40 anos de punk 40 depoimentos sobre qual música mais representa o movimento

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Foto: Sounds Like Us

O punk é algo bem importante nas nossas vidas. Traz descobertas, críticas, questionamentos, soluções. Nele nos incluímos. Por meio dele fizemos amigos, compramos algumas brigas, amadurecemos. Mas o principal é que no punk nos encontramos com algo que a gente nem sabia nomear. Algo que só no encontro você descobre que é seu. O punk, pra nós, sempre foi um estado escolhido.

Não se sabe ao certo qual o ano registrado na certidão de nascimento do punk, mas 77 com certeza se tornou o marco oficial. Antes disso os Stooges já faziam um grande estrago com seus três primeiros discos, o New York Dolls já vinha influenciando uma galera e o MC5 completava essa trinca seminal que serviu de base referência para o que viria a acontecer a seguir.

Mas mesmo com o primeiro disco do Ramones, lançado em 76, o punk como movimento se consagrou de fato em 77, com o lançamento do Rocket to Russia (Ramones), do homônimo disco de estreia do The Clash e do Never Mind the Bollocks (Sex Pistols), que graças à clássica “God Save the Queen” deu nome à geração “no future”.

Foto: Sounds Like Us

Em um Brasil encolhido pelo teto opressor da ditadura, Restos de Nada, Olho Seco, Ratos de Porão, Inocentes,  Garotos Podres, Cólera e tantas outras levantaram a bandeira do punk como movimento e devolveram o rock para o lugar onde ele é mais feliz: a garagem.

Do outro lado do globo, no início da década de 80 e compartilhando uma mesma raiva incendiária, mas visando diferentes alvos, uma molecada em erupção acelerou o que havia aprendido com punk 77 e transferiu aquela sonoridade já enérgica para um nível urgente, agressivo e necessário. Bad Brains, Rattus, Minor Threat, D.R.I, Kaaos, Black Flag e tantas outras criaram o que a gente conhece como hardcore, dando ainda mais força ao ideal punk.

Houve também tempos em que o punk invadiu as rádios. Bad Religion, com “American Jesus”, até ganhou clipe. O Rancid apareceu, estourou, virou coisa grande. Era a década de 90 e o Brasil também foi celeiro de quem entendeu muito bem o que os desbravadores da década anterior deixaram como herança. Garage Fuzz, Point of No Return, Dead Fish e dezenas de bandas deram um novo rumo ao punk, criando novos subgêneros e sonoridades tão importantes quanto ao inaugurado no início do movimento.

Nestas quatro décadas, mantendo o espírito do punho em riste, o punk sobreviveu a atropelos, crises, encontros, desencontros, raiva, transformações, shows e mais shows, conversas e mais conversas, bandas e mais bandas. Numa leitura tão romântica quanto real, a geração “no future” negou a alcunha e entregou para a clássica geração 77 um presente indicador de que enquanto houver sangue, suor, sonhos e anseios por alguma luta, o punk existirá. Como uma reposta, ou como o questionamento fundamental. E para celebrar essa história de vida, aqui vão 40 depoimentos com as músicas que mais representam o punk.


Amanda Mont’Alvão (Sounds Like Us / O Resto é Ruído Podcast)

“Alternative Ulster” – Stiff Little Fingers
Por ter crescido no interior de Minas (Uberaba, uai), minha exposição ao punk tinha aquele filtro deformador da popularidade: ou era Ramones, ou Clash ou Sex Pistols. Dava muito valor ao Ramones, mas o lance é que eu sempre gostei mais das “metalerices My War” do Brain Drain. O punk paulista só chegava em pílulas, por meio do programa Alto-Falante ou quando eu conseguia comprar uma revista aqui e ali. Eu sabia que algo do punk me mobilizava, me representava, mas mais ideológica do que sonoramente. Até eu ouvir o Stiff Little Fingers, graças ao Soulseek. “Alternative Ulster” chegava aos pouquinhos, com uma estrutura tímida de crescendo. Jake Burns parecia bravo, convocatório. Falava de origens, de pertencer a um lugar com o qual não se identificava, de mudar em vez de esperar a mudança. Grudou na cabeça, tornou música uma sensação que eu tinha e não conseguia expressar. Era a reunião entre retórica e prática, a ponte entre acreditar em algo e fazer desse algo uma ética.

