Entrevista: Walter Schreifels Gorilla Biscuits / Youth of Today / Rival Schools / Quicksand / Dead Heavens

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Chame de inquietação artística. O fato é que o nova-iorquino Walter Schreifels não consegue ficar parado e por décadas vem acumulando a criação de bandas que a gente gosta muito. O Gorilla Biscuits propagava uma ética straight edge em um hardcore melódico e impulsivo. Mas o som era tão inclusivo e fulminante que a gente nem sentia o rótulo. O Quicksand trouxe um arsenal bélico pesado e inovador, altamente apoiado num cancioneiro cativante, e instaurou novas margens no metal alternativo. O Rival Schools fazia uma ponte virtual entre o emo e o indie, circulando pop catártico e refrães (<- não se assuste; é feio, mas é assim mesmo) poderosos. E hoje o Dead Heavens resgata o rock setentista e adiciona umas tintas contemporâneas. Citamos apenas algumas das várias empreitadas de um cara que se deixou fisgar pela música ainda na infância e a usou para aprender a lidar com as pessoas e para reconhecer limites e dilemas. Deve ser por isso que a gente enxerga tanta sinceridade nas músicas e na conduta de Walter.

Walter Schreifels

Sounds Like Us: Oi Walter! Esperamos que esteja tudo bem com você. Onde mora agora e como tem sido suas turnês neste ano?
Walter Schreifels: Oi, por aqui está tudo bem. Estou passando o verão em Berlim [era julho de 2015]. Eu vivi aqui por alguns anos e ainda tenho um apartamento. A maior parte do ano eu vivo no Brooklyn [Nova York]. Esse ano as turnês tem sido mais limitadas, mas todas muito divertidas. Por mais que eu goste muito de estar em turnê, eu não gosto de ficar longe da minha família mais de algumas semanas

Sounds: Lemos que você gosta muito de conhecer mais profundamente as cidades para onde viaja. Espero que tenha conhecido coisas legais em São Paulo! E como é sua Nova York? O que gosta de fazer, locais que gosta de ir e principais atividades/passeios para indicar?
Walter:
Eu adoro São Paulo. A viagem em 2014 me deu a chance de conhecer melhor a cidade. Já Nova York é meu lar; é um lugar que está mudando constantemente e sempre tem algo novo pra curtir. Eu adoro isso por causa da mistura de culturas. Você realmente tem o melhor do mundo ali, de uma vez. É como um disco de greatest hits infinitos.

Sounds: Qual a lembrança que tem das suas duas vindas ao Brasil com o Gorilla Biscuits? Lembro de você ter substituído o CIV às pressas no vocal em 2011, por conta de um acidente que ele teve com o pé. O show foi incrível, cheio de energia. Você parecia ter uns 20 anos.
Walter:
Tive minhas reservas quanto a preencher o lugar do Civ, principalmente porque eu não queria decepcionar os fãs da banda, mas no fim eu amei a experiência. Eu escrevi as letras do Gorilla Biscuits e por isso cantá-las foi muito especial pra mim. Isso também fez com que eu criasse uma grande admiração pelo que o Civ faz como um frontman de HC, já que homens adultos estão pulando em você para cantar – isso é perigoso!

Walter com o Gorilla Biscuits, em São Paulo

Sounds: Vimos sua interpretação para músicas do The Smiths, Agnostic Front, Judge em um show intimista em São Paulo, e você pareceu se divertir bastante fazendo covers. Quais seus favoritos? Gostou de alguma releitura que fizeram de trabalhos seus?
Walter:
É divertido tocar covers porque você sempre aprende um pouco sobre o modo de pensar dos artistas ao fazer suas próprias versões daquelas músicas. Isso ajuda a melhorar minhas próprias letras. Eu gosto de fazer alguns covers nos meus shows solo porque geralmente é um ambiente informal e eles contribuem para uma apresentação mais intimista. Eu adoro tocar Sick Of It All, porque eu acho que suas músicas são tão poderosas liricamente, e o instrumental sustenta também.

Sounds: Sendo você um letrista de tantas bandas, como faz para mantê-las na ponta da língua?
Walter:
Claro que eu esqueço as letras, então eu procuro tocar as músicas que eu sei melhor, mas se arriscar também pode ser divertido. Geralmente o público me ajuda a lembrar. Eu vi que o Ozzy costuma usar teleprompter no Black Sabbath. Ele não sabe as palavras de “Paranoid”, então tudo bem eu esquecer uma ou duas frases aqui e ali.

Sounds: Como foi sua infância e adolescência e em que momento a música passou a fazer tanta diferença?
Walter:
Essa é uma pergunta difícil de responder em menos de algumas páginas, mas eu diria que minha infância foi muito boa no geral. Música era importante desde o princípio. Eu me lembro de ver Yellow Submarine quando eu tinha uns 6 ou 7 anos e, a partir dali, fiquei obcecado por aquilo. Eu gostava de músicas tristes como “Nowhere Man”, o que já dava sinais do meu futuro emo.

