Discografia Faixa a Faixa: PJ Harvey

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Vinicius Castro

“Eu queria escrever para mim, sobre mim mesma. Como alguém que estivesse olhando para mim”. A frase de PJ Harvey, publicada no The Observer, é parte de uma análise sobre um de seus discos, mas veste bem a amplitude de toda a obra dela.

PJ Harvey é uma artista que olha para onde ela mesma aponta e seus discos sempre funcionaram como cerimoniais atemporais, fossem para saudar o passado, apreciar o presente ou tentar entender o que ela faria a seguir. Um conjunto de exposições em uma voz que equilibra, costura e escancara algumas dores, aflições, contradições e muita poesia.

PJ Harvey ao vivo na época do disco Rid of Me (1993). Foto: Ebet Roberts

PJ nasceu Polly Jean Harvey, em Dorset, Inglaterra. A história conta que, ainda adolescente, queria ser cirurgiã veterinária, o que não aconteceu. Pra nossa sorte, ela acabou indo estudar em uma escola de arte, se apaixonou por aquele universo e desistiu da carreira veterinária.

Na minha vida o nascimento de PJ acontece com o clipe de “Man-Size” [assista aqui], uma música forte e um bom recorte de como PJ sempre elevou seus temas feministas e já nos atirava essas questões há mais de duas décadas.

PJ Harvey na época de To Bring You My Love (1995). Foto: Divulgação

Com as imagens daquele vídeo ainda frescas na memória, apelo às (hoje extintas) locadoras de CDs. Foi de uma delas, de nome Ritmoon, que certa vez levei Rid of Me para casa. A partir dali, cada disco viraria um acontecimento e cada música soaria como se fosse a melhor coisa que ela havia feito.

De Dry a The Hope Six Demolition Project, PJ deixa claro o quanto o termo independente é algo rico em referência à sua discografia. Ela acena para onde quer, experimenta e cria o que lhe faz sentido em diferentes épocas. O espírito bucólico do folk, a explosão do rock, o desprendimento do punk, a amplitude das big bands, a facilidade encantadora dos refrãos pop. Tudo na mais sangrenta das entregas.

PJ Harvey ao vivo no festival Big Day Out (2001). Foto: Bob King

Na linha do tempo de PJ, não há uma música que soe burocrática, mesmo que seja aquela que você nem goste muito. PJ é avessa à burocracia criativa. Como citamos no início deste texto, ela parece mesmo escrever para ela que, dona de sentimentos tão humanos transmitidos com uma intensidade sobre-humana.

Não é por acaso que PJ é uma ótima contadora de histórias. Seus pais tinham uma grande coleção de discos de rock progressivo e de cantores como Bob Dylan, que exerceu influência direta na forma como ela trata sua escrita. Outro nome diversas vezes citado por ela como uma de suas principais referencias é Don Van Vliet, mais conhecido por Captain Beefheart. Admiradora e amiga, PJ arrancou elogios de Vliet e até fez parte da banda de Beefheart por um tempo, tocando baixo em alguns shows.

PJ Harvey na época do disco White Chalk (2007). Foto: Divulgação

Entre colaborações e registros solo, cada álbum nos apresentam talhos e retalhos de uma narrativa guardiã do seu momento, repleta de nuances dissolvidas por uma artista dona da sua própria cena.

É sobre esse rico universo que queremos falar, ou escrever. Sobre discos que já conhecíamos de tanto ouvir. Sobre outros que não demos muita importância, mas que com o tempo passamos a ter uma relação mais próxima. Coisas de uma artista como PJ, que sem qualquer afetação, mostra que cada álbum tem seu período de maturação e que a mesmice é verbete fora de sua gramática.

“Oh My Love”
DRY
(1992)

Gravado em trio, com Steve Vaughan (baixo) e Rob Ellis (bateria), Dry é um clássico instantâneo, registrado enquanto PJ vivia, e sobrevivia, as angústias dos seus 20 e poucos anos. É possível sentir os medos, a força, coragem e a necessidade poética da então estreante. Ela parece se agarrar à chance de exprimir tudo o que fosse possível, como se aquele momento durasse somente o tempo que o disco tinha para ser registrado.

Há em Dry uma coleção de composições costuradas por entranhas. Entre elas, “Oh My Lover”, que abre o disco e o nosso especial com sua carga de dramaticidade e acordes diretos enquanto cada palavra parecer ser resgata de lugares soterrados.

