Entrevista: Test

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Foto: Chris Justtino

Senso comum, comodidade, conformidade ou mesmice são fatores distantes e sem qualquer tipo de força dentro do universo do Test.

Havia poucos espaços para shows? João Silveira e Thiago Barata colocaram os instrumentos dentro de uma Kombi e viajaram para tocar e espalhar a palavra do grindcore dentro e fora do país. Loucura? Talvez, mas como escreveu Fernando Pessoa, a tal loucura “provêm, por igual, de uma anormalidade. Representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio”. O Test talvez sofra desse bem. O de não se adaptar ao meio dito convencional.

Veio a ideia de montar uma Big Band de música extrema, coisa que não deve ter passado nem na cabeça de John Zorn. Depois, a gravação de um split nada convencional com o D.E.R. Ao vivo ou em estúdio, o Test sempre tinha uma proposta que desafiasse os limites.

Há uns anos, quando João decidiu montar a banda, em um desses papos informais, ele contou que a ideia era criar um som que soasse como uma espécie de homenagem às bandas de death metal mineiras da década de 80. Composições diretas, ríspidas e sem muitos rodeios. Era pra ser bruto. Mas essa é uma qualidade que não conversa com a inquietude da dupla. Dessa forma, o Test foi procurando trajetos inéditos e, a cada disco, a cada show, a banda foi ficando cada vez mais única, o que se reforça com a chegada de O Jogo Humano e suas 54 músicas.

O disco, masterizado no Audio Siege (Portland) por Brad Boatright (Sleep, Full of Hell, YOB) é, literalmente, um jogo da música extrema. De palavras, faixas, criatividade. Um disco que confirma que o Test é um desses vitoriosos casos onde uma banda, ou artista, consegue criar uma assinatura forte a ponto de ser reconhecida por isso.

Para entender um pouco mais sobre o processo criativo e todas as histórias que envolveram a gravação desse novo lançamento, conversamos com o João e Barata para saber um pouco mais sobre O Jogo Humano.

Sounds Like Us: João, ouvindo O Jogo Humano, nos lembramos que, no começo do Test, você uma vez disse que a banda era pra ser uma homenagem aos grandes nomes do death metal da década de 80. Como você enxerga a música que vocês estão fazendo?
João Kombi: Sim, a ideia era um death metal cru, tipo das bandas de Belo Horizonte, mas acho que nunca conseguimos fazer isso. Hoje acho que estamos fazendo um grind com influência de vários estilos.
Barata: Enxergo nossa música como um deathgrind totalmente livre. Quando a gente tá criando um som nunca penso que tem que parecer grindcore, death metal e nem se tem que ter blast beat. Tem um som nesse disco novo [“Rua”]que o João chegou com ele de um jeito e, quando eu coloquei a bateria, acabou virando um blues! Do nosso jeito, mas um blues. É um exemplo que me faz perceber que o som que a gente faz hoje em dia é totalmente livre e sem regras.

Sounds: É curioso porque esse novo disco nos lembrou aquelas coisas mais noise da década de 90, como o 7 Minutes of Nausea e Anal Cunt, talvez. Tem alguma influência dessas, ou de bandas recentes, nesse disco?
Barata: Tem, com certeza! E é muito da hora isso não ser uma coisa tão absurda porque, no nosso estilo, isso sempre rolou. A ideia dessa quantidade de música veio da Carolina Scagliusi, que fez toda a arte do disco. São 54 músicas que, coincidentemente, é o mesmo número de cartas de um baralho tradicional e a gente, desde o começo, teve a ideia de fazer um baralho do O Jogo Humano.
João: Veio também dessas turnês que fizemos nos EUA, tocando com bandas tipo Deterioration. Dá vontade de sair gritando vendo essas bandas. Já o número de faixas é porque não são músicas completas. Não tem começo, meio e fim. Cada uma é uma palavra, formando frases. Você constrói uma música completa do jeito que você quiser.

