Entrevista: Alexei Berrow e Kelly Southern (Johnny Foreigner)

In Bandas, Entrevistas
Amanda Mont’Alvão

Alexei Berrow quer tocar sorrateiramente em um show do Broken Social Scene – “são tantos, nem eles vão perceber que eu estou no palco” – e Kelly Southern cresceu querendo ser o Pat Smear que ela tanto admirava no Nirvana. Hoje, eles são guitarra e baixo, ou 2/4 do Johnny Foreigner, banda inglesa que também tem Junior Elvis na bateria e Lewes Herriot na segunda guitarra. A música deles é entusiasmante, e eles parecem tão gente boa quanto acessíveis. Alexei consegue ser engraçado em troca de e-mails, assinaturas (“no gin: no show!”) e promessas de vinda ao Brasil. Kelly é mais econômica nas palavras, mas de vez em quando as premia com ironia. O Sounds Like Us conversou com esses dois ingleses [entrevista publicada originalmente em 2012, no saudoso site Suppaduppa] e recebeu de volta respostas deliciosas.

Sounds Like Us: Olá! Desde já, obrigada pela entrevista. Onde vocês moram atualmente e o que têm feito agora?
Alexei Berrow: Ainda moramos em Birmingham, na Inglaterra. No inverno, fizemos uma turnê pelo Japão (espetacular) e voltamos a tempo do Natal para nossos empregos normais (chatice). Agora, estamos nos preparando para festivais e mais aventuras de verão.

Sounds: Sei que isso já foi perguntado milhares de vezes, mas gostaria de saber como vocês se conheceram e quando decidiram criar o Johnny Foreigner.
Alexei: A história é bem normal. Comecei a banda com meu amigo Dan como uma forma de aproveitar o tempo livre. Ele conhecia o Junior [Junior Elvis, baterista da banda] e então tocamos alguns shows bem animados com um monte de pessoas diferentes. Gravamos também um disco e, de repente, Dan foi embora para Londres. Ainda tínhamos alguma apresentações marcadas e eu conhecia a Kelly da faculdade. Então, compusemos algumas músicas e recomeçamos a banda. E cá estamos.

Foto: Divulgação

Sounds: O que significa “Johnny Foreigner”?
Alexei: Johnny Foreigner é um termo racista bem chulo que nossos pais e avós usavam para se referir a qualquer pessoa que não fosse britânica. Algo como “lá vem o johnny foreigner roubando nossos empregos”. E era dessa forma que nós nos víamos, de certo modo, na cena local; tocávamos nos mesmos lugares e bebíamos nos mesmos bares, mas sempre nos sentíamos forasteiros. Johnny Foreigner é um termo naturalmente complicado que não foi feito para ser explicado para qualquer pessoa fora de Birmingham…

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Sounds: Que tipo(s) de sonoridade(s) vocês querem ter?
Alexei: Quando começamos, de certa forma estávamos reagindo contra o que a banda costumava ser quando tinha Dan e várias outras pessoas que tocavam partes diferentes ao vivo. Tomamos uma decisão consciente de tentar fazer o máximo de barulho somente com nós três, vontade a qual nos agarramos até o nosso disco mais recente. Porém, nós nunca pensamos muito em como queríamos soar. Temos gostos parecidos e, qualquer que seja nossa sonoridade, ela vem naturalmente.

Sounds: Vocês já tocavam em alguma banda antes do Johnny Foreigner? Quando decidiram tocar alguma coisa e fazer parte de uma banda?
Alexei: Eu cresci em uma casa cheia de teclados caseiros ruins dos anos 80. Tenho tocado com um tecladinho eletrônico desde que me entendo por gente. Quando tinha 13 anos, vi uma banda só de garotas tocar em uma competição da rádio local entre escolas. Elas eram só alguns anos mais velhas que eu e, provavelmente eram ruins. Só que elas pareciam impossivelmente legais. Foi mais ou menos nessa época que eu caí a ficha de que minha obsessão com o teclado Casio poderia ter uma aplicação prática.
Kelly: Não me lembro de quando tomei essa decisão, mas aparentemente, eu quis (e ganhei) um teclado de presente de Natal quando tinha cinco anos. Eu ainda tenho esse teclado, um Yamaha pequeno com teclas que agora são muito pequenas para os meus dedos de adulto. Meu objetivo era ser uma guitarrista, não uma baixista. Eu cresci ouvindo Nirvana e R.E.M e realmente queria ser o Pat Smear ou o Peter Buck. Então, comecei a aprender a tocar guitarra, estudei música na faculdade e, em vez disso, acabei tocando bateria (e, mais tarde, baixo) em uma banda.