Stiff Little Fingers. Foto: Divulgação

Vina (Sounds Like Us / Huey)
“Pesadelo” – Inocentes
Quando só havia Dead Kennedys, Toy Dolls e Ramones, o ano de 88 trouxe a coletânea Ataque Sonoro; o Tente Mudar o Amanhã, do Cólera; e o Adeus Carne, do Inocentes. Esses foram meus passaportes para um punk que pude chamar de meu. Entre eles, Adeus Carne foi o disco que me fez ler, estudar, pensar, interpretar as letras. Entre elas, “Pesadelo”. Apesar de musicar um poema, escrito pelo Paulo César Pinheiro, o Inocentes incorporou a mensagem com muita propriedade. “Pesadelo” é conflituosa. Mesmo sem a rispidez de Miséria e Fome, mistura revolta, resistência, contestação, força, esperança e a luta por uma liberdade de busca árdua e que parecia distante. Vai contra a censura, grita contra o abuso de autoridade e o regime. Hoje, pra mim, o punk está nisso. “Você corta um verso eu escrevo outro. Você me prende vivo, eu escapo morto. De repente olha eu de novo perturbando a paz, exigindo o troco”. Punk puro e encrustado. Como um movimento que ultrapassa a fúria musical. É um estado, uma condição por opção e crença.

Subhumans. Foto: Ricky Slagter

Alexandre Cruz Sesper (Garage Fuzz / The Pessimists / Acruz Sesper Trio)
“Straightline Thinking” – Subhumans
O Subhumans foi uma banda que escutei muito no final dos anos 80 e penso que foi a que mais quebrou o molde do que era punk/HC para mim. Nos primeiros discos, as bases eram diretas e as letras sobre religião, governo e guerras. Mas essa fase de transição do som deles, com letras mais profundas e pessoais, e também músicas com a dinâmica quebrada, mudou minha forma de escutar punk/HC

Andreza Poitena (No Gods No Masters) “Boas Razões Pra Queimar Gasolina” – TuNa
Queria escolher uma música que representasse a comunidade punk porque é assim que conheci o movimento. É como o vejo e tento construí-lo: UMA COMUNIDADE. Não acredito em cena. Acredito em rede, apoio mútuo, e o punk transmite isso de diversas formas. A mais forte é essa rede conectada globalmente que une todos nós através da mensagem crítica de músicas que tentam ultrapassar os limites da linguagem e chegar nos zines, debates, manifestações, comida sem crueldade, nos encontros inspiradores e nas conspirações que são construídas nos shows ou em eventos DIY. Encontrar essa família formada por convicções e voltar pra casa cheia de ideias, sorrisos e amor. A música que representa tudo isso é “Boas Razões Pra Queimar Gasolina”, do TuNa. Fala sobre quando eu entro em um carro pra viajar pelo mundo, com pessoas incríveis que lutam por um mundo melhor, que tentam construir outras formas de ver o mundo e que revolucionam seu cotidiano.

Anselmo Carlucci (Inocentes)
“Miséria e Fome” – Inocentes
Sempre gostei muito desta música. Por falar da desigualdade em geral, da miséria em evidência em um mundo onde existe tanta fartura e por ser algo que gera repúdio não apenas por punks, mas por todos em geral. Por eu tocar e por estar ainda em evidência depois de tantos anos e também porque quando eu era público do Inocentes, curtia muito essa música.

Ramones. Foto: Howard Barlow

Ariel (Restos de Nada / Inocentes / Invasores de Cérebros)
“Blitztrieg Bop” – Ramones e “God Save the Queen” – Sex Pistols
Pra mim, a música que define o punk rock são duas (risos). “Blitztrieg Bop”, do Ramones, por conseguir traduzir o que a juventude esperava do rock n’ roll das ruas, e “God save the Queen”, dos Sex Pistols, pelo deboche anárquico contra as instituições e por criar as bases do punk pela guitarra de Steve Jones.

Barata (Test / D.E.R.)
“Raped Ass” – Anti Cimex
Quando rolou os atentados do 11 de setembro, eu lembro de ver tudo, ao vivo, pela TV enquanto tocava Anti-Cimex no som. Parecia o fim do mundo! Era a trilha perfeita. O mundo não acabou, os problemas aumentaram, e quando a gente para pra pensar, se dá conta de que não adianta mudar só uma coisa ou outra, tem que mudar tudo. O sistema inteiro é completamente fodido!

