Entrevista: Jeremy Enigk Sunny Day Real Estate / Fire Theft

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Foto: Lay-Luh

Poucas emoções espontâneas são tão preciosas quanto uma canção te trazer cheiros, cores e sabores de uma época. O Sunny Day Real Estate é dessas bandas capazes de preencher um disco só com essas afetuosas reminiscências, e boa parte dessa culpa é de Jeremy Enigk, que esgarçou um jeito confessional de conduzir sua música poucas vezes visto no rock. Era década de 90 e Jeremy atrelava seu íntimo falsete a melodias que explodiam em guitarras impulsivas e batidas ricas e variadas, criando tesouros como “Seven”, “In Circles” e “Red Elephant”.

Aquela mistura declaradamente sentimental capturou uma infinidade de pessoas, alargou o legado sonoro de Seattle (até então só mencionada pelo grunge), instaurou uma legião de fãs, influenciou meio mundo a rasgar o verbo sem censura emocional e catapultou uma abordagem sonora hoje conhecida – e questionada – como emo. O SDRE acabou, mas Jeremy felizmente seguiu sua carreira-solo, mostrando uma habilidade atemporal de nos comover. Ele está prestes a lançar mais um disco, com financiamento colaborativo de seus fãs na Pledge Music, e cogita uma turnê com o SDRE. O fato de Jeremy dar novos rumos a uma bela história que poderia ser apenas nostálgica justifica nossa grande admiração por ele. Receber essas respostas tão honestas e cheias de simplicidade sustenta ainda mais esse apreço.

Sounds Like Us: Na discografia do Sunny Day Real Estate, a gente percebe que você passou a fazer mais uso do falsete no How It Feels to Be Something On, que vem depois de seu primeiro disco-solo, Return of the Frog Queen. Foi na carreira solo que você se sentiu mais encorajado a adotar esse estilo vocal?
Jeremy Enigk: Antes de a gente gravar o Diary, eu costumava cantar usando muito mais o falsete, mas teve uma sequência de shows em que eu cantei de um jeito mais intenso e isso acabou causando alguns problemas na minha voz, fazendo eu perder completamente o meu timbre alto e o falsete. Então eu tive que mudar meu jeito de cantar no Diary e no Pink. Foi só no How It Feels To Be Something On que eu fui ter o timbre mais alto de volta.

Sounds: De que maneira o Craig Wedren, do Shudder to Think, te influenciou na hora de cantar? Quem mais você lavava em conta na hora de usar sua voz e em que momento da vida descobriu “esse é o meu jeito de cantar com personalidade”?
Jeremy: Eu me inspirava no jeito com que o Craig cantava melodias tão bonitas em cima de músicas pesadas. Eram falsetes delicados junto com vocais abertos numa crescente. A Sinead O’Connor também tinha um estilo parecido que definitivamente me influenciou, junto com a primeira fase do Bono no U2.

Sounds: Na hora de compor, como você separa o que é da carreira-solo e o que é do Sunny Day? Você compõe já pensando nos arranjos?
Jeremy: Isso tem sido uma das coisas mais difíceis de se descobrir ao longo dos anos, mas o que geralmente acaba acontecendo é que, seja qual forem as músicas que eu estiver escrevendo, elas vão para o projeto em que eu estiver envolvido naquele momento.

Sounds: Como tem sido fazer um disco tão colaborativo, no qual os fãs te auxiliam a escolher canções? [Jeremy conseguiu financiar seu mais recente disco solo pela Pledge Music] Sentiu que precisava de uma opinião externa para lidar com as dezenas de composições acumuladas ao longo dos últimos anos?
Jeremy: É uma coisa incrível ver tantas pessoas apoiando o que eu faço. Isso faz eu me sentir amado e acolhido. Isso também pode ser um pouco estressante, porque eu me exponho para todos. O lado bom é que eu tenho fãs pacientes e compreensivos, e eu estou preparado.

Sounds: O que você tem feito nos últimos anos? Ficou completamente longe da música, ou foi só um distanciamento dos holofotes?
Jeremy: Eu tenho ficado com a minha família, além de recarregando e encontrando novas inspirações para minha vida e para a direção que eu quero tomar. Eu estive longe dos holofotes, mas nunca parei de escrever músicas. Isso é uma coisa que eu amo fazer, estando ou não nos holofotes.