*Para a nossa playlist, adicionamos a versão de “Oh My Lover” registrada no Peel Sessions. O disco Dry não existe no Spotify.

“Legs”
RID OF ME
(1993)

Se grande parte dos artistas sofre com a pressão do segundo disco, sobrou para Rid Of Me quebrar as pernas de tal máxima.

O álbum foi gravado em apenas duas semanas, em um estúdio bem isolado, em Minnesota, durante o inverno americano. Não que isso signifique uma influência direta, mas de alguma forma acredito que essa vibe tenha respingado em Rid of Me.

O disco beira a impecabilidade. Portanto é uma tarefa complicada escolher apenas uma faixa para representá-lo. Por esse motivo, vamos direto ao assunto: “Legs”.

Did it hurt when you bled
Oh lover boy I’ll feed the head
I’ll bet you never thought I’d try
Your mouth my love was open wide
Singing oh you were going to be my life
Damn it oh you were going to be my life

“Legs” parece amar, odiar, viver, rasgar. PJ grita, canta, grita, se despedaça e grita novamente, de forma primal, enquanto a sonoridade orgânica tem a assinatura de Steve Albini, escolhido para trabalhar no disco por conta do gosto de PJ pelo Pixies.

Albini queria, assim como fez com PJ, que o Nirvana também fosse gravar In Utero [leia mais aqui] em Minesota. Para a Spin, o produtor disse que “quando você tem alguém da banda envolvido com drogas, ter um estúdio na floresta, em vez de no meio de uma cidade, é uma boa para diminuir a probabilidade de uma recaída”. O Nirvana ainda não havia decidido se iria ou não gravar por lá e foi aí que veio uma certa ajudinha. “Todos acharam que era uma boa ideia, mas não estavam familiarizados com os registros feitos lá. Aí enviei uma cópia de Rid of Me. Kurt me disse muito especificamente que ele achava que a voz de Polly estava ótima. Ele gostou do jeito que ela cantou. Ele era fã”, completa Albini. O Nirvana então decidiu gravar In Utero no Pachyderm Studios e o resto é história.

Performance emocionante de “Legs”, em 1995

“Easy”
4-TRACKS DEMO
(1993)

4-Tracks Demos foi gravado em 1992, em uma mesa da 4 canais. Nele há músicas que depois foram incluídas em Rid Of Me, em versões com banda. Isso porque 4-Tracks Demos é só PJ, sua guitarra, algumas dobras, sua voz e nada mais. É PJ Harvey vestida dela mesma.

Nem sempre dá pra se considerar um disco só de demos como parte de uma discografia oficial, mas neste caso dá. Há no registro versões bem legais de “Hook”, “Man-Size-Sextet”, “50 Ft Queenie” e “Rid of Me”, que aparece aqui da forma semelhante a do vídeo abaixo. Uma execução brilhante.

“Ride of Me”, ao vivo no programa de Jay Leno

Pra quem gosta de uma boa teoria, há quem diga que na letra de Rid of Me PJ repete algumas vezes “Don’t you don’t you wish you never never met her” em referência a “Dirty Blue Gene”, de Captain Beefheart, que canta “Don’t you wish you never met her?”. Ouça abaixo:

O disco também tem gravações que nunca haviam sido lançadas, caso de “Reeling”, “Driving”, “Hardly Wait”, “M-Bike”, “Goodnight” e “Easy”, esta, a melhor entre as inéditas e a escolhida para esse especial.

“Down By the Water”
TO BRING YOU MY LOVE
(1995)

Escrevi o álbum inteiro no quarto da minha casa… Meus únicos vizinhos estavam a milhas de distância. Então era isso o que eu via todos os dias enquanto escrevia ” – trecho do livro Siren Rising, de James R. Blandford).

Esse não era o único cenário inspirador em To Bring You My Love. PJ também lia muito e nessa época devorou alguns livros, entre eles American Psycho, de Brett Easton Ellis.

Em meio a tanta música boa, “Down By the Water” é a melhor costura da nossa relação com To Bring You My Love. Conduzida por linhas suaves, as notas produzidas pelo synth jogam luz sobre um ponto de contato com o blues. PJ chegou a falar sobre o seu gosto por Howlin’Wolf e em “down By the Water esse carinho pelo blues aparece na semelhança com “Who’s Been Talking”.

