Radiohead 14 depoimentos de como 'OK Computer' mudou a relação com a música

In Discos, Especiais

No dia 21 de maio de 1997, OK Computer, do Radiohead, chegava como um daqueles encontros que trocam os sorrisos de lugar e destrancam algumas emoções emudecidas.

Se Pablo Honey (1993) já exportava de Oxford para o mundo a fragilidade confessional de uma então college band, e The Bends ilustrava um melancólico encontro com a maioridade, OK Computer mostrou a audaciosa despretensão referente às obras geniais. Foi, e ainda é, junto com Nevermind, o disco que redefiniu o caminho da música independente, trazendo em seu recheio uma alta dose de angústia abrasiva. Ao mesmo tempo que encantou a vanguarda, também atingiu em cheio o mainstream, causando ali uma sensação de que o legal mesmo era ser indie.

Mas como toda aquela complexidade e conteúdo sem sentido imediato puderam impactar de forma tão definitiva a música da época e até hoje soar fascinante?

OK Computer nasceu em um cenário onde o rock estava aderido a uma leitura revisionista, oferecida previamente por seus genitores – o que parecia contraditório em um mundo que caminhava por uma orientação tecnológica. O Radiohead percebeu e mergulhou nisso. Falou da solidão em um mundo onde as pessoas estariam tão conectadas que isso as faria se sentirem sozinhas. Longe delas mesmas. Falou também de como essa mesma tecnologia poderia oferecer conforto, quase te matar e, um segundo depois, salvar sua vida: In a fast german car / I’m amazed that I survived / An airbag saved my life.

Entre harmonias exaltadas e doloridas, OK Computer é um disco de acordes e texturas dramáticas. Como na magnífica “Paranoid Android”, que teve seu batismo extraído do livro O Mochileiro das Galáxias e sua instrumentação que direciona nossa memória afetiva enquanto revisita aquele clima da grandiosa “Bohemian Rhapsody”.

OK Computer ainda é repleto de músicas incríveis, e além de “Paranoid Android”, “Let Down” é sufocante e opressora ao mesmo tempo em que soa adorável, carinhosa e dona de um crescendo épico. É também responsável pela unanimidade do casal aqui. “No Surprises” é linda. Enquanto afaga, trata também da finitude, intencional ou natural: I’ll take a quiet life / A handshake of carbon monoxide… No alarms and no surprises (let me out of here).

É até comum que diferentes gerações de fãs de rock tenham, em algum momento da vida, acreditado que tudo o que poderia ser feito no gênero, já havia sido produzido. Assim como é também comum que outras gerações creditem a OK Computer tudo o que foi feito de diferente.

No fundo é gratificante pensar que décadas depois de seu lançamento, OK Computer soe ainda melhor e que seus ecos continuam sendo ouvidos e sentidos em diferentes cantos, alimentando diferentes percepções e sensações.

Pensando nisso, convidamos alguns fãs da banda, e do disco, para contar um pouco da relação de cada um com esse grande registro da música. O resultado ficou lindo e nós ficamos muito felizes com isso.

Radiohead Ok Computer
Foto: Sounds Like Us

Sobre um disco que marca pela diferença: OK Computer. Já ouvi em muitos lugares que nosso gosto musical é moldado na adolescência ou que tudo que ouvimos durante a juventude terá um vínculo afetivo maior em nossa memória. Concordo com isso. Há 20 anos eu era muito “roqueiro”. Daqueles roqueiros adolescentes bem arrogantes e fadados a todos os limites que a arrogância sempre nos impõe. Mas graças aos deuses do rock, cometi um erro que mudou toda minha percepção em relação à música desde então. Comprei o disco OK Computer, do Radiohead, achando que era o The Bends. Não vou entrar no mérito do erro em si, pois pouco importa. Queria um disco tipicamente roqueiro e recebi uma obra-prima que eu gostava de associar, na época, ao rock progressivo. Cheguei a sistematizar isso em um ou dois artigos durante minha graduação na Ciências Sociais, na qual utilizava meus discos e bandas favoritos para exercitar conceitos sociológicos. Ainda faço um pouco isso, mas geralmente no bar e com amigos.

