaram na loja e o público avançou na van que tava trazendo a banda. Foi uma zona e os caras foram embora. 

No show eu fui com um ou dois amigos. Lá, um cara mais velho colou na gente falando que tinha uma câmera fotográfica com um filme que era asa 800. Ele pediu dinheiro pra gente, o que hoje em dia seria tipo uns 30 reais, dizendo que ia fazer um monte de foto do show e que no final entregaria o filme inteiro pra nós. Pô, foto de show era algo raríssimo. A gente se empolgou demais com aquilo, íamos poder guardar as fotos daquele show pro resto da vida, cara! Pagamos o cara, ele fez as fotos, e eu lembro que uma semana depois a gente revelou. Gostamos de uma ou duas fotos. Uma delas eu mandei enquadrar e tenho até hoje. Ou seja, eu ainda tenho uma foto desse dia, tirada por um mano que eu não conhecia. Contar essa história hoje é a coisa mais banal que tem. Mas aquele momento era tão especial que eu queria guardar aquilo de algum jeito, nem que fosse pagando um cara que eu nem conhecia. 
Pablo Menna (guitarrista Questions)

Pablo Menna e a foto tirada, hoje enquadrada, do show do Testament.

Em 1989, eu e o Eric De Hass trouxemos o Testament para o Brasil. Um dos fatos curiosos foi quando eles foram para a Woodstock. Preparei tudo dentro da loja para a sessão de autógrafos, mas quando o Chuck Billy chegou, disse que ia ficar na calçada da loja junto com os fãs… mas aí eles acabaram entrando na loja.

Outro fato curiosíssimo foi que não tínhamos dinheiro para contratar roadies para ajudar, então perguntei para o Max Cavalera, do Sepultura, se ele poderia fazer isso (ser o rodie). De pronto ele aceitou. Mas, quando o Chuck Billy viu o Max no Projeto SP, se assustou e perguntou o que ele ia fazer. Max disse a ele, que não acreditou. Naquele momento começou uma amizade entre eles.
Walcir Chalas (Woodstock Discos)

Chuck Billy (Testament) na porta da Woodstock Discos / Reprodução Woodstock Discos

Pra gente foi muito importante o Overdose abrir o show do Testament no Brasil. Foi uma experiência foda ver como os gringos trabalhavam, só que, geralmente, você ser banda suporte dos gringos quando eles vêm pro Brasil costuma ser um pouco complicado. O pessoal falava que era foda abrir pra banda gringa, aí eu peguei um pouco de trauma. Não sei o que acontece, quando essas bandas vêm pra cá elas “se crescem”, mas lá fora é um lance mais de igual pra igual mesmo.

A gente teve um problema nesse dia. Rolou uma treta lá por causa de uma peça da bateria e o pessoal da equipe do Testament ficou amarrando o show. Mas isso também pode ter sido ingenuidade nossa, né? Não lembro direito quem fez o convite. O irmão do Claudio, o Ricardo, era empresário, e acho que foi coisa dele com a Woodstock lá, com o Walcir.

Deles ali do Testamente o Chuck Billy (vocal) foi o mais legal de todos. Inclusive quando a gente fez uma turnê nos EUA e Europa, em 95/96, no show que fizemos em Berkeley, na California, o Chuck tava lá. Lembro que eu fui dar uma bola com ele e tal, foi divertido (risos). Nesse mesmo show tava o guitarrista do Faith No More também, foi um lance massa.

O show de 89 foi uma puta experiência. Tocar com uma banda gringa, no Projeto SP, que era um lugar maravilhoso, grande pra caralho… No dia, depois que a gente saiu do palco, começou o show do Testament e a nossa sensação era tipo “nooossa!”. Eu paguei um sapo porque nunca tinha visto o show dos caras e foi maravilhoso.
Bozó (vocalista do Overdose)