10 discos pra desenterrar dos anos 90 – Parte 1 10 discos que a gente adora e não tiveram o reconhecimento merecido

In Bandas, Discos

O distanciamento de décadas faz com que muitos dos discos lançados na década de 90 possam ser considerados clássicos ou ouvidos com nostalgia sem culpa. Ou que festas temáticas possam ser promovidas e ninguém precise ficar com vergonha de dançar OMC (“How Bizarre”) e Blind Melon (“No Rain”) com a mesma desenvoltura. Isso até o momento em que vozes proclamam “que saco essa moda de anos 90” e lá se vai outra oportunidade de revisitar com atenção o período da música que, particularmente, mais nos instiga.

Há um quê de fórmula nas músicas feitas nessa época, e a receita quase sempre inclui versos tranquilos embaraçados por refrões ruidosos. Mas o fato é que pairava um clima de tédio tão grande naqueles anos que muitas boas ideias surgiram quase que despretensiosamente, apenas como forma de despertar algum tipo de reação. Os arranjos distorcidos, os vocais ora desesperados ora profundamente apáticos e as quebras nos tempos foram, talvez, a única maneira de dialogar com aquela época. E alguns fizeram isso com maestria, mas quase nunca são lembrados no meio “da cena”. Daí, ficamos pensando se esse não era o gancho que faltava para destacar 10 discos que merecem trocar a poeira por luz. O recorte é cruel e vai deixar muitos álbuns de fora. Mas não dá pra abraçar o mundo, certo? E sim, a lista está apenas começando…

Silkworm – Firewater
(Matador; 1996)

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Uma das bandas mais injustiçadas do pacote “década de 90” é o Silkworm, um belo representante das melodias arrastadas e extremamente ruidosas que caracterizaram a época. O quarto disco, Firewater, é um bom cartão de visita da discografia. Os pedais de distorção potencializados e os graves do baixo extremamente acentuados lhe parecerão familiar, e talvez você sorria ao saber que a curadoria do barulho é de Steve Albini.

Mesmo na surdina, o Silkworm influenciou a nata da música alternativa norte-americana, como Stephen Malkmus (Pavement), Clint Conley (Mission of Burma) e Jeff Tweedy (Wilco). Vide as declarações deles no documentário Couldn’t You Wait? The Story of Silkworm. É uma sensível homenagem à banda, que teve um fim abrupto em 2005 com o trágico destino do baterista Michael Dahlquist, morto em um acidente de carro provocado por uma mulher que tentava se suicidar – e ela sobreviveu.

Volcano Suns – Career in Rock
(Quarterstick; 1991)

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Em 1984, a música alternativa ainda amargava o fim do Mission of Burma, provavelmente uma das mais influentes bandas de Boston. Mas o baterista Peter Prescott sublimou o luto formando o Volcano Suns, que não desfrutou do prestígio da banda anterior, mas acabou integrando o catálogo de vários dos mais desejados selos do rock independente (SST Records, Homestead e Quarterstick).

O último disco, Career in Rock, é a cereja do bolo: tudo ali soa áspero, ácido, ruidoso e granulado, mas com uma impecável linha melódica costurando as faixas – mais uma vez, com assinatura de Steve Albini na engenharia de som. “Blue Rib”, faixa que abre o álbum, deixa os ouvidos cheios de detritos e ainda inspira um refrão extremamente cantarolável. Fico imaginando se as meninas do Wild Flag chegaram a ouvir essa música, tamanha a semelhança com o refrão de “Romance”.

Monsterland – Destroy What You Love
(Seed; 1993)

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Quando o Nirvana fez o mainstream olhar para as produções recém-saídas de garagens dos EUA, apareceu uma certa febre por versos tranquilos que explodiam em refrões altos e intensos. O atributo loud/quiet/loud catapultado uns anos antes pelo Pixies tinha virado regra pra muita gente, mas ainda bem que houve quem fosse além dessa fórmula.

O Monsterland, um trio de Connecticut, se espelhou no padrão constantemente acelerado do Hüsker Dü da era Flip Your Wig e esparramou velocidade em um punhado de melodias quase açucaradas. A diabetes passou longe, como prova Destroy What You Love, o único disco. Faixas como “At One With Time, “Lobsterhead” e “Angel Scraper” são antídotos assobiáveis para o tédio e exemplificam poderosas receitas a partir de guitarra, baixo e bateria.

Swervedriver – Ejector Seat Reservation
(Creation; 1995)

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Eis aqui uma história de abandono: o Swervedriver foi apresentado pelo Ride a Alan McGee, manda-chuva da Creation Records, mas a banda foi despejada da gravadora uma semana depois de lançar Ejector Seat Reservation, em 1995. É triste pensar que esse disco belíssimo, de faixas como “How Does it Feel to Look Like Candy” e “The Birds”, tenha tido praticamente nenhuma projeção fora da Inglaterra. A voz de Adam Franklin provoca uma comoção contida, estourada apenas com a guitarra dele e de Jimmy Hartridge.

Antes que o shoegaze encontrasse espaço para se enterrar na introspecção, o Swervedriver já tinha preparado baladas e crescendos para deixar o gênero ainda mais interessante.