Sounds: O que vocês costumavam ouvir, assistir e ler quando estavam crescendo?
Alexei: Eu só ouvia Queen. Até que a irmã de algum conhecido ficou obcecada por britpop e e passou toda essa idolatria pra gente. Eu dava (e ainda dou) pouca atenção para televisão, então eu basicamente lia livros sobre o Warhammer 40k ou sobre o RPG do Star Wars. Ser um geek é legal hoje em dia, então eu posso admitir que sou um sem culpa.
Kelly: Eu gostava muito de rock quando era mais nova. Eu gravava programas da MTV como Headbanger’s Ball e Into the Pit em uma uma noite de quinta-feira para assisti-los no dia seguinte, assim que voltasse da escola. Eu era muito obcecada por música naquela época para “desperdiçar” meu tempo com qualquer coisa que não fosse associada ao tema. Portanto, eu evitei livros mais convencionais e só lia revistas de rock como a Kerrang! E Metal Hammer. Não era bem uma leituuuura, se pararmos pra pensar.

Sounds: Vocês fazem músicas poderosas com bateria, baixo e guitarra. Como conseguem fazer tanto barulho? Foram inspirados por alguma banda com formação similar (baixo-guitarra-bateria)?
Alexei: O fato de sermos um trio é mais por conveniência. Adoraríamos ser uma megabanda como os Los Campesinos ou o Dananananaykroyd, mas somos péssimos na organização. Acho que muitos trios se apoiam tanto em overdubs que, ao vivo, eles acabam soando fracos. Estamos pensando em colocar mais um guitarrista nesse verão porque realmente nos sobrecarregamos nas gravações, mas é porque em três é mais fácil de pensar “qual o maior barulho que podemos fazer com seis mãos e três vozes”. Além disso, três é um número legal e democrático. TENDO DITO TUDO ISSO, Lewes, que assina todas as artes de nossos discos e produtos, acabou de juntar-se a nós para uma guitarra extra. Então, estamos ainda mais barulhentos!

Sounds: Vocês estão juntos há vários anos. Acredito que tenham uma relação forte, como irmãos, certo? Quem aí é o irmão que cuida de todo mundo?
Alexei: Ha, acredito que sim. Nós nos sentimos como três crianças tocando na rua e ninguém ainda nos mandou entrar e ir dormir. Temos um empresário para as turnês já há algum tempo, o Dan. Ele é o adulto em qualquer situação, o que faz dele o nosso “big brother’ – apesar ser mais novo do que eu, Kelly e Junior.

Foto: Divulgação

Sounds: As influências mudaram desde o primeiro disco?
Alexei: Não sei, é difícil avaliar estando tão dentro da situação. Acho que se você levasse o nosso disco mais recente para a época em que estávamos começando, nossas versões mais jovens não ficariam chocadas com os rumos que a banda tomou. Pessoalmente, acredito que voltamos um pouco, pois tenho sido mais influenciado por pop punk barulhento do que por coisas que ultrapassem limites. No geral, ouvimos as mesmas melecas indie que já ouvíamos.

Sounds: Gosto muito das letras. São inteligentes, por vezes irônicas e sempre têm alguma referência bem atual a algo que esteja no noticiário ou nas revistas de moda. Vocês conseguiram criar um verso maravilhoso com “Agyness Deyn”! Como vocês criam as letras?
Alexei: Não sei, eu só fumo muita erva! Estou mais preocupado em descrever sentimentos e emoções do que em contar histórias. Algumas vezes, as ideias chegam de uma vez só; outras, eu tenho bloqueios e levo meses para completar uma letra, tanto que a deixo para o último minuto na esperança de que a pressão me inspire.