Anti Cimex. Foto: Divulgação

Boka (Ratos de Porão / Pecúlio Discos)
“Botas, fuzis, capacetes” – Olho Seco
Quando ouvi esse som devia ter uns 16 anos e fiquei com medo. Foi tipo o fim do mundo escutar isso…hahaha.

Caio Augusttus (Desalmado)
“Bullshit Propaganda” – Extreme Noise Terror
O álbum Retro-Bution foi meu primeiro contato direto com o punk. Depois fui atrás de mais bandas do estilo além do crust, conhecendo um pouco mais. Ouvindo de novo o álbum, criei minha lista de favoritas e a “Bullshit Propaganda” era uma delas. Não só pelo conteúdo das letras, mas certamente pelo instrumental, que é extremamente punk. Tem aquela magia dos riffs simples, rasgados e caóticos. O riff do refrão é uma das coisas mais safadas em termos musicais, mas é justamente nessa passagem que se destaca a mística do punk raw crust.

Extreme Noise Terror

Camilla Leão (Futuro / The Pessimists)
“Babylonian Gorgon” – The Bags
Uma voz feminina contando o porquê de ela estar enfurecida com a situação política ao seu redor, se recusando a fazer parte de algo ao qual ela não se identifica. É a essência do punk em uma só música, demonstra raiva, questionamentos, atitude, tem solinhos incríveis e ainda rende uns poguinhos elétricos na sala de casa! Não preciso nem falar sobre Alice Bag, né? A voz do punk é feminina e é latina SIM!”

César Carpanez (Highlight Sounds)
“Best For You” – Bad Religion
O primeiro álbum do Bad Religion que eu ouvi foi o No Control, no início dos anos 90. Eu andava de skate e devorava as páginas da revista Thrasher buscando informações de bandas de punk, hardcore e metal. Nela eu vi uma resenha do Suffer. Depois de um tempo consegui comprar o CD importado e a faixa “Best For You” se destacou. Primeiro pela música e mais tarde pela letra. Punk rock pra mim sempre representou o fato de poder pensar por mim mesmo, independente do que a massa acha (Against The Grain), e também poder praticar a liberdade de expressão e pensamento. Com essa música aprendi que NINGUÉM melhor do que eu mesmo pra saber o que é bom pra mim.

Bad Religion. Foto: Divulgação

Clemente (Inocentes)
“California Über Alles” – Dead Kennedys
Pra mim esta é a música mais representativa do punk. Tem toda a raiva, cinismo, criatividade e músicos que optaram pelo punk como linguagem estética. Tudo!

Daniel Cacciatore (Presto?)
“Pela Paz” – Cólera
Pensei bem aqui e resolvi escolher o Cólera, com “Pela Paz”. Numa época em que o punk era cheio de treta e a maioria das músicas falava de morte, tinha que ter muita coragem pra falar de paz.

Cólera

Eduardo Andrade – Questions / Revolback
“California Über Ales” – Dead Kennedys
Pra mim o punk/hardcore sempre representou atitude, arte e política, e a primeira fita cassete deste estilo que ouvi na minha vida foi em 1985, da banda Dead Kennedys. Lembro que a faixa “California Über Ales” foi a que mais me tocou e sintetizou o que este estilo continua representando pra mim até os dias de hoje.

Eduardo Vudoo (Lobotomia)
“Crucificados pelo Sistema” – Ratos de Porão
São tantas músicas que representam o punk! Mas eu moleque, quando ouvi “Crucificados pelo Sistema”, foi um soco na têmpora que balançou o cérebro e me tornou um adolescente delinquente…hehe.