Solar Coaster – Solar Coaster
(Turnbuckle; 1999)

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Caso esteja testando a potência de suas novas caixas de som, Solar Coaster, disco homônimo do trio de Winston-Salem, na Carolina do Norte, vai ter dar uma boa medida da qualidade do produto. São faixas urgentes, altas e ríspidas, feito ambulância correndo livre nas ruas de domingo. Ou melhor: feito a estrelinha mágica que faz o Mario correr alucinado no Super Mario World. Pra completar, as melodias distorcidas acolhem os vocais com um irresistível apelo pop. É o tipo de música que provoca impulso, algo tão comum naquela época. Ou, nas palavras do líder Kevin Hurley, coragem. Se você gosta de Hüsker Dü, Sugar, Archers of Loaf ou Monsterland, vai se sentir em casa com esse disco.

Commander Venus – The Uneventful Vacation
(Grass/Wind-Up; 1997)

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O Commander Venus teve uma vida curta, caótica e marcante, assim como os anos que encerram o colegial. Dois adolescentes ali se revelaram: Conor Oberst (Bright Eyes, Desaparecidos) e Tim Kasher (Cursive), que deixaram como última herança The Uneventful Vacation, um disco tão belo quanto uma emoção à flor da pele deve ser. Curiosamente, Conor considera o álbum um fracasso musical, principalmente porque ele não estava satisfeito com as próprias limitações com a guitarra. Em paralelo, Kasher tem gritos angustiantes e desmedidos, típicos de um jovem raivoso. Com essas pistas você já deve ter percebido que o assunto aqui é o emo, e esse disco merece ser usado como exemplo de coragem ao assumir essa tão temida sonoridade.

Bailter Space – Vortura
(Matador; 1994)

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Cada minuto de Vortura, do trio neozelandês Bailter Space, parece um atentado aos contornos, bordas e outros limites na música. O disco é uma massa musical embaçada, angular, desfocada e dissonante, como se o abstrato reinasse absoluto sobre um mundo em que o material e o concreto ditam as regras. Cientes de que a proposta não era das mais fáceis, eles apostaram em harmonias elaboradas e melodias de digestão pouco complicada.

Como um bom professor de física que conquista a atenção dos alunos com um assunto difícil, Vortura captura os ouvidos sem apelos fáceis. Sem contar que é um bom detonador de sensações como angústia ou elevação da alma.

Hefner – Breaking God’s Heart
(Too Pure; 1998)

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Breaking God’s Heart parece uma úlcera latente num corpo desprevenido. Tudo ali soa triste e agonizante, mas não de uma forma incisiva. É como um ácido que corrói aos poucos, e que alimenta o alívio cada vez que faz uma pausa. Pois assim são as músicas desse disco que destroça corações e fala de sexo como quem toma um copo d’água.

Darren Hayman e seus lamentos desafinados são convincentes, principalmente porque ele consegue encorpar um registro absurdamente lo-fi com arranjos trabalhados e tendenciosamente melódicos. Tem órgão e guitarra lamuriando junto, praticamente gritando por socorro. E tem Hayman explorando a própria intimidade com uma coragem admirável. Vai ser difícil não se solidarizar com ele.

The Dismemberment Plan – Emergency & I
(DeSoto Records; 1999)

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Na curvinha pro fim da década surge um dos mais intrigantes discos da música alternativa de todos os tempos. Curiosamente, Emergency & I, do Dismemberment Plan, é uma autêntica cria do vanguardismo de Washington, DC, e soa pretensiosa sem qualquer perigo de não corresponder às expectativas.

O disco provou ser possível uma batida de hip-hop inserida em uma base rítmica de dance music, somada a um refrão de guitarra alta e distorcida. Quando foi a última vez em que você se pegou maravilhado(a) com a boa e rara sensação de originalidade?

PolvoToday’s Active Lifestyles
(Merge; 1993)

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Taí um caso de disco que foi pura treta, literal e musicalmente. Era o segundo álbum do Polvo, um quarteto de Chapel Hill que não economizava em fundir sua cabeça em barulhos e tempos incrivelmente quebrados – e estranhamente acessíveis. Era a queridinha da Merge junto com o Superchunk, e a prova de que música independente podia ser bem-sucedida.

Mas a casa começou a cair quando o Polvo escolheu para o encarte umas cabeças de leão com chifre, retiradas de um panfleto de Testemunhas de Jeová. A Merge, que não sabia da origem da arte, mandou prensar as cópias e começou a sofrer ameaças de processo dos religiosos. Mac e Laura, donos da Merge e líderes do Superchunk, recolheram os discos e substituíram a capa por um fundo amarelo, o que gerou gastos excessivos para quem trabalhava na independência. Um ano depois, mais uma má notícia: O Polvo havia pedido para assinar diretamente com a Touch and Go, que até então apenas distribuía os discos por conta de uma parceria com a Merge. Sem possuir o mesmo dinheiro da Touch and Go, a Merge teve que dar tchau para um de seus filhos mais promissores.

Publicado originalmente em 2013, no site Suppaduppa.