Sounds: Você conseguiria descrever seu estado de ânimo e o que queria conquistar quando montou cada projeto? Algum deles foi mais desafiador ou emocionalmente emblemático que os demais?
Walter: Eu diria que cada banda narra uma parte da minha vida, os interesses e o desenvolvimento pessoal. Quando eu estava no Youth of Today, eu queria pertencer; no Gorilla Biscuits eu queria liderar, no Quicksand, confessar, no Rival Schools eu queria sobreviver e assim por diante. Eu não quero parecer simplista, mas essas são as primeiras coisas que me vêm a mente. Meu papel em uma banda sempre foi influenciado pelas pessoas com quem eu estava tocando no momento e pelos interesses e lutas que a gente compartilhava.

Sounds: Dá pra perceber que você é um cara que gosta e se inspira em canções, e pudemos confirmar pela sua escolha de covers, com Buzzcocks e The Smiths. Onde tinha esse dedo cancioneiro no Gorilla Biscuits e CIV?
Walter:
Quando eu comecei o Gorilla Biscuits eu queria que fosse uma banda como o Descendents, e você pode ouvir aquela influência pop ali. Eu também fui influenciado pelo Buzzcocks, pelo Jam e pelos Smiths, e eu levei aquela influência para o 7 Seconds e o Youth Of Today. O GB também apareceu em um tempo com muitas bandas boas em NY, e eu fui inspirado por diferentes fontes e pela própria experiência na cena.

Sounds: O Found é um excelente disco. Dá pra dizer que vocês estavam inspiradíssimos na turnê do United By Fate, quando ele foi composto. Quem vazou as músicas e onde elas estavam escondidas esse tempo todo? Qual sua reação ao vê-las empacotadas em um disco com vida própria?
Walter:
Obrigado, eu tenho gostado mais dele. Eu não pirei nele na época da gravação, pois eram demos para o nosso segundo disco. Eu queria ter tido a mente mais aberta, mas acho que tinha excursionado demais e tava cansado do sistema das grandes gravadoras. É engraçado que, por mais que eu aprecie a facilidade de compartilhamento de música, eu sinto falta daquele sistema agora. O disco ficou na gaveta porque eu não queria que fosse lançado. No final, foi o Sam, baterista do Rival Schools, que insistiu pelo lançamento do disco.

Rival Schools

Sounds: Como é o Walter produtor? Dá muito palpite, encoraja, critica?
Walter:
Adoro produzir; é semelhante a fazer um cover, no sentido de que você está aprendendo como a banda que você está produzindo trabalha, e isso sempre me interessa. Eu também fico mais atento à forma como eu trabalho e como posso influenciar o processo criativo de forma produtiva. Claro que eu dou minha opinião e encorajo a banda, mas também tenho muito cuidado para respeitar as ideias originais. Eu me sinto privilegiado por ter trabalhado com algumas grandes bandas que me inspiraram. E é uma alegria ajudar cada uma a realizar sua proposta.

Sounds: Com uma vida tão agitada de músico, produtor e incentivador cultural, sobra tempo para um Walter menos ligado a atividades musicais? Poderia nos falar de hobbies que tenha, ou dar o segredo para tanto pique?
Walter:
Obrigado. Eu sempre estou pensando em música, mas gosto de correr pra me distanciar um pouco, mesmo quando estou em turnê. Eu também pratico yoga. Eu leio, adoro filmes e gosto de estar com meus amigos. A maior parte do tempo eu passo com a minha família. Tenho uma esposa e uma filha de 7 anos, e elas são a força que sustenta uma existência que seria leviana.

Sounds: Nova York é, por definição, um cidade com a cultura pulverizada em vários nichos, e pudemos ver que você estava bastante inserido no nicho do hardcore nos anos 80 e 90. Como músico, você se sentia pertencente a uma cena em particular? Como foi presenciar e viver uma época tão rica criativamente falando?
Walter:
Eu tive sorte de estar por lá quando o hardcore de Nova York atingiu seu pico criativo, em meados dos anos 80. Foi uma grande experiência de aprendizado e isso deu um certo contexto ao meu trabalho. Foi incrível ver a cena se construir e ver bandas ruins ficarem incríveis em meses. A música tem certas formas e limites, não é pra todo mundo, mas continua a ressoar, o que é impressionante. Eu acredito que isso ocorra porque foi um movimento criativo verdadeiramente inspirado, praticamente isento de intenção comercial, a energia pura da juventude em músicas de de 0 a 2 minutos QUE TINHAM sua própria dança.

Youth of Today

Sounds: Ainda sobre esse período, imagino que você tenha tido uma vida musical bastante ligada ao grupo, ao coletivo. Imagino também que isso tenha ajudado a moldar seu caráter. Você conseguia ter espaço (ou se autorizava a fazer isso) para discordar de opiniões dentro do coletivo e estabelecer seus próprios objetivos?
Walter:
No meu tempo em Nova York, o coletivo foi uma grande inspiração para mim assim como as vozes individuais que existiam nele, como Ray Cappo, Ian MacKaye e Kevin Seconds. Foi também dentro do meu círculo de amigos que descobri meu ponto de vista. Start Today era a minha visão de como a cena deveria ser, era o produto de todas essas várias influências embaladas na minha própria filosofia do HC.

Sounds: Como foi chegar ao momento atual, em que você parece bem firme quanto às suas próprias convicções sobre o que é certo ou bom para sua vida? Dizemos isso porque lemos, numa entrevista, você se referindo à sua família como “a sua cena”.
Walter:
Eu não diria que eu sei o que é bom ou o que é certo, mas eu tenho experiência o bastante para tentar evitar os mesmos erros de novo, embora isso ainda aconteça, claro. Dito isto, eu realmente aproveito o tempo que tenho com meus amigos e minha família, viajo pelo mundo e ainda tenho tantas experiências estranhas e interessantes, mesmo depois de todo esse tempo. Então eu suponho que esteja fazendo uma certa quantidade de coisas certas.

Sounds: Seu nome ainda é bastante ligado ao straight edge. Qual foi sua relação com o movimento e qual o espaço para ele em sua vida atual?
Walter:
No início, o straight edge foi empolgante para mim por causa do Minor Threat, que era minha banda favorita de HC (ainda é). O Youth of Today levou essa ideia para frente. Particularmente, eu não era contra a bebida, mas gostava da ideia de fazer algo que todos os meus colegas não estavam fazendo, e eventualmente senti o mesmo quanto ao vegetarianismo. Foi como uma revolução pra mim. Hoje, acredito que seja um movimento cultural que sempre vai existir e criar um vínculo entre as pessoas que, para muitos, serão “true till death” [fiéis até a morte]. Acho que isso é uma coisa boa, e fico feliz e orgulhoso de ter feito a minha parte em difundir essa mensagem.

Sounds: Quando você percebeu que havia construído a sua própria identidade, sem precisar estar ligado a algum tipo de movimento musical?
Walter:
Quando me juntei ao Youth of Today, me tornei um soldado do movimento. Considerei que nosso objetivo era converter a cena ao vegetarianismo e ao straight edge, nessa ordem. Por fim, a cena começou a se dividir e havia apenas as pessoas que concordavam, como se houvesse uma “escolha unânime”, e isso não era mais uma vitória para mim. Isso me levou a seguir um caminho musical longe da experiência do grupo e a lidar com questões mais pessoais. Essa ideia se tornou a minha inspiração para a formar o Quicksand.

Quicksand

Sounds: É bastante interessante ver o quanto sua carreira segue uma evolução norteada pela busca de experiências diferentes. As bandas, por exemplo, são bem diferentes entre si. Você se cansa rápido das coisas ou teme a zona de conforto? Tem algum tipo de inquietação pessoal ou artística movendo sua criatividade?
Walter:
Eu me pergunto a mesma coisa. Acho que tenho um transtorno de déficit de atenção irremediável. Eu também me interesso por tantos tipos diferentes de música que acho que gostaria de estar fazendo tudo de uma vez só, que é como eu sou hoje em dia. Dito isso, hoje em dia eu tenho um apreço ainda maior pela química de cada banda e pelo potencial criativo do mesmo grupo de pessoas. Eu suspeito que o fato de eu ter surgido do hardcore, onde bandas tendem a se separar depois de dois discos, também tenha me influenciado, pro bem ou pro mal.

Sounds: Você assistiu ao documentário Salad Days, sobre o nascimento do punk e do hardcore em DC? Curte assistir a essas produções dedicadas à memória musical?
Walter:
Eu não vi o filme, mas claro que o Ian MacKaye é uma grande influência para mim, música, lírica e filosoficamente. Eu gosto de alguns documentários, mas é claro que quanto maior a quantidade, mais eles ficam parecidos. Um documentário pode encapsular movimentos como uma lenda ou um mistério, o que às vezas gera um bom efeito, mas muitos acabam sendo muito hiperbólicos pro meu gosto.

Sounds: Como é sua relação com bandas novas? Gosta de procurar os discos, ir aos shows, saber de quem se trata?
Walter:
É crucial para mim conhecer bandas novas ou pelo menos contemporâneas. Com a internet é muito fácil só pesquisar o passado, mas para ser contemporâneo eu preciso saber o que está acontecendo agora, então geralmente procuro novos discos, assim como descubro novos registros antigos.

Sounds: “Travel by Telephone” é uma música que nos emociona bastante. Você já se emocionou com músicas próprias em algum momento da composição, da gravação, ao vivo ou simplesmente ouvindo?
Walter:
Muito obrigado. Minhas canções me emocionam muito mais do que eu transfiro inspiração para elas . É um tipo de transtorno mental. Eu começo cada uma com um sentimento, algo que eu queira ouvir ou tenha a necessidade de expressar. Às vezes (raramente) vem tudo de uma vez, ou muitas não funcionam e ficam anos flutuando como fragmentos dispersos. “Travel By Telephone” veio rapidamente, mas outras músicas levaram anos para ficarem completas. “Open Letter”, que eu considero uma das minhas melhores músicas, é um exemplo.