Ao final, um canto hipnótico desliza no vai e vem sexy de little fish, big fish, swimming in the water. Come back here, man, gimme my daughter.

Sabe aquele disco que quando você ouve a primeira vez sente que era exatamente o que estava procurando há tempos? Este é To Bring You My Love. 

“Un Cercle Autour du Soleil”
DANCE HALL AT LOUSE POINT
(1996)

Ao NME, PJ Harvey disse que “queria aprender coisas diferentes, e muito do seu aprendizado vem do trabalho com outras pessoas”. Juntar-se a John Parish foi a forma que ela encontrou para testar sua escrita porque Parish sabe escrever “músicas mais exigentes e intelectuais” e ela “não se sentia muito segura pra isso”. Excesso de modéstia, só pode!

Dance Hall At Louse Point chegou a ser chamado pela gravadora Island de suicídio comercial, mas PJ rebateu isso algumas vezes dizendo que se orgulha muito das músicas gravadas ali. Não é pra menos. Mesmo sendo um disco pouco ouvido por mim, Dance Hall At Louse Point traz bons momentos, caso de “Un Cercle Autour du Soleil”, a escolhida.

“The River”
IS THIS DESIRE?
(1998)

PJ Harvey disse que ao ouvir a música “My Beautiful Leah”, que fala sobre uma mulher que estaria melhor morta do que sozinha, decidiu dar um basta em algumas coisas. “Chega! Não quero ser assim… Era tudo tão preto e branco, e a vida não é preto e branco. Sabia que precisava de ajuda. Eu queria pedir ajuda!”

Is This Desire? não é um disco fácil. É também lindo na mesma proporção. Ainda que “A Perfect Day Elise” seja palatável, todo o álbum traz uma carga pesada até mesmo para a voz de PJ. E toda essa aura não é por acaso. O sucesso de To Bring You My Love causou grande exaustão em PJ. Um outro ponto: a composição de Is This Desire? coincide com o período do fim de seu relacionamento com Nick Cave, que direcionou pelo menos três músicas de seu disco The Boatman’s Call a PJ Harvey: “West Country Girl”, “Black Hair” e “Green Eyes”. Enquanto isso, PJ focou suas dores em escrever pra ela mesma.

Is This Desire? é um momento mais passional da discografia de PJ e isso pode ser sentido em músicas como em “The Garden”, em outras mais abrasivas e talhadas em um ambiente de distopia, caso de “Joy”, e “The River” com seu looping dolorido.

Like our pain in the river
Like our pain in the river
Like the white light scattered
To be washed away slow

“Acho que Is This Desire? é o melhor disco que eu já fiz, e talvez faça. Esse foi provavelmente o ponto alto da minha carreira”, disse PJ Harvey ao Exclaim.

Is This Desire? tem algo muito caro à arte e a PJ Harvey: honestidade. É o meu predileto. Is This Desire? é perfeito.

“Big Exit”
STORIES FORM THE CITY, STORIES FROM THE SEA
(2000)

É interessante como o quanto uma capa pode entregar o conteúdo de um disco. Em Stories From the City, Stories From the Sea temos uma PJ Harvey sóbria, segura, vestida de preto atravessando uma rua em um cotidiano que diz muito sobre o momento musical dela, também voltado ao básico e vestido por melodias objetivas.

Há em Stories From the City… um encontro com o som da noite de uma cidade grande, mas em sua totalidade, não é um disco que parece ter a identidade de uma artista que arrisca. É voltado às canções, sem o amargor e a experimentação de Is This Desire e a pungência dos primeiros álbuns.

“Big Exit” ao vivo no programa de Jools Holland

Como bem registrou o Pop Matters, PJ Hatvey abre o disco com a “força de um furcão e a responsável por isso é “Big Exit”, a melhor do álbum.

Baby, baby
Ain’t it true
I’m immortal
When I’m with you
But I wanna’ pistol
In my hand
I wanna’ go to
A different land

Algumas resenhas colocaram Stories From the City… como o registro mais maduro de PJ Harvey. Apesar de ser um bom disco, não haveria maturidade suficiente para suceder Is This Desire?

Em entrevista à revista Mojo, PJ explica: “Nunca toco esse disco. Raramente toco as músicas dele. Mas foi sincero no momento em que eu estava me sentindo muito exuberante… simplesmente não me emociona. De certa forma, foi um exercício de composição pop”.

