Especial HC/DC: Parte 3 10 discos para cair de amores pela Dischord

In Especiais

Foto: Sounds Like Us

Matéria publicada originalmente no site Suppaduppa.

Em 34 anos, era de se esperar que a Dischord ultrapassasse seu papel de documentar a cena de DC ao fazer uma curadoria que aponta para a vanguarda. O post hardcore poderia ter vindo como caminho natural, mas mais uma vez a cena de DC surpreendia com uma grande pulverização de sonoridades.

O maior emblema desse movimento de olhar adiante é o Fugazi, que não cessa de experimentar. E já que estamos falando de todo o material fonográfico da Dischord, apontamos 10 discos que justificam uma introdução ao acervo da gravadora e que também servem de motivos para mostrar como a gravadora é sintomática de um tempo – seja memória, ou futuro.

Leia também: 
Especial HC/DC: Parte 1 – Não teve cão, caçou com gato
Especial HC/DC: Parte 2 – Entrevista Ian MacKaye
Especial HC/DC: Parte 4 Entrevista Scott Crawford (Salad Days: The DC Punk Revolution Documentary)

A proposta não é elencar os 10 discos mais fundamentais, mas sim, dar um recorte da diversidade existente no catálogo da gravadora. Tem opção para todos, inclusive para quem não gosta de hardcore.


Rites of Spring
End on End
(Dischord #16; 1985)
Se o seu coração bate pelo Fugazi, pode saber que vai ter espaço para o Rites of Spring depois que você ouvir o único disco deles, End on End. De “Spring” a “Drink Deep”, você vai ser ver envolto(a) em uma massa de desespero e instabilidade emocional conduzida epicamente por Guy Picciotto. Você pode pensar em exagero, mas pode também se lembrar de alívio e energia. E uma atitude mais enérgica era o que DC precisava por volta de 1984, quando o hardcore já flertava com o caricatural. A vida do Rites of Spring nos palcos foi bem curta – só 15 shows (e uma infinidade de instrumentos quebrados). Se colocado em alto e bom som, esse disco pode dar uma fiel impressão do que deveria ter sido uma 16ª apresentação deles.


Embrace
Embrace
(Dischord #24; 1987)
Quando a diversão se transforma em um violento e despropositado circo de horrores, diz a sensatez que é preciso colocar o pé no freio e mirar outra direção. Assim o fez o Embrace, banda de 1985 que reunia Ian MacKaye e três membros do Faith, a banda do irmão de Ian, Alec MacKaye. O hardcore de D.C. tinha sido infestado por um slam dancing mais brutalizante do que ritualístico, o que só afastava a criatura do criador. Desacelerar, no caso, foi uma postura também adotada musicalmente: o veloz “1,2,3,4”, até então uma unidade, foi entrecortado por tempos quebrados, o que garantiu que a guitarra ou o baixo escorressem pelos refrões. O hardcore fagocitava a rapidez que o celebrou e incorporava arranjos assumidamente melosos, o que lhe rendeu a alcunha de emotional hardcore. E assim, em um batismo sem padrinhos, convidados e lembrancinhas, o emo ganhava o mundo até ser perigosamente distorcido, anos depois.


One Last Wish
One Last Wish
(Dischord #118; 1986)
Em 1986, o Rites of Spring e o Embrace chegaram ao fim e deixaram um saldo melódico tão positivo que já não se concebia a cena de Washington sem umas boas doses de sing-alongs. Guy Picciotto, Brendan Canty e Eddie Janney então se juntaram ao ex-Embrace e Michael Hampton e formaram mais uma existência fulminante: o One Last Wish, que não durou nem um semestre. Em quatro meses de vida, o quarteto deixou um tratado musical delicioso e com uma bela ênfase ao baixo do Janney. Sem contar as letras, ácidas e pungentes. Comece por “One Last Wish” e “My Better Half” que vai ficar tudo bem.