Sounds: Todos vocês participam da criação das músicas?
Alexei: Eu escrevo tipo uma base da música – versos mais crus e os refrões – e aí ela se completa quando a tocamos como uma banda. Estamos juntos há tanto tempo que temos uma sensação instintiva de como cada um vai tocar e de como as coisas devem soar.

Sounds: Qual sua música preferida do Johnny Foreigner?
Kelly: Afff, é a mesma coisa que perguntar quem é seu filho favorito… “Balance, Girl”. É, essa aí é minha favorita.
Alexei: Agora, eu diria “Ohai Sentinels”. Mas eu provavelmente vou mudar de opinião em alguns segundos.

Sounds: Que música ou disco escolheriam para servir de trilha sonora para a vida de vocês?
Kelly: Eu me apaixonei por Deerhoof porque eles dão conta de todas as minhas mudanças de humor… mas escolher um disco seria muito, muito, muiiiito difícil. Posso apenas dizer que o Deerhoof seria minha trilha sonora?
Alexei: Eu fico com o disco do Owls, tocando todas as horas, pra sempre, por favor.

Sounds: Uma vez li que vocês eram fãs do Blink 182 e atribuíam a eles muitas das influências do Johnny Foreigner. Além disso, parece que vocês não têm qualquer tipo de problema em serem associados ao gênero emo, já que vocês claramente valorizam as melodias e as quebras de ritmo. Essa é uma impressão correta? O emo é uma influência consciente?
Alexei: Acho que depende de quem está perguntando! Pra nós, emo são bandas como Blink, Promise Ring ou Cursive, aquelas bandas americanas mais antigas que vieram da cena hardcore. Enquanto isso, para a geração que veio depois de nós, o emo é uma palavra suja para descrever My Chemical Romance ou Panic! At the Disco, e é muito mais delineador e cabelo do que qualquer conteúdo (admirável) musical. Para ser honesto, desejava que fôssemos mais associados à aquela cena emo do cabelo e maquiagem, ainda que as piores partes desse emo sejam forçadas e melosas. É que nos sentimos mais em casa tocando em porões da Filadélfia e saindo com aqueles fãs de emo do que quando tocamos em Birmingham com sete pessoas que sabem que é o Cap’n Jazz. A sensação é de que, pelo menos na Grã-Bretanha, existe uma grande divisão entre as cenas indie e pop punk. E estamos no lado indie, espionando o pop punk com inveja. E então, as pessoas vão ao nosso show, curtem muitíssimo e saem dizendo “nossa, foi como um show de punk rock”. Nossa reação é “AFF, FOI EXATAMENTE ISSO!”.

Junior Elvis, Alexei Berrow e Kelly Southern.

Sounds: Vocês tiveram contribuições de fãs no último disco, pois eles lhe mandaram depoimentos sobre músicas consideradas “amaldiçoadas” por algum motivo. Como foi essa interação? Quais foram as melhores histórias?
Alexei: Foi um pouco assustador! Fiquei um pouco desconfortável ao ouvir aqueles depoimentos, pois eram histórias muito pessoais. Porém, recebemos exatamente o que queríamos. Não quero divulgar nada além do que o que já é ouvido no nosso disco porque tenho medo de deixar alguém sem graça. Algumas coisas eram um pouco constrangedoras, enquanto outras eram pura tristeza.

Sounds: A banda tem muito da sonoridade dos anos 90, mas acho que vocês têm um frescor e uma ingenuidade que os deixam mais leves. As fotos de divulgação, as artes dos discos e os discos acabam enviando uma mensagem de uma banda despojada, alegre e despretensiosa. Vocês se preocupavam em estabelecer essa imagem para si?