Todas as músicas de OK Computer impressionam pela sua beleza, andamento “paranóico”, baixo entrecortado, efeitos eletrônicos esquisitos e letras “estranhas”, principalmente para um adolescente acostumado com os formatos bem quadrados e engessados do que era considerado “rock” na época. Em OK Computer, Thom Yorke extravasa suas fixações que estão diretamente ligadas ao dia a dia do homem moderno. Todos os elementos típicos do rock progressivo que haviam sido negados anos antes. “Air Bag”, “Paranoid Android” (reparem, essa é uma típica música de rock progressivo), “Subterranean Homesick Alien”, “Exit Music (For a Film)”, “Let Down”, entre outras, marcaram minha adolescência pelas quebradas de Osasco. Mas o que resume lindamente minha relação com esse disco é “The Tourist”, que encerra lindamente o disco: com mais uma canção hipnótica e climática, letras e vocais inspirados, melodia triste e cadenciada, tornando o álbum inesquecível. Vale muito voltar a ouvir o disco, entender sua importância durante esses 20 anos e nos permitirmos errar para acertar. Para permitirmos a fluência da diferença em nossas existências, pois como diz Thom Yorke em “Lucky”, sobre esse tipo de “erro”: “It’s gonna be a glorious day! I feel my lucky could change”.
Marcio Black (Cientista político, produtor cultural e integrante do Coletivo Sistema Negro).

Radiohead
Foto: Tom Sheehan

Acredito que, como muitos que passaram a adolescência nos 90, só agora começo a ter o distanciamento necessário para enxergar aquele período como uma era radicalmente diferente de hoje. Até pouco tempo atrás, 1997 parecia tão próximo como 2007. Só depois destes 20 anos é que percebo como o mundo era diferente quando eu tinha 20 anos, e como uma ou duas novas gerações já dominaram e redominaram a cultura pop desde então. Por exemplo, fui ter meu primeiro celular já nos anos 2000, embora já tivesse visto alguns nas mãos de gente mais velha e estabelecida. Marcávamos nossos ensaios discando de número fixo para número fixo, deixando recado em pagers e secretárias eletrônicas. Descobríamos novas bandas e discos com amigos que haviam viajado e trazido CDs e fitas de outros lugares, ou indo à Galeria do Rock, comprando álbuns de bootleg lançados na Itália (não sei por quê). O Napster viria só em seguida. Tive que recorrer a esta nostalgia porque ouvir o OK Computer hoje não terá o mesmo (enorme) impacto que fazê-lo teve há 20 anos. Em 97, a virada para o ano 2000 ainda era cercada de ansiedade e até certa dose de suspense.

Tudo parecia tarde demais para ser realizado, e tínhamos pressa, mas quase nenhuma esperança de chegar a lugar nenhum. Os primeiros ecos do monstrão que invadiria nossas cidades à la Godzilla, derrubando fundações, já se escutavam dobrando a esquina. Era o monstrão da era virtual, da vida conectada: mídias sociais, GPS, smartphones. Sua sombra já nos cobria, e como toda sombra, muitas vezes assustava mais do que o bicho em si. Ninguém retratou melhor essa ameaça, essa angústia, essa irritação, melancolia e inquietação do que o Radiohead neste disco. Antes, com o Pablo Honey e o The Bends (!), a história também era dramática, e depois, no Kid A, em diante o monstrão já tinha engolido o espírito do Thom Yorke de vez. Mas no OK Computer, como em um bom filme de suspense, o que se insinuava era mais impactante do que o que se revelava. Estávamos todos à beira de uma paisagem que o Radiohead retratou melhor que ninguém.

“Paranoid Android” provou o que ninguém mais pedia pra ser provado. Era uma música comprida, com uma letra difícil e o melhor cantor de sua geração se esganiçando um pouco, uma harmonia bonita/feia, liderando paradas de videoclipes no mundo inteiro. Funcionava como um glitch num programa de computador infectado, o mundo no final dos 1990. Depois de Blur e Oasis terem falhado em sua nova Invasão Britânica, os americanos (bom, alguns muitos americanos) se rendiam à banda esquisita de Oxford. “Airbag”, “No Surprises”, “Karma Police”. E, no álbum de retratos, talvez as duas que para mim melhor representam o clima todo: “Let Down” e “The Tourist”. Toda uma geração, de calças bag e Adidas, roendo as unhas sem saber o que fazer ainda com a sensação de alienação que nos impeliria a nos conectar como imbecis na primeira oportunidade (alguém aí disse Myspace, Fotolog ou Orkut?), mesmo quando o que nossa alma pedia era retiro e solidão saudável de tempos em tempos. Ainda vivemos os ecos do mesmo abalo sísmico que só a agulha do Radiohead captou se aproximando com tanta clareza, num agora longínquo 1997.
Mauro Motoki (Ludov / Estúdio 12 Dólares / Programa Clubversão).