“The Letter”
UH HUH HER
(2004)

Quando foi lançado, um dos pontos que mais nos chamaram atenção foi justamente a sonoridade que ela atingiu nesse disco. “Eu estava procurando por sons angustiados e degradados”, disse à revista Tracks. As guitarras barítono, de afinações baixas, somadas a amplificadores surrados, trouxeram os resultados das coisas sujas que ela procurava.

Huh Uh Her é também um dos prediletos da casa. Talvez pelo contraponto que exerce ao refinamento existente em To Bring You My Love, por exemplo. Huh Uh Her é mais áspero e obtuso. Entre “Life and Death of Mr. Badmouth” e a maravilhosa “The Darker Days Of Me and Him”, o disco cria um universo próprio.

A gente adora essa versão de “The Letter”. Curiosidade, o guitarrista nesse vídeo é Josh Klinghoffer, que hoje toca no Red Hot Chili Peppers

Entre todas, “The Letter” é a escolhida. Tudo nela é interessante: o riff, a entrada da bateria em um groove “torto”, a captação da voz e o clima cinzento, mesmo que ela tenha uma energia feliz, como PJ disse em entrevista para a Rolling Stone.

Put the pen
To the paper
Press the envelope
With my scent
Can’t you see
In my handwriting
The curve Of my g?

Huh Uh Her é o retrato fidelíssimo da pretensão de PJ que chegou a falar em entrevista para a Spin que queria que esse disco fosse feio em alguns pontos, que tivesse um ar de sobra, mas também uma verdadeira honestidade e intimidade.

“Victory”
THE PEEL SESSIONS 1991 – 2004
(2006)

The Peel Sessions 1991-2004 o registro ao vivo das participações dela no programa da BBC The Peel Sessions, comandado por John Peel.

Pelo programa de Peel passaram nomes como Joy Division, Stiff Little Fingers, Napalm Death, entre outros. De lá saíram ótimos registros que depois das apresentações eram lançados em LP, coisa linda! Entre eles, o de PJ, que compila músicas lançadas entre os discos Dry e Uh Huh Her.

Seguindo o exercício de selecionar apenas uma, fico com a versão de “Victory”. Lançada originalmente no primeiro disco, Dry, aqui ela ganha uma execução semelhante a original, o que só reforça o entrosamento entre ela, Vaughan (baixo) e Ellis (bateria).

PJ, assim como outras bandas e artistas, era admiradora de Jonh Peel, que morreu dois anos antes do lançamento do disco. No encarte ela escreveu: “Mais do que eu gostaria de admitir, por medo e vergonha, sempre busquei sua aprovação… Todas as sessões que fiz, fiz por ele. Foi com muito amor que escolhi essas músicas… É uma maneira de agradecer. Obrigado, John”.

“The Chair”
A WOMAN A MAN WALKED BY
(2009)

Algumas resenhas classificaram este como um disco pouco memorável, e até pedante. Discordamos. Lançado entre o White Chalk e Let England ShakeA Woman A Man Walked By é um disco diferente e interessante.

O álbum teve seu nome inspirado em uma pintura de (olha ele aí de novo) Captain Beefheart, batizada de Woman and a Dog Walked By. Aqui PJ ficou somente com a parte lírica e vocal. Parish cuidou da parte musical e, comparado ao primeiro registro da dupla, nesse os dois parecem mais a vontade.

Há momentos afetados pelos trejeitos do rock alternativo, como em “Black Hearted Love” e outros mais raivosos, como em “Pig Will Not”. Mas é por “The Chair” que o coração bate mais forte. Em meio aos versos o que podemos chamar de refrão desemboca em um clima meio Television (?).

É curioso que nos discos em parceria com Perish, PJ assina como Polly Jean Harvey. É como se precisasse se distanciar, e dentro desse disso, “The Chair” é a música que mais corrobora com esse aspecto.

“Grow Grow Grow”
WHITE CHALK
(2007)

Assim como em Stories From the City, Stories From the Sea, a capa de White Chalk conta muito sobre o que o disco pretende. PJ Harvey em frente a uma parede escura contrasta com seu vestido branco, com ares do século passado, e uma expressão quietamente fantasmagórica.