Sounds: Qual sua situação artística atual? Prefere trabalhar sem uma gravadora?
Jeremy: Acho que prefiro trabalhar com uma gravadora, muito pelo fato de eu adorar trabalhar com pessoas. Trabalhar sozinho é muito chato e às vezes há muita pressão quando você não tem as respostas.

Sounds: A trilha sonora de O Mundo de Leland e o filme são muito bons. “One and One is One” é profundamente triste e cabe perfeitamente no roteiro. Você já conhecia o diretor Matthew Ryan Hodge? Poderia nos contar um pouco sobre como foi fazer a trilha e o convite para participar dela?
Jeremy: Eu não conhecia o Matt até ele me abordar com o filme. Ele já tinha tentado me colocar na trilha sonora há um tempo, mas eu estava no meio das gravações do Fire Theft, então eu sempre dizia “não”. Finalmente ele voou para Seattle e me mostrou o filme. Eu gostei e finalmente disse “sim, mas tive que colocar o Fire Theft na prateleira temporariamente.


Sounds: O Ok Bear é um disco muito bonito, com arranjos simples, mas poderosos, em contraste com seu uso de voz, que vai do suave ao surpreendentemente alto. Você buscava algum tipo de sensação épica ou de catarse com esse álbum? Ele nos parece profundamente pessoal.

Jeremy: Eu realmente não via o Ok Bear de um jeito que não fosse ir para o estúdio e fazer tudo lá. Portanto, a visão real é que eu não tinha visão nenhuma. É um lance pessoal, porém, porque eu escrevi com o coração, mas eu espero que as outras pessoas possam se relacionar com ele.

Sounds: O que o Jeremy Enigk andava ouvindo quando se apaixonou por música e resolveu fazer dela um modo de vida?
Jeremy: Do Boy ao The Joshua Tree, do U2. Do Murmur ao Green, do R.E.M. Todos os discos dos Beatles. Hunky Dory, do David Bowie. Bob Dylan. As bandas de pós-punk do início dos anos 90 mudaram tudo, porém, como o Shudder To Think e o Fugazi.

Sounds: De que maneira sua espiritualidade te ajuda a levar a vida e, consequentemente, a música?
Jeremy:
A espiritualidade é como uma luz que ilumina o caminho e, com sorte, um dia eu serei a pessoa que eu desejo ser.

Sounds: Qual a origem do Fire Theft, considerando o lineup bem próximo com o Sunny Day?
Jeremy: O SDRE acabou, mas William e eu não queríamos parar de fazer música.

Sounds: Você lamenta a pouca visibilidade da banda? Houve alguma frustração?
Jeremy: Nah… o Fire Theft é o que é.

Sounds: Você se surpreende com o status cult e de respeito que o SDRE conquistou? Já conseguia sentir isso?
Jeremy: Ainda é surpreendente ver a vida útil que o SDRE tem. Eu realmente não tinha ideia de como a banda afetou as vidas das pessoas até poucos anos atrás, quando minha ficha caiu.


Sounds: O SDRE conseguiu um contrato com a Sub Pop já no segundo show, e vocês estavam mirando gravadoras menores. Esse reconhecimento rápido assustou?

Jeremy: Eu adorei fazer parte da Sub Pop. O reconhecimento foi um pouco assustador porque eu sequer tinha certeza se eu queria o SDRE como meu futuro.

Sounds: Como foi observar, de camarote, à explosão da música alternativa por meio do Nirvana e à corrida desenfreada das grandes gravadoras por bandas que tivessem o mesmo impacto? Isso espirrou em você de alguma forma? Testemunhou algo curioso ou desagradável nessa época?
Jeremy: A gente realmente teve muita sorte por fazer parte daquela cena naquela época. O lugar certo, na hora certa. Qualquer um que tivesse uma banda pelo menos decente em Seattle poderia ter reconhecimento, mas isso foi especialmente bom para nós porque estávamos fazendo algo um pouco diferente do grunge, mas próximo à sonoridade que muitas pessoas abraçaram. Isso também foi ótimo porque o rock tinha voltado a ser música popular. Isso já é mais raro.

