Assück A estética furiosa que reverberou no underground dos anos 90

In Bandas
Vinicius Castro

De forma rasa e simplória, o grindcore pode ser visto como algo adolescente, birrento, uma simples gritaria, puro barulho. Mas o grind é a ruptura com a estética, as normas, a simetria e com a própria música. A poesia do grind está na anti-música.

Mais que agredir os ouvidos, o grind é também sobre gritar, gritar e gritar até que se faça ouvir. Na marra, sem aviso prévio. Um grito urgente que só faria sentido se fosse conduzido por algo tão veloz quanto o discurso que, no espaço de alguns instantes,  precisa ser entregue sob uma potência de bpm (batidas por minuto) elevada.

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Ao final da década de 80, começo da de 90, dentro daquele então novo enquadramento, algumas bandas deixaram sua marca. Agathocles (Theatric Symbolisation of Life fez a cabeça dos brasileiros), Fear Of God, Sore Throat, SOB, Terrorizer, Napalm Death, Filthy Christians e o grande Repulsion foram algumas delas. Era a nata do grind. Mas um outro nome ajudou a povoar o ruidoso início da criativa década de 90: o Assück, formado em 1998, na Flórida (EUA).

O Assück durou pouco tempo, de 1987 a 1998. Tão meteórico quanto a velocidade com que alastrava seu grind violento. Onze anos de desgraceira, como a gente costumava falar.

Entre oito lançamentos, apenas dois eram álbuns completos. O restante eram EPs, splits, compactos e uma coletânea lançada em 1994.

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Tinha uma certa dose de magia que fazia com que a mensagem, de ângulo esquerdista, e a música andassem juntas.

No grindcore, poucas bandas foram capazes de dominar uma fusão de estilos. Outras não conseguiram mostrar essa fusão de forma, digamos, bem dosada. O Assück conseguia essas duas coisas e um pouco mais. Hardcore, crust, death metal, thrash e grindcore. Tá tudo lá no primeiro e no segundo disco da banda. Anticapital e Misery Index, respectivamente. Duas obras do alto escalão do bom barulho.

O primeiro, em seus pouco mais de 15 minutos e 17 músicas, é nutrido de peso, velocidade e andamentos criativos. É a equação perfeita entre o discurso politizado, a fúria do grind e a produção semelhante, até certo ponto, às bandas de death metal. Em “World of Confusion”, uma das prediletas da casa, os urros finais expurgam um trecho bem representativo dos temas abordados pela banda: In this world we all lose to the politics of lies.

Ouça “October Revolution”, “Civilization Comes, Civilization Goes” e você vai entender o que descrevi há pouco sobre a arte de equilibrar referências. Vale mencionar também que, embora seu nome seja pouco ventilado, Rob Proctor é sem dúvida um dos melhores bateristas de metal extremo daquela fase e isso fica claro em cada uma das músicas de Anticapital.

Misery Index, o segundo disco, foi lançado em 1997 e traz o guitarrista Steve Heritage também nos vocais, já que Paul Pavlovich deixou a banda em 1992. Com Jason Crittendon no baixo e Rob Proctor na bateria, a banda continuava afiada.

Menos cirúrgico que o anterior, ao mesmo tempo que Misery Index abusa mais dos riffs tortos, também soa menos inventivo. Mas não se engane, ele mantém intacta a assinatura de uma das melhores e mais completas bandas de grind que esse mundo já viu e ouviu, só que dessa vez em um resultado mais sujo e próximo do metal.

Misery Index é repleto de músicas muito poderosas, encharcadas de dissonâncias. Talvez por isso ele soe mais gelado que o primeiro registro, mas igualmente feroz. “Slat Mine”, “Talon of Dominion” e “Wartorn” são alguns exemplos desse conteúdo.

Foto: Coffin Jon
Foto: Coffin Jon

A história enxerga na contextualização dos fatos algo muito valoroso. Nesse caso, é preciso entender o Assück como uma banda que é produto do seu tempo, ainda que este tenha sido um tanto curto. Um tempo em que a música realmente precisava ir além e o grind foi. Rompeu, atormentou e musicou a inquietude que fervia dentro de quem precisava dar nome àquilo. Uma erupção energética apressada e livre onde eles deixaram sua assinatura definitivamente.