Spitboy

Elaine Campos (Rastilho)
“Violent Tongue” – Spitboy
O Spitboy é uma banda feminista da Califórnia, formada nos anos 90 e muito ativa na cena punk DIY. As letras eram voltadas a temáticas sobre as mulheres, seja denunciando as diversas formas de violência machista e sexista, o fim do sistema patriarcal passando e também reflexões sobre interseccionalismo no punk. O Spitboy chamou o seu segundo disco de True Self Revealed em 1993. O encarte é incrível. Tem 16 páginas, com lindas ilustrações, letras (em inglês e outros idiomas), textos, além de endereços de organizações feministas e centros de referência a mulheres em situação de violência. Desde que as conheci, ainda na metade dos anos 90, este tem sido um disco incrível. Posso arriscar que é um dos meus favoritos da cena punk feminista. Destaco um dos meus hinos, com uma letra que fala sobre não nos calarmos diante de violentos ataques machistas que tentam nos silenciar cotidianamente quando protestamos.

Fabio Zvonar (Olho Seco)
“Steppin’ Stone” – The Monkees
Olha, eu não iniciei nesse mundo do rock curtindo a música punk. Venho de muito  antes e o som que eu curtia em 1966 era “Steppin’ Stone” da banda The Monkees.   Quando conheci a música punk, além das bandas de peso que eu curtia da época, tinha vergonha de dizer que curtia The Monkees… e não é que, para meu espanto, em 1979 o Sex Pistols grava esse som e, mais tarde, em 1981, minha banda preferida, Minor Threat, também gravou esse som? Então este som, que passou por gerações e foi mostrada com uma nova roupagem para as novas gerações, é o som mais punk, que eu já escutava em 1966.

Sick of it All

Fabio Prandini (Paura)
“Step Down” – Sick Of It All
Além da música conter todos os elementos do hardcore/punk, só o trecho “Please have more to give than fashion and images” (Por favor, tenha mais a oferecer do que moda e visual) já condiz com o que acredito que o punk representa. Muito mais do que moda e imagens.

Fabio Godoy (Sistema Sangria / Ódio Social)
“Let’s Start A War (Said Maggie One Day)” – The Exploited
Esta música é pouca ideia. Manda tudo se foder e já era. Não é alienada e nem politizada demais. Agressividade e rebeldia incontidas.

The Exploited. Foto: Divulgação

Fausto Celestino (AI-5)
“God Save the Queen” – Sex Pistols
Não tem como não mencionar essa porque foi a primeira música punk que ouvi na vida quando o Kid Vinil trouxe esse compacto da Inglaterra.

Fernando Sanches (CPM 22 / O Inimigo / Estúdio El Rocha)
“I’m Not A Loser” – Descendents
A fúria adolescente que quem foi excluído da elite do colégio vai carregar pra toda a vida. O punk pra mim é isso: fazer o que tem que ser feito, e não um corte de cabelo.

Descendents. Foto: Sounds Like Us

Iran Costa – Xavero (Cankro / Sem Hastro)
“Somos Vivos” – Cólera
Quando se fala de punk pra mim é difícil escolher apenas uma música que defina isso na minha vida, mas apesar de ser obcecado pelo gênero, vou escolher uma banda nada obscura e que com certeza marcou a vida de muita gente no punk sul-americano, “Somos Vivos”, do Cólera. Eles são uma das poucas bandas de punk nacional dos 80 que não são tão aclamadas fora do Brasil, acho que por eles sempre terem ficado mais ligados à mensagem do que à música em geral (não que seja ruim, muito pelo contrário). Esse som pra mim define a forma de viver, de olhar pra si mesmo, ter autonomia, aprender com os próprios erros e suicidar aquele seu orgulho pessoal, “pois nascemos sempre que erramos”. O punk não é uma bolha, como nada nesse mundo nunca vai ser; ele abre os caminhos dentro da nossa mente. Taí um som que faz você refletir e evoluir como ser humano.

Jão (Ratos de Porão / Periferia S.A.)
“Anarchy in the UK” – Sex Pistols
Eu voto em “Anarchy in the UK”, do Sex Pistols, pelo pioneirismo e por ser a primeira música a falar de anarquia “I am an antichrist/ I am an anarchist”.

Sex Pistols

Javier (Armagedom)
“God Save the Queen” – Sex Pistols
Porque representa o sujo, tem o escárnio, o lado político, a zoeira, a revolta, os princípios de não sei tocar mas vou fazer assim mesmo. É uma das principais referências. Não é a única, mas é bem importante.