Foto: Mark Metcalfe
Foto: Mark Metcalfe

1997. Já era uma época em que eu comprava apenas CDs, e mesmo no CD, a arte do “Ok Computer” me chamou muito a atenção. Comprei numa loja do shopping de Taubaté, e adorei o clima de novidades que o álbum me trouxe, e principalmente as letras. Havia uma melancolia ali que eu compartilhava (e ainda compartilho até hoje). O começo dos anos 90 havia sido barulhento com Faith no More, Sepultura, Metallica e Nirvana (e todo o grunge), e depois do Kurt, tudo ficou nublado. Tinha Oasis e Blur e o britpop, que era divertido, mas sem… tanta profundidade. Acho que a abertura de tudo foi, por incrível que pareça, o Mellon Collie, dos Pumpkins, porque era praticamente new progressive, e eu tinha os dois pés atrás com o rock progressivo (coisa de quem foi criado ouvindo punk rock e até os 20 anos odiava a grandiloquência do Queen – um típico adolescente idiota), mas amei o disco. Acho que ele me ajudou a abrir a cabeça para o OK Computer, mas foi uma época em que tudo estava se encaminhando para isso (com o “Urban Hymns”, “Ladies and Gentlemen We Are Floating in Space”, “This is My Truth, Tell Me Yours”). Essa é a primeira memória que o disco me traz, a de amar profundamente um disco de rock (new) progressivo (risos). A outra: eu estampava as minhas próprias camisetas nessa época, e estampei uma arte com um trecho da letra de “Fitter Happier”. Tenho até hoje, 20 anos depois, amarelada. Uma última, mais “atual”: “No Surprises” ao vivo numa floresta em Berlim em 2008 (a mesma floresta em que eles tocavam quando as Torres Gêmeas foram bombardeadas), uma garoa fina se misturando com as minhas lágrimas e eu abraçado a um monte de pessoas que eu nunca tinha visto na vida antes, e nunca veria depois. Das coisas que a música nos proporciona e que eu nunca irei esquecer…
Marcelo Costa (Scream & Yell).

David Clinch
Foto: David Clinch

Já fazia tanto tempo que ouvíamos falar que o rock havia morrido, ou que não haveria mais nada de novo a ser feito, que já nem ligávamos mais. A gente viu o Nirvana surgir no meio do “rock morreu” e se levantar entre os cacos do “não há mais nada de novo” e movimentar o mundo como nenhuma das grandes bandas que havíamos presenciado nos anos 80 havia feito. Ninguém menciona mais esse fato, mas por um bom tempo, o Radiohead foi a “resposta inglesa ao grunge” e o “nirvaninha que faz mais sucesso nos EUA do que em sua própria terra”. Assim sendo, tudo o que veio depois de “Creep” tem a ver com o mundo que veio depois do Nirvana. Os caminhos apontados em The Bends e cristalizados em OK Computer foram todos os caminhos: o Radiohead ficou mais apátrida, mais esquisito, mais melódico, mais futurista (quem foi que disse que OK Computer era o primeiro disco de música eletrônica totalmente feito com instrumentos elétricos?) e, ao mesmo tempo, mais ligado ao rock progressivo. Era um clássico desde seu primeiro momento, um dos grandes. Ouvindo 20 anos depois, continua tão incrível quanto sempre foi, tão moderno quando em 1997, pairando como um monólito enigmático fazendo a mesma sombra que naquele tempo, mas ganhou o gosto amargo de ter sido, talvez, a última vez que pudemos nos impressionar com um grande álbum, a última vez que desafiamos o clichê de que nada de novo poderia ser feito. Nem o próprio Radiohead, que se encurvou dentro de sua própria esquisitice em vez de encarar o posto de maior banda do mundo, teve coragem de peitar o desafio. É estranho, portanto, imaginar uma edição comemorativa, que relance OK Computer. Na minha cabeça, ainda estamos ouvindo o álbum que saiu ontem mesmo.
Ricardo Alexandre (jornalista musical, apresentador do podcast Discoteca Básica e autor de livros-reportagem como Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar: 50 causos e memórias do rock brasileiro )

07

Para mim não é muito difícil dizer sobre o Radiohead, eles são uma das bandas que mais marcaram meu modo de pensar fazer e ouvir música. Difícil é sair do óbvio sobre uma banda tão cheia de qualidades. Confesso que não gostava do Pablo Honey, sentia ele como um pop fraco funcionando dentro de uma moldura que eu não entendia tão bem. Por encontrar bandas que usavam distorções mais viscerais e poetizavam de modo mais profundo sobre as mazelas da vida, penso em Suede quando escrevo isso. Me recordo de ter ficado desconcertado quando a MTV me apresentou a mesma banda que havia composto “Creep” tocando tiros severos como a “Paranoid Android” ou “Karma Police”. Os clipes eram bem produzidos e as músicas, ótimas. “Paranoid…” foi o som que me tirou da escuta e das fórmulas grunge, tem um violão ultra limpo, lindo e funciona dentro de uma métrica confusa que por anos tentei decifrar e copiar, mesmo que minimamente. Esta música me levou para algo que eu identificava como existindo também na música brasileira, porém, feito de um modo muito específico; este som foi um dos que me deram coragem de assumir influências que vinham de fora do rock. Mais para além, ouvir Yorke cantar, neste álbum, foi o primeiro estímulo que tive para querer cantar e acreditar que eu poderia arriscar melodias. Hoje me vejo num profundo processo com a criação vocal e nunca perco a referência que este disco me trouxe.