Sounds: E cria-se também um jogo de palavras, das faixas e um jogo de tentar entender as músicas montando os nomes, né?
João: Isso! E se tudo der certo, vai ter um jogo físico também, para as pessoas jogarem, tipo um jogo de cartas ou tabuleiro.

Sounds: Faz muito sentido. O Jogo Humano é um nome bom.
João: O disco é um jogo. Não era pra ser tão profundo, mas acho que acabou ficando.

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Sounds: Com essa construção dos vários nomes, vocês acham que dá pra afirmar que o disco inteiro, no fundo, é uma coisa só?
João: Na versão que vocês ouviram todos os pedaços estão grudados e nada se repete, então pode dizer que sim. Mas se você criar uma playlist com essas faixas, pode repetir algumas delas e colocar ponto final para separá-las por dois segundos de silêncio. No vinil e k7 já vão vir com as músicas/frases formadas e separadas. Nenhuma versão será igual à outra.

Sounds: Uma coisa interessante que lembramos aqui. Na época em que o Sarcófago lançou o disco Hate, eles chegaram a dizer que o álbum foi gravado com bateria eletrônica porque nenhum baterista tocaria na velocidade que eles queriam. Barata, você chegou nessa velocidade. Esse é o seu disco mais rápido e criativo? Como você se sente sendo um dos caras que está elevando o nível de possibilidades criativas dentro de um estilo como o grind?
Barata: Não sei se o mais rápido mas, sem dúvida, é o disco que fui mais criativo na bateria, apesar de ainda achar que é só Ramones rápido hahaha…Nos outros discos do Test eu tive pouquíssimo tempo para criar as baterias das músicas. Várias composições que o João trazia, eu aprendia e, no mesmo dia, já gravava. Às vezes gravava sem aprender a música mesmo. Eu só ia criar algo nos shows, conforme a gente ia tocando as músicas ao vivo. Dessa vez eu tive mais tempo pra aprender e tocar as músicas antes de gravar, e isso fez toda diferença pra essa criatividade aparecer no disco e não só ao vivo. E pô, eu fico feliz demais quando me falam isso, de ser criativo na bateria. Fazer algo de diferente no grindcore, sem colocar outros elementos, usando só a bateria, é muito difícil. Sempre penso que tenho um número meio limitado de batidas. Acho que faço uns 3 tipos de blast. Tem ali um d-beat, fastcore, o tupá-tupá e é isso… hahaha, usando um pedal simples. Se eu usasse um [pedal] duplo teria mais possibilidades. É difícil fazer uma coisa muito diferente só com isso, aí acabo colocando algumas coisas de funk, hip-hop, hard rock lá dos 70 no meu grindcore. Como o nosso som é muito livre, sempre fico muito à vontade pra fazer umas coisas diferentes, mas com cuidado pra não fazer coisa fora de hora, atravessar algum riff e não fazer parecer que eu tô solando a música inteira.

Sounds: Uma coisa que chamou bastante nossa atenção foi a gravação. Os timbres estão bem vivos e orgânicos. Conta um pouco pra gente como foi o processo dentro do estúdio pra chegar nesse resultado.
João: Valeu! O disco foi feito no estúdio em casa, com pouco recurso. Temos um equipamento básico, então existe um limite de onde dá pra chegar, mas pro nosso estilo encaixou legal. E como tem muitas partes que a bateria fica sozinha, sem guitarra, dá uma sensação de sons diferentes também.

Sounds: Ainda sobre esses timbres específicos da bateria, no disco ela soa grave em contraste com um som de caixa esticada. Isso te ajuda a na velocidade que você toca?
Barata: Sim, sem dúvida ajuda muito. Tudo ali na minha bateria é pensado pra me ajudar a tocar o mais rápido possível. A tensão alta das peles da caixa, a altura dos pedestais, do banco, a inclinação e altura da caixa. Até a tensão da esteira da caixa faz diferença. Em qualquer coisa que a gente busque uma velocidade muito alta, os detalhes fazem a diferença. Do mesmo jeito que 5mm a mais ou a menos no pneu de uma bicicleta faz muita diferença na hora de pedalar muito rápido, 1/4 de volta nos parafusos de afinação da caixa pode te dar um rebote muito melhor e permitir que os blast beats saiam bem mais altos e rápidos.

Foto: Roberto Gasparro

Sounds: E antes de gravar você tinha alguma ideia de como queria que a bateria soasse?
Barata: Eu nunca tenho hahaha… Só peço que a caixa fique bem na cara. Nesse disco usei três caixas. A minha Black Magic, que uso sempre; uma outra Ludwig de madeira (que foi usada porque a pele, de 13″, da Black Magic estourou e a gente não quis perder tempo até a pele nova chegar); e uma outra de metal que usei em duas ou três músicas lentas e deixei a pele de ataque beeeeem solta, o oposto das outras, pra ficar um som bem diferente. O som da caixa é a única coisa com que me preocupo de verdade. O resto dos tambores vai do jeito que tiver.

Sounds: Vocês acham que o Test está ajudando a construir um núcleo de bandas mais experimentais dentro da música extrema como Deaf Kids, Full of Hell?
Barata: Pô, eu nunca tinha pensado nisso, mas acho que sim. Talvez porque eu nunca tinha visto a gente como uma banda muito experimental. Pra mim o único disco que tem coisas mais experimentais é esse último mesmo. Mas falando em experimentalismo e criatividade, acho que o Deaf Kids tá a um passo à frente. O que aqueles três fazem nesse sentido é sensacional! Sempre pensando em fazer coisas diferentes e o Mariano na bateria, com uma criatividade absurda, detonando muito e entortando o d-beat. É foda!

Sounds: Vocês usaram alguns discos ou bandas de referência ou foram testando os sons até chegar no resultado que vocês queriam?
João: A gente foi experimentando o que tínhamos na mão. Nesse caso fica frustrante buscar referências externas porque nunca dá pra chegar nelas.

Sounds: E é legal porque vocês acabam criando o som do Test e não algo parecido com alguma outra banda.
João: Espero que sim…hahaha.

Sounds: João, puxando um pouco na sua história, desde o Are You God, e até do My Own Trip, você sempre buscou fazer algo diferente do que tá rolando e o Espécies já foi um disco bem diferente do que vocês tinham feito até então. Você acha que com O Jogo Humano o Test se superou como banda?
João: Nos dias atuais fazer algo único é praticamente impossível. Acho que estamos tentando não nos espelhar em somente um determinado estilo ou em apenas uma determinada banda.

Sounds: Nos discos anteriores vocês sempre contaram com convidados que escreveram as letras das músicas. Como funcionou esse processo em O Jogo Humano?
João: Continuou o mesmo. Foram escritas por várias pessoas, mas dessa vez mandamos os temas além de uma demo com a voz gravada. Neste tem o Lirinha (Cordel do Fogo Encantado), China, Jair Naves (Ludovic), Quique Brown (Leptospirose), tem muitos de estilos bem diferentes.

Sounds: Vocês acha que O Jogo Humano é o melhor disco do Test até agora?
João: A gente sempre acha, né? A razão interna de continuar é essa.
Barata: Sim, sem dúvida! Gostei demais do jeito que as músicas ficaram. De todas as loucuras, das coisas mais tradicionais, a arte que a Carol fez tá incrível e eu não vejo a hora de colocar mais músicas dele ao vivo.

Sounds: Já tem datas pra shows de divulgação desse disco dentro e fora do Brasil?
Barata: Tem sim, no final desse mês de junho a gente começa a primeira turnê do disco. Sudeste, todos os estados do nordeste, Piauí, Tocantins, Brasília e Goiânia.

Foto: Chris Justtino