Guns n’ Roses 'Live at Ritz': os 30 anos do histórico show em Nova York

In Bandas, Shows
Vinicius Castro

Boa parte da história de Appetite for Destruction já foi contada. O impacto e o estrago, no bom sentido, que esse disco teve no cenário que ilustrava o fim da década de 80 são inegáveis: Appetite… tem lugar cativo na história da música. É, sem dúvida, um dos melhores discos de estreia do todos os tempos. Um dos que mais venderam. E dentro do rock, é um dos melhores discos de todos os tempos.

Mas, pouco antes de esse LP ser lançado por aqui, o Guns n’ Roses já havia causado uma verdadeira catarse em um dos shows de divulgação do álbum e, sem dúvida, um dos mais insanos que uma banda de rock pode – e deve – fazer.

Por essas e outras que, mais do que falar sobre Appetite for Destruction, é preciso falar sobre Live at Ritz, o show que o Guns n’ Roses fez em Nova York, no dia 2 de fevereiro de 1988, e que deu início a uma epidemia necessária em um rock que, na época, andava cabisbaixo demais.

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Lá, o show aconteceu em 88, mas por aqui ele foi televisionado no ano seguinte – pasmem, pela TV Gazeta (recentemente encontramos na rua, por acaso, o cara que apresentou esse programa e nem ele lembrava muito bem em qual canal havia apresentado o programa. Mas a gente lembra… hahaha). Sem MTV, internet ou mesmo publicações especializadas em rock/metal, ter acesso àquilo traduziu para o mundo real o que até então era parte somente do nosso imaginário. Revolta, inconsequência, aversão a regras, desafio, peso, ameaça, cigarros, drogas, álcool. Tudo isso estava acontecendo ali, nas salas de algumas casas, ao cair da tarde, via TV aberta.

Fomos intoxicados. A partir daí, tudo referente ao Guns n’ Roses era registrado. Gravávamos especiais de rádio em fita K7, clipes e shows em VHS. E assistíamos. Várias e várias vezes. O acesso a shows, discos e vídeos era escasso e caro, portanto, quando isso era uma possibilidade, agarrávamos essa chance com unha, dentes e em alto volume.

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Live at Ritz revelou uma banda que assumia o clima de ameaça e alimentava o perigo que ficou por um tempo adormecido em um cenário sustentado pelas maquiagens das bandas glam, que reinavam naqueles dias.

A Los Angeles decadente da Sunset Strip tinha a sua maneira de viver o sexo, drogas e rock and roll. Mas aquele show anunciava que isso era muito mais que um código. Era um meio de vida. E o Guns n’ Roses foi a banda que levou essa aura até a última instância; afinal, o rock precisava renovar seus votos junto a um bando de adolescentes ao redor do mundo enquanto boa parte das bandas da época procuravam caminhos mais populares.

Mas junto a uma autenticidade juvenil, havia também a busca por uma realização em curto prazo, é verdade, já que aquele momento gravaria o início bombástico e o colapso anunciado de uma grande banda que, da maneira como nós enxergamos, teria seu fim decretado poucos anos depois ao se transformar em uma potência do rock de arena.

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Em Live At Ritz tudo começa com “It’s So Easy”. Uma vitrine lírico-niilista-sexista puxada por um riff petulante. Em seguida, costurada por um enredo sobre a relação da banda com a heroína, vem “Mr. Brownstone” e depois a enérgica “Out Ta Get Me” que, juntas, dão sequência para que entre em cena o segundo single da banda, “Sweet Child O Mine” (“Welcome to the Jungle” foi o primeiro). O que hoje é um dos fraseados mais famosos da música teve origem a partir de uma escala que Slash usava como aquecimento durante os ensaios. Mas nesse show ela não recebe as honras que hoje lhe são de direito. Ali, a doçura era parte de um conjunto de músicas incríveis e não o furacão comercial no qual se transformou pouco tempo depois.

Seguindo o set, “My Michelle” foi, durante algumas das centenas de vezes em que assistimos a esse show, uma das nossas preferidas. Depois dela, o primeiro cover da noite, “Knocking on a Heavens Door”, escrita por Bob Dylan, e tocada desde sempre pela banda.

Depois disso, “Welcome to the Jungle” é anunciada por um Axl inquieto, de olhar arrogante, para que depois a música ganhe sequência puxada por um dos riffs mais legais criados por Slash. Em um artigo do The Guardian, Dafydd Goff definiu a banda com precisão: “era como se o elenco de Lost Boys se armasse com guitarras”. Se você viveu os anos 80, sabe bem a força dessa metáfora. Realmente. O visual era sujo, ameaçador, e o comparativo conversa de perto com o espírito destemido que Axl invoca para dar vida à forma opressora com que foi recebido quando chegou na Los Angeles da década de 80: You know where you are? You’re in the jungle, baby. You’re gonna diiieeeeaagghghgh.

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A banda então toca “Nightrain” e o hino escapista “Paradise City” com direito a um final ainda mais acelerado do que o capturado em Appetite For Destruction. Era o fim. E até ali, um puta show. Mas ainda havia uma carta na manga.

No set list oficial, o Guns n’ Roses ainda tocou “Mama Kim”, cover do Aerosmith que ganhou um registro “ao vivo” no segundo disco da banda, o G N’ R Lies, lançado em 88.

Voltamos ao que nos foi transmitido e temos então a incrível “Rocket Queen”. Chuck Eddy, crítico que escreveu alguns livros e também passou por revistas como Spin e Rolling Stone, certa vez fez uma referência ao Guns n’ Roses usando o termo “disco-metal” numa alusão à inventividade da banda para construir algumas de suas músicas numa mistura de New York Dolls com o groove envolvente do funk americano da década de 70. Um dos melhores resultados dessa engenharia? “Rocket Queen”, que em um bis incendiário encerra o show num ritual de comunhão entre aqueles cinco amigos que pareciam realmente viver como uma gangue.

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Live at Ritz é parte desses acontecimentos históricos que serão sempre lembrados como algo que dificilmente irá se repetir. Uma energia, com o perdão do neologismo, ferocímel, encarnada naqueles cinco caras que trouxeram de volta muito do que já havia sido feito. A inconsequência do punk “no future” de 77 estava lá. A força do hard rock do Led Zeppelin, Hanoi Rocks, Aerosmith e Rolling Stones vinha embutido nos jeitos e trejeitos de cada um deles. Tudo ali falava muito sobre as referências que o Guns n’ Roses soube administrar. O resultado disso tudo pode ser visto nesse show que foi um divisor de águas na nossa, e na vida de muita gente.

No mais, o Guns n’ Roses foi uma banda consumida pela própria grandeza. Uma combustão de cinco peças fundamentais que implodiram em suas próprias pretensões e pirações. Live at Ritz diz muito sobre o Guns n’ Roses de Appetite For Destruction. Daí em diante é a história é outra. A nossa, termina por aqui.

https://www.youtube.com/watch?v=bx_QKGohShA