Kalota (Inspire)
“New Age” – Blitz
Tem várias músicas que foram/são importantes, mas eu sempre ouvia “New Age”, do Blitz, no meu walkman. Ela acabou sendo a trilha sonora da minha pré-juventude enquanto eu estava na rua. Sempre que escuto me vem várias lembranças. Algumas boas e outras nem tanto, mas tem um significado especial pra mim.

Luciano Valério (Desmonta)
Bad Brains – “Sailin’ On”
Lógico que tiveram outros sons, mas a música que mais me impressionou foi “Salin’ On”, do Rock for Light. Era um som muito pitoresco. Eu fechava os olhos e ficava tentando imaginar o que tava acontecendo, aquela confusão toda, uma coisa meio primitiva e ao mesmo tempo muito estruturada, muito melódica. Era rápido e diferente das coisas que eu estava escutando na época, como Black Flag, Dead Kennedys e Fugazi, então “Salin’ On” é a música que mais representa o punk pra mim.

Bad Brains. Foto: Glen E. Friedman

Magoo (Twinpines / Goo Fx Art)
“I Just Want to Have Something to Do” – Ramones
Quando conheci o Ramones descobri duas coisas que mudaram minha vida musical: você não precisava saber tocar muito bem um instrumento pra ter uma banda, bastava tocá-lo. Você não precisava ser careta pra falar de amor, falar das suas frustrações amorosas e suas dores do coração, não precisava se encaixar em nenhum estereótipo pra tentar conquistar sua garota. Você podia ser punk e ser tão romântico quanto um cantor de programa de auditório, mas com um diferencial: você podia fazer tudo isso sendo punk! Bom, não há dúvidas de que os Ramones eram mestres em falar de amor, principalmente quanto a amores frustrados e fracassados, e eu, emo que sou, os nomeio como meus escolhidos pra representar a musica que representa o punk pra mim. “I Just Want to Have Something to Do” me marcou não só pela letra, mas pela forma rica com que a musica é conduzida, se diferenciando das demais bandas punk da época. Ramones é punk falando de amor sem ser piegas, com atitude, e é disso que se trata o punk né? Atitude. Não é fácil dizer “I just want to be with you” quando se tem 13 anos, rs. Foram anos incríveis.

Inocentes

Marco Badin (Hangar 110)
“Medo de Morrer” – Inocentes
É difícil definir uma música como sendo a mais representativa dentro do universo musical maravilhoso que é o punk rock. Mas tem uma que marcou muito e que até hoje gosto muito. Acho que tem a ver com o contexto da época. Escutei pela primeira vez em meados de 1980, não lembro ao certo. Estávamos ainda sob o comando de uma ditadura militar e, para os jovens da época, o maior pesadelo era ser obrigado a se alistar no exército. Justamente o exército que oprimia.

Marcelo Papa (Rastilho / Bandanos / Stand of Living)
“Hear Nothing, See Nothing” – Discharge
Acho que o Discharge deve ter sido a primeira banda punk que eu escutei quando era moleque. A gente via as bandas gringas usando camisetas e um amigo nosso descolava umas fitinhas com os manos do fã clube do Sepultura, e foi nessas aí que eu conheci muita coisa. Eu poderia até falar do Dead Kennedys, mas acho que o Discharge foi mais impactante. Mas sabe o que foi um puta divisor de águas pra mim? Uma fita do Holocauto Urbano que apareceu na nossa roda no começo dos 90. Ninguém sabia o que era punk ainda, mas isso me levou a procurar todo o resto. Quando eu digo que o Racionais molda caráter, não é mentira.

Discharge

Marcelo Rubens Paiva (autor dos livros Meninos em Fúria e Feliz Ano Velho)
“Anarchy in the UK” – Sex Pistols
Porque representa todo o espírito de uma época.

Matheus Mondini (Nada Nada Discos)
“Polícia” – Mercenárias
Agressiva, dançante, poética, contestadora… Sessenta segundos cravados de uma sirene que vem e que vai, anunciando que chegou quem não devia.