Sounds: O fato de Seattle ter ficado tão fortemente conhecida pelo grunge trouxe algum tipo de prejuízo artístico, no sentido de que outras sonoridades borbulhavam por ali?
Jeremy: Não que eu ficasse sabendo.

Sounds: O SDRE começou a enfrentar situações difíceis já na turnê do primeiro disco. Hoje, anos depois, como você avalia aquela fase? O que ocorreu?
Jeremy: Sair em turnê por dois meses em uma van com as mesmas pessoas pode ser bem difícil. Ou o mesmo com seus colegas de quarto.  Mas sim, se nós saíssemos em uma van de novo ou vivêssemos na mesma casa por dois meses direto, tenho certeza de que nós ficaríamos irritados. Mas somos uma família.

Sounds: O Jeremy de 2015 teria evitado algumas situações, ou realizado outros projetos na trajetória do Sunny Day?
Jeremy: Há muitas coisas que eu teria feito diferente, agora que estou mais maduro, mas se eu não tivesse cometido aqueles erros, eu não teria aprendido. Esse é o sentido da vida, eu não posso me arrepender por cada escolha que eu fiz. Na hora, eu acreditava que era a melhor a fazer.

Sounds: No relançamento de Diary, o Dan escreve que sua música favorita é “Grendel” e diz que ela foi uma profecia referente à banda – I wanted to be them, but instead I destroyed myself. O que acha disso? E qual sua favorita, entre todas do SDRE?
Jeremy: “Grendel” é provavelmente uma das minhas músicas favoritas também, mas eu não a vejo dessa forma.

Sounds: O emo como sonoridade já fez ou faz sentido para você? Não sei se você já foi convocado para o teste de paternidade, mas tem várias bandas atuais, relacionadas ao gênero, te chamando de pai (alguns jornalistas fazem isso também). Como é ter seu nome ligado a uma espécie de pioneirismo musical?
Jeremy: Eu costumava me incomodar com as pessoas nos chamando de emo. Nós não estávamos tentando fazer parte de uma cena ou criar uma. Nós só queríamos fazer a música que vinha do nossos corações, mas foi como se a gente estivesse arrancando o grito das nossas almas; então, eu posso ver agora o motivo pelo qual as pessoas nos rotularam assim, e tudo bem quanto a isso. Hoje, é uma honra sermos considerados pioneiros ao moldar a música de alguma forma. Eu me orgulho disso.

Sounds: Anda ouvindo bandas/músicas atuais? Se empolgou com alguma?
Jeremy: Estou meio por fora do circuito do que vem acontecendo musicalmente. Alguma recomendação?

Sounds: Quando ouvimos os versos de SDRE, de sua carreira-solo ou do Fire Theft, a impressão que se tem é de que você não parece ter problemas em compartilhar sua intimidade e seus sentimentos perante a vida, dando ao ouvinte a ilusão de que vocês são próximos. Mas e quando a música acaba, como é o Jeremy?
Jeremy: Eu sou mais ou menos a mesma pessoa das minhas músicas. A música é apenas a extensão e a expressão do que eu não consigo expressar em palavras.

Sounds: Qual é o estado atual do SDRE? Confessamos que gostaríamos muito de ouvir “Lipton Witch” ao vivo. Aquela música tem um frescor que superou nossas expectativas. Como foi voltar ao estúdio para gravá-la?
Jeremy: A gente tem conversado sobre sair em turnê em breve. Talvez no próximo ano, em 2016. Primeiro eu tenho a responsabilidade de finalizar meu disco pelo Pledge Music e fazer alguma turnê com ele. Depois, vamos ver.

Sounds: Qual a proximidade entre você, Nate, William e Dan nos dias de hoje?
Jeremy: A gente se fala de vez em quando.

Sounds: Jeremy, muito obrigado por ter cedido seu tempo para nossa entrevista! Se algum dia você vir ao Brasil, asseguramos que o público vai te dar uma baita recepção.
Jeremy: Muito obrigado. Estou ansioso para ir ao Brasil.