Entrevista: Kalota I Shot Cyrus

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“Dicen que Cyrus es lo máximo…”. A frase que abre a primeira música de Tiranus, um dos discos mais poderosos que a música brasileira já viu, já diz tudo. E é mais ou menos por aí. O I Shot Cyrus é uma das bandas mais legais que o punk/hardcore já viu por essas terras.

É no ano de 97 que o Cyrus começa a trazer para a superfície seus riffs barulhentos minados por uma bateria ultra rápida e vocais gritados. O próprio caminho sonoro escolhido pela banda já seria uma postura, mas por trás de tanto barulho ainda tinha o conteúdo e a vivência proveniente de quem traz o punk em suas raízes, no dia a dia e no olhar para um futuro de combate.

A Discografia do Cyrus não se resume só a Tiranus. A estrada da banda começa a ser pavimentada pela famosa Thrashmaster (99), uma coletânea que trazia alguns nomes que tinham um bom poder bélico, musicalmente falando. Depois disso vieram mais duas coletâneas, três EPs, um Split com o Discarga, o já citado Tiranus e o derradeiro Assassinicus (2005), o último lançamento da banda.

Passados alguns anos da última aparição do Cyrus nos palcos, a banda se reúne para mais um show no dia 23 de setembro de 2016 (mais info na página da banda). A gente foi conversar com o Alexandre, mais conhecido como Kalota (vocal), para saber mais sobre esse show, o punk/hardcore e sobre um pouco da história dessa grande banda.

Sounds Like Us: Cara, antes de mais nada, foi uma grata surpresa saber que vocês vão fazer esse show dia 23 de setembro. Conta pra gente como estão as coisas na banda? Foi decretado um final ou é um lance que rola quando dá pra rolar?
Kalota: Bem, o I Shot Cyrus surgiu em 1997 e tecnicamente parou de tocar em 2009, porém nunca declaramos o final definitivo da banda. Mesmo porque, somos todos muito amigos, curtimos tocar juntos e  por isso, sempre que rola um evento em especial, dependendo da disponibilidade de cada um, a gente se organiza e toca.

Sounds: Como estava a vida de vocês no início do I Shot Cyrus? Como começou e qual era ideia por trás da banda?
Kalota: No início do I Shot Cyrus, lá atrás em 1997, eu e o Tarcísio ainda tocávamos com o Point of no Return e o Self Conviction, que veio acabar no ano seguinte. O Pedro tinha o NewsPeak junto com o Renato (nosso primeiro batera). O Varuko, nosso primeiro baixista, era apenas juvenil, tinha uns 15 anos e gravou as músicas da TRASHMASTER. Logo depois aconteceram várias mudanças na formação, mas sempre mantendo eu e o Pedro até hoje.

Sounds: Qual vai ser a formação para esse show? Vai ter algo diferente no setlist?
Kalota: A formação para esse show é:  Pedro Carvalho – Guitarra, Mauricio Toda -Baixo, Boka – Bateria e eu nos vocais. Sem pedir pros caras, já vou lançar o set list pra vocês (risos). É mais ou menos isso:
1- Sempre Refém
2- Kapitalistik deth
3-Cyrus Shot the Pope
4- Condenados ao American Dream
5- Não vão me calar
6- Lei do Cão
7- Na Lâmina da Faca
8- Cristo Anônimo
9 – Herói de Porra nenhuma
10- Reaggire
11- Rats in Cambodja
12 – Com a Verdade
13 – Cover ??
14 – I Shot Cyrus.
De diferente é a música “Não vão me calar”, do disco Assassinicus, que tocamos pouquíssimas vezes ao vivo.

Cartaz do show do dia 23 de setembro de 2016
Cartaz do show do dia 23 de setembro de 2016

Sounds: O Tiranus é um grande disco e bastante representativo na cena mais rápida do punk/hardcore da qual vocês fazem parte. O que você lembra da época da gravação desse disco?  Rolou alguma história curiosa?
Kalota: Cara, esse disco é bruto mesmo e sinceramente não sei de onde tirei forças pra gravar tudo aquilo. Foi nossa primeira gravação com o Boka (que até então, só tocava com o Ratos de Porão), o Pedro e suas ideias insanas guitarrísticas, que deixou o som muiiito mais barulhento e pesado. Não me recordo em quanto tempo gravamos esse disco. Tínhamos muita influência de hardcore/punk italiano na época e me lembro de eu e o Pedro termos descolado alguns discos, se não me engano eram o LP Lo Espirito Continua, do Negazione e o Solo Odio, do Impact e assim tivemos a ideia de fazer uma letra em italiano. Roubamos frases de ambos os discos e construímos a letra da “L´ímpacto della negazione”. Acho que nunca contei isso pra ninguém (risos). Um caso curioso é que nessa época tínhamos dois guitarristas, o Pedro e o Cauê Nascimento, e o que até hoje não entendemos, pelo menos eu não consegui entender, foi que o Cauê não apareceu na gravação do Tiranus e nunca mais voltou pra banda. Acho que no fim ele ligou pro Pedro, dizendo algo.