A aversão de PJ ao perigo de soar repetitiva fez com que ela mergulhasse em um universo de novos instrumentos e maneiras de compor. Ela contou para a Mojo que foi a primeira vez que ela fez shows solo, e que não há nada mais assustador que isso. “Também tinha o medo de sentir que eu não era uma pianista, e provavelmente havia um milhão de pianistas por aí pensando ‘O que ela está fazendo?’… Mas sempre gostei muito do som e do instrumento tocado mal”, ela completa.

Quando foi lançado, White Chalk não nos conquistou de primeira. As construções são diferentes e a paisagem pop ou barulhenta pela qual ela já transitou quase não aparece por aqui. Fato é que aprendemos a gostar de White Chalk e, assim, “Grow Grow Grow” foi conquistando espaço entre as nossas prediletas.

Sobre o nome do disco, PJ disse ao NME que apenas gostava do som das palavras white e chalk (giz e branco). “Pode ter milhões de anos, mas pode ser apagado em um segundo e de alguma forma tem uma qualidade atemporal. A atemporalidade tornou-se uma fonte de inspiração”. Isso talvez explique o momento captado na foto da capa. PJ quase como um espectro, eterna, como a atemporalidade de sua obra.

“The Glorious Land”
LET THE ENGLAND SHAKE
(2011)

É curioso como Let England Shake retoma os sabores de Stories From the City, Stories From the Sea. Há ligações estéticas, principalmente no foco que ambos jogam em um formato menos complexo. Em Let England Shake, PJ chega em sonoridades vocais que nos remetem a outras cantoras, caso da nossa querida Feist. Ou mesmo na exploração de timbres mais porosos, como na bateria que inicia “In the Dark Places”.

Let England Shake é permeado por canções sobre guerra em clima de rock alternativo dark. Entre elas, “The Glorious Land”, que esbarra em guitarras delicadas e melancólicas.

CLipe oficial de “The Glorious Land”

Em entrevista para a MTV americana, em 2000, PJ é sucinta em definir o que lhe move: “toda vez que eu componho um álbum, cuido para que ele não seja uma repetição… o desafio é o que me mantém interessada e apaixonada”.

“The Ministry of Defence”
The Hope Six Demolition Project
(2016)

Este é parte de uma lista de arrependimentos pela atenção não oferecida quando o disco foi lançado. Mas The Hope… é sim um grande álbum e mostra, mais uma vez, PJ se afastando de qualquer sintoma que pudesse prendê-la ao conforto de sua criatividade

Em companhia do fotógrafo Seamus Murphy, entre os anos de 2011 e 2014, PJ viajou para o Afeganistão, Washington DC e Kosovo para registrar os efeitos da guerra e da pobreza. Parte do que registrado por eles foi lançado em um livro chamado The Hollow of the Hand. The Hope…, escrito nesse período, com PJ deixando de lado suas motivações pessoais e mergulhando em razões sociopolíticas para construir suas histórias.

Talvez motivados pela simplicidade dos andamentos e backing vocals, usados em grande número, é engraçado como em faixas como “Community of Hope” e “The Wheel”, por exemplo, a nossa vontade é sair cantando junto. Sonoramente, parecem músicas mais “alegres”, mas seus motivos não são.

There’s the bus depot to the right
Levelled like a building site
Those are the children’s cries from the dark
These are the words written under the arch
Scratched in the wall in biro pen
This is how the world will end

Entre as composições, escolhemos “The Ministry of Defence”, uma das mais emocionais de The Hope Six Demolition Project.

“Change in C”
ALL ABOUT EVE
(2019)

Em 2019, a discografia de PJ Harvey se encerra com o lançamento de All About Eve, uma trilha sonora composta para a adaptação do filme baseado no conto “The Wisdom of Eve”, de Mary Orr.

São doze faixas, sendo que oito delas com menos de dois minutos e pouco de duração. A maior parte são números instrumentais: “The Moth”, cantada por Lily James; e “The Sandman”, que traz a voz de Gillian Anderson.

Em um release ela chegou a dizer que sempre gostou de histórias e, por conta disso, “compor músicas para apoiar e aprimorar uma história é um desafio que eu gosto. Também amo a liberdade que o trabalho instrumental pode me dar, sem as restrições das fórmulas da música”.

Entre as faixas, a melancolia de “Change in C” é uma boa pedida para encerrar esse Discografia Faixa a Faixa e, gostemos ou não, All About Eve é mais um passo adiante de uma artista que dá de ombros a burocratização da zona de conforto criativa. Sorte a nossa!

PJ Harvey (2015). Foto: Maria Mochnacz