Minor Threat
Out of Step
(Dischord #10, 1983)
Primeiro e único álbum do Minor Threat, Out of Step é um maravilhoso rito de passagem para a vida adulta. É um álbum rápido (só 21 minutos), cru, vigoroso, imponente e pretensiosamente seguro de si. As letras, desta vez, não só denunciam dúvidas típicas da fase, como lealdade e comprometimento, como também afirmam convicções próprias em um mundo pouco tolerante às diferenças. Entrou para a história da música como um ícone, fartamente justificado pelo conteúdo e também pela embalagem, com a brilhante capa da ovelhinha.


Fugazi
Red Medicine
(Dischord #90; 1995)
Ainda que 7 Songs, de 1988, tenha inaugurado a discografia do Fugazi como um meteoro que divide o ordinário do especial, Red Medicine chega quase 10 anos depois fazendo um bem-sucedido exercício de originalidade. É um disco não-linear, que explora o noise e a distorção com uma contrapartida melódica que marcaria boa parte dos lançamentos de post-hardcore. A faixa-destaque é “Bed for the Scraping”, que marca um duelo inesquecível de baixo e guitarra em movimentos ascendentes e descendentes, preenchendo a música de sensorialidade.


Three
Dark Days Coming
(Dischord #33; 1989)
O violão inicial de “Swann Street”, a música mais poderosa de Dark Days Coming, agrega sabores mais acessíveis à cena de Washington e rompe definitivamente com o hermetismo do hardcore. Com letras mais pessoais,  o álbum é um grande comentário do cotidiano e da sensação de não pertencer ao mundo. Vindo de mais uma banda de curta duração, esse disco merece estar na lista por marcar tão bem a transição do cru para o fermentado, da estética preto-e-branco para cores mais vivas. Soa como um típico sopro de juventude.


Q And Not U
Different Damage
(Dischord #133; 2002)
Os rapazes do Q and Not U cresceram ouvindo as bandas da Dischord e digeriram toda a influência da cena com temperos similares àqueles usados pelo Dismemberment Plan (também de Washignton) na década anterior. As seções rítmicas extremamente quebradas evocam o math rock e são compensadas por uma grande musicalidade nas letras cantadas por Chris Richards. Produzido por Ian MacKaye, Different Damage é um disco ousado, sem padronagens usuais e de grande acento melódico.


Medications
Completely Removed
(Dischord #165; 2010)
Prova viva de que a Dischord sabe detectar e lapidar bandas talentosas é esse segundo disco do Medications. Veja bem, é 2010, são 30 anos da gravadora e muitas ondas de originalidade chegaram e foram embora. O que se pode fazer de tão autoral em um cenário tão ricamente explorado quanto isso? A resposta do Medications vem nos arranjos, que rejeitam qualquer solução fácil. E ainda assim, o disco chega maravilhosamente pop, recheado de referências ao country, à invasão britânica e ao math rock. A trinca de abertura – “For WMF”, “Long Day” e “Seasons” – ilustra bem a essência criativa do álbum


Scream
Still Screaming
(Dischord #9; 1983)
Fora de DC, o Scream ficou conhecido por ser a ex-banda de Dave Grohl (Nirvana/Foo Fighters), mas o disco de estreia, esse que achamos ser capaz de conquistar o seu coração, é com o baterista anterior, Kent Stax. Ele bebe em uma fonte conterrânea, o Bad Brains, mas apela para um som ainda mais suingado e cheio de reverberações. “Fight/American Justice”, uma música que vale por duas, faz uma transição tão emocionante do hardcore para o dub que deixaria Martin Luther King orgulhoso.


Soulside
Hot-Bodi Gram
(Dischord #38; 1989)
Nascido em 85, o Soulside já tinha avançado sobre o hardcore tradicional da cena de DC e investido em melodias e quebras rítmicas que mais tarde poderiam colocar a banda como uma parte integrante dos anos 90. Em diversos momentos de Hot Bodi-Gram, o segundo disco, a ênfase se desdobra sobre uma inversão ousada: a guitarra de Scott McCloud é vertiginosa e faz um movimento interessante de suporte para o baixo, como bem exemplificado em “Punch the Geek”. De bônus, Alexis Fleisig dá viradas sensacionais na bateria.