Mercenárias. Foto: Divulgação

Nick Tape (Coke Bust, Sem Hastro, Sectarian Violence, The Vipers, Cobra Cobra)
“Blockhead” – D.R.I.
Essa música resume bem as falhas da obscura e deprimente vida consumista e capitalista que consome a maioria de nós – incluindo pessoas como eu, que continuam amando o D.R.I. 16 anos depois de tê-los escutado no colégio. “Cubicle man does what he can to keep himself alive. Pays his share for his little square in order to survive!”. Apesar da minha conexão com letras mais simples e diretas como “I Do Not Need Society” e “Commuter Man”, “Blockedhead” me mostrou a verdade de um jeito doloroso. De qualquer forma, o D.R.I. conseguiu prever o meu futuro de uma forma simples e inegável. Não é necessária nenhuma interpretação. Em breve terei o “Nursing Home Blues”, se eu chegar tão longe! D.R.I. é foda.

D.R.I.

Nivaldo (Kaos 64)
“Anarchy in the UK” – Sex Pistols
Pra mim, que vivo a cena de protestos, existe uma cena punk musical e uma outra, de protesto nas ruas. Todos os som de bandas punks são muito importantes, sempre  alguém vai escutar. O movimento punk deu voz aos mudos do sistema que viviam  sob o controle das regras.

Pablo Menna (Questions)
“Aprendi a Odiar” – Inocentes
Pra mim o punk feito no Brasil tem um sabor diferente. Condições precárias de vida, desigualdade social obscena e no final dos anos 70, começo dos 80, um regime autoritário que calava seus opositores na base da intimidação e da violência. Assim, o punk brasileiro representa algo muito mais urgente e ousado porque tinha que enfrentar uma situação muito pior do que na gringa para conseguir existir. Uma das músicas que pra mim representa demais o espírito punk é “Aprendi a Odiar”, do disco Miséria e Fome, do Inocentes. Duas bases em um minuto, poucos versos de raiva explosiva. Simples, visceral.  A palavra “ódio”, no mundo divido de hoje, está associada a coisas terríveis como racismo, homofobia e preconceitos em geral. Mas no contexto da época, pelo menos pra mim, ela significava uma declaração de desprezo a um sistema cruel, a um modelo de sociedade que deixa milhares de pessoas em condições miseráveis, sem acesso aos direitos básicos que deveriam ser de todos. Um grito que, infelizmente, continua muito atual.

Rodrigo Carneiro (Mickey Junkies)
“Punky Reggae Party” – Bob Marley
Voto em “Punky Reggae Party”, pois é a leitura do punk (inglês) feita por um dos maiores artistas do século 20: Bob Marley. Cortesia de Don Letts, cicerone do cantor e compositor jamaicano no universo que tanto o intrigara. Como diria o Thaíde, mó treta! Hahaha.

Dead Kennedys. Foto: Divulgação

Rodrigo Lima (Dead Fish)
“Holiday in Cambodia” – Dead Kennedys
Antes dos 15 anos meu som preferido era “Hollyday in Cambodia”, dos Dead Kennedys. Era a música que mais ouvia em voltas de campeonato de skate até aquele momento. Depois dos 15 conheci o Bad Religion e tenho umas três músicas que ilustram esse tempo até fundar minha banda: “Suffer”, “21 Century Digital Boy” e “Fuck Armagedon”.

Sandra Coutinho (Mercenárias)
“Sagração da Primavera” – Igor Stravinsky
Em 29 de maio de 1913, a polícia teve que ser acionada para conter a histeria que tomou conta dos Champs-Élyseés. Qual o motivo? DISSONÂNCIA e coreografia sem tule. É assim que eu enxergo o punk: atitude!

Scott Crawford (diretor do documentário Salad Days: A Decade of Punk in Washington, DC)
“Marginal Man” – Marginal Man
É difícil restringir o punk a apenas uma faixa. Tem tantas músicas que são importantes pra mim e me ajudaram a definir o que era o punk. Uma música que me vem à mente é “Marginal Man”, da banda homônima, de DC. Era uma música (como tantas outras) que falava sobre alienação, isolamento e a tentativa de encontrar sua “tribo” – tudo o que eu poderia relacionar à adolescência quando descobri a banda e o punk rock. Eles continuam sendo uma banda subestimada, mas suas letras, shows e atitude levantaram o nível para mim em termos do que faz uma banda de punk realmente ser excelente.

Marginal Man

Thiago Nascimento (D.E.R)
“Desemprego”- Fogo Cruzado
Este som consegue fazer um resumo perfeito do que é o punk: visceral, furioso e com uma visão muito além da sua época. Sai ano e entra ano e esta música continua inspiradora.