Sounds: Tendo o punk um importante papel político, como você enxerga a atual situação política do brasileira?
Kalota: Dá pra falar muita coisa aqui. Poderia expressar toda minha frustração com o que está acontecendo, mas o que tenho a dizer no momento é FORA TEMER!

Sounds: Como você acha que a música pode afetar as pessoas politicamente?
Kalota: No meu ver a música é algo espiritual, que preenche todos os espaços e faz com que as pessoas e as coisas ao redor mudem, porém tudo depende do ambiente em que você vive e como você se relaciona com ela.

Sounds: Pensando no punk como um gênero que sempre se mobilizou contra o sistema, que características definem o “sistema” a ser combatido hoje em dia?
Kalota: Ao meu ver o punk é um movimento de rua que surgiu de pessoas que não se sentiam a vontade na sociedade em que viviam, ou mesmo por serem diferentes no aspecto visual e musical. Desde então cada indivíduo encara o punk de uma maneira diferente. Tem gente que só curte o som e visual, outros incorporaram política junto a música e o visual, outros só querem ficar chapados e se divertir, e assim por diante. Existem pessoas que se dizem punks e são de direita! Sendo assim, na minha opinião quem se mobiliza contra o sistema é quem realmente é contra ele e o punk passa a ser apenas um estilo de vida, onde as pessoas decidem onde querem chegar com isso.

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Sounds: Você acha que o punk anda ativo ou omisso nesta luta?
Kalota: Tudo depende. Acho que isso vai  muito de pessoa para pessoa. Mas acredito que comparando com o passado,  o movimento  punk não bate mais de frente e se mobiliza como antes.

Sounds: Você já vem do Self Conviction, do Point of no Return e recentemente também fez parte d’O Inimigo. Suas história no hardcore já tem alguns bons capítulos. Quando entrevistamos o Walter Schreifels (Quicksand, Youth of Today, Gorilla Biscuits, Rival Schools…), ele nos disse que hoje a cena pra ele é a família. O que era a cena hardcore pra você quando você entrou nesse mundo? E hoje, o que é o hardcore pra você?
Kalota: Acho que para cada pessoa os primeiros momentos fazendo parte do punk/hardcore são emocionantes e inesquecíveis. Faço parte disso há muiiiito tempo e não sei como me comportaria fora disso. Não me vejo fazendo parte de outro setor da sociedade (risos). O que posso dizer é que aprendi muito com o punk, isso me fez enxergar o mundo de uma maneira diferente, me fez questionar, me deu amigos e uma vida totalmente fora dos padrões, sejam eles religiosos, culturais ou políticos. A maioria dos meus amigos da época não fazem mais parte disso, mas continuam meus amigos e, com poucas exceções, continuam fazendo coisas legais, porque souberam aproveitar o que aprenderam no passado. Nos dias de hoje o meu relacionamento com o hardcore é quase que 100% diferente do passado, mas cada época é uma época e o importante é cada um viver a sua da maneira mais intensa possível.

I Shot Cyrus / Diáspora split 7" (2002 Cospe Fogo Records)
I Shot Cyrus / Diáspora split 7″ (2002 Cospe Fogo Records). Foto: SOUNDS LIKE US

Sounds: Que bandas você acha que hoje podem ser nomes representativos dentro do punk hardcore brasileiro e internacional?
Kalota: Rakta, Crise, O Inimigo, Dedication, Test, e mais um monte.

Sounds: Existe alguma ideia de gravar um novo disco ou alguma outra data de show?
Kalota: Não! Não creio que vamos gravar algo novo. Agora, quanto a tocar, quem sabe daqui a alguns anos.

Sounds: Diz pra gente quais são as 10 bandas que mais influenciaram o I Shot Cyrus.
Kalota: Corrosion of Conformity, Nagazione, Ratos de Porão, Discharge, Poison Idea, Black Flag,  Infest, Negative Approach, VOID  e Black Sabbath.

Sounds: Seu gosto musical mudou desde o último disco da banda? O que você abandonou e o que incorporou? De que maneira o I Shot Cyrus se relaciona com o novo gosto musical?
Kalota:
Meu gosto musical muda quase toda semana, porém nunca abandonei as coisas que realmente me influenciaram. Sempre que ouço e ainda consigo sentir toda aquela energia. Eu realmente acho que somente incorporo mais música pra minha vida e não a abandono.

Sounds: Valeu Kalota, boa sorte no show e esperamos que o I Shot Cyrus nunca pare.
Kalota:
Cyrus es lo máximo!!!

Foto: Pedro, Mauricio e Kalota. Foto: Breno Carollo