Alexei: Um pouco. As artes dos discos vêm tão naturalmente quando a música; não confio em bandas que não se importam com o modo como se apresentam ou com as artes dos álbuns. Éramos mais preocupados com isso quando estávamos começando, pois se você não cria uma imagem antes, a indústria musical tende a fazê-lo por você. Hoje em dia, no entanto, queremos é nos divertir. Essa tática parece funcionar melhor.

Foto: Divulgação

Sounds: Por que assinaram com a Alcopop? Estão mais felizes com as condições deles? Vocês têm mais liberdade criativa agora?
Alexei: Estamos muuuuuuito mais felizes. Sentimos falta dos adiantamentos de dinheiro, mas acabou virando uma coisa de ser pobre/infeliz versus ser um pouco mais pobre/muito mais feliz. Temos muito mais liberdade na Alcopop e, como Jack Pop já nos conhece, sabemos que eles vão apoiar qualquer plano maluco nosso. É um relacionamento muito mais informal do que o que é tido pela maioria das bandas e gravadoras. Acho que, tecnicamente, não assinamos nada. Só ficamos bêbados e concordamos com várias coisas…

Sounds: O que preferem fazer quando não estão em turnê? E as atividades nem tão favoritas assim?
Alexei: Dormir. Sempre dormir. E, infelizmente, tenho o emprego normal, que é vender camisetas em shows em estádios, e mania de fumar compulsivamente.
Kelly: Certeza que a segunda melhor coisa é dormir. Eu jogo Gears of War obsessivamente, assisto a filmes de terror de baixo orçamento e leio os romances de Bret Easton Ellis. Essa é a minha vida normal.

Sounds: Vocês estão satisfeitos com o sucesso alcançado? Ou esperavam estar mais confortáveis financeiramente nesse estágio da carreira? Dá pra viver só de música?
Alexei: Um pouco de tudo, eu acho. É uma época estranha para a música. Desde que a banda começou, a internet destruiu o valor financeiro de uma música e o poder das gravadoras. É difícil equilibrar sucesso com segurança financeira. Nós conseguimos lotar clubes em todo o mundo e ter amigos para sair depois dos shows, além de ter uma comunidade de pessoas que amam o que fazemos e ainda assim querem mais. Qualquer um diria que isso é sucesso, mas nós tivemos de lutar para equilibrar nossas contas até o início desse ano. A música certamente não nos paga um salário. E enquanto pensarmos que esse desejo constante de querer algo melhor é o que nos motiva, vamos sempre escolher a felicidade em vez de dinheiro todos os dias.
Kelly: Acho que valorizamos o fato de termos conseguido tocar fora de Birmingham, e também, fora da Grã-Bretanha. Ter dinheiro seria um “a mais” nisso tudo mas, sinceramente, eu queria mais era chegar ao ponto de ter pessoas querendo que fizéssemos música, o que nos colocaria na condição de gravar discos e sair em turnê. É maravilhoso chegar a essa situação.

Kelly Southern. Foto: Abu-Dun

Sounds: Se não fossem os integrantes do Johnny Foreigner, o que gostariam de ser?
Alexei: Eu seria um campeão de corridas de Scalextric [marca de carros de miniatura], ou então, rei da lua.
Kelly: Eu teria um café com jogos de arcade, como House of the Dead e Tekken. O nome da loja seria House of the Bread [Casa do Pão].

Sounds: Qual a melhor e a pior coisa de sair em turnê?
Alexei: O melhor das turnês é quando tocamos e vemos a reação do público. Isso faz com que tudo valha a pena, não importa quão cansativo seja. Viajar e conhecer pessoas, além de experimentar outras culturas, é um privilégio sensacional e um modo de vida muito divertido. Só atrapalha o fato de fazer as malas e sair. O pior é qualquer coisa envolvendo companhias aéreas e bagagens.

Sounds: Com que banda gostariam de sair em turnê?
Kelly: Deerhoof.
Alexei: Broken Social Scene. Eles são tão numerosos que eu acho que eu poderia subir no palco e tocar com eles todas as noites. Nenhum deles iria perceber…

Sounds: Podemos aguardar uma visita ao Brasil em breve?
Alexei: Se alguém nos convidar, nós vamos!