OK Computer por anos e anos foi um refúgio ao qual eu sempre recorria quando precisava assumir para mim uma sensibilidade diferente do avatar que eu usualmente fazia na adolescência. Botava o Carcass, o Fudge Tunel e o Sepultura de lado para me entregar a 53:21 minutos de introspecção e pesquisa interessada por meus dramas. Neste álbum há músicas que eu entendia como extensões de muitos pensamentos meus. No disco Humo, da minha banda Noala, existiram pelo menos dois momentos em que, baseado no OK Computer eu me perguntei “o que o Radiohead faria diante o dilema que esta composição está me apresentado agora?” Obviamente que a músicas não alcançam sentimentos de modo tão abrangente como fazem as do OK Computer, mas ali também marquei minha conexão com esta obra. Por mais que não esteja tão explícito neste álbum como nos futuros, ouvir OK Computer abriu meu interesse por tecnologias e por um tipo de música que leva muito em conta o diálogo entre camadas perdidas, o celeste e o infernal dentro de cada música. Depois veio o Kid A, eu descobri o kaospad com ele vendo os lives e até agora parto para pesquisas muito minhas na linguagem eletrônica. O que vi no Kid A eu vislumbrei já na faixa que abre OK Computer, “Airbag”. Sempre que rola, amo frisar o quanto dar ouvidos para este disco me fez uma pessoa melhor.
Felinto (Noala / Afrohooligans)

Foto: Insight-Visual UK/ex Features.
Foto: Insight-Visual UK/ex Features.

OK Computer foi um dos primeiros CDs conceituais que me aprisionaram. Você coloca o álbum e tudo parece ser tão visual. Era uma trilha sonora de algum filme que virou CD. Parecia que o futuro era agora. O uso de instrumentos eletrônicos e orquestras, juntos, vozes robotizadas. Enquanto se ouvia o cd, víamos o encarte e criávamos histórias para aqueles personagens misteriosos. Tudo parecia sair tão do óbvio. De tudo que estava acontecendo naquele momento, o Radiohead se tornou minha banda atual em atividade favorita. Apesar de “Airbag” ter me impressionado muito, a música que me mais marcou foi “Lucky”. É uma das minhas músicas favoritas até hoje e foi uma das primeiras que tirei no violão. O trecho Kill Me Sarah até hoje me faz morrer um pouco por dentro. Eu sei que cada álbum que eles lançarem depois de OK Computer vai ser uma obra que ficarei dias ouvindo e absorvendo.
Anna Boga (Fotógrafa)

Foto: Michelle Shiers
Foto: Michelle Shiers

Não diferente da maioria das pessoas, quando me interessei por música (especialmente rock), na adolescência, comecei com os clássicos. Por muito tempo foi só o que eu ouvia: Pink Floyd era minha banda favorita, Jimi Hendrix era um gênio inigualável, The Who era a melhor banda dos anos 60 e eu achava que tudo que tinha acontecido depois dos anos 70 na música era perfumaria. E claro que, como a maioria dos adolescentes, eu achava que tinha todas as respostas certas – quando eu mal sabia do que eu estava falando. Conto essa história porque OK Computer foi talvez o disco mais importante no meu amadurecimento e o responsável por “virar a chave” na minha cabeça e fazer com que eu percebesse como há muita coisa tão boa, ou até melhor na produção musical mundial atual, do que as vacas sagradas de outrora. Por isso é bastante estranho pra mim pensar que esse disco faz 20 anos agora. Apesar de pessoalmente não mais mantê-lo em um pedestal, seus temas de alienação e solidão são atemporais e com certeza ainda vão ressoar em muitos adolescentes e jovens adultos que, como aconteceu comigo, buscam uma identidade nesse mundo pós-internet. Querendo ou não, esse sempre vai ser um dos discos da minha vida, e por mais que pare pra escutá-lo bem menos do que antigamente, ele ainda é capaz de me emocionar.
João Vitor Medeiros (Catárticos /@indiedadepre).

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Paramos para escutar OK Computer depois de tanto tempo e foi muito forte ver como o disco é revolucionário e inovador. Certeza que é um marco no uso do computador como ferramenta criativa nos discos de rock. Bandas como Muse não existiriam no formato atual. Depois do OK Computer, sempre rola aquele “um barulhinho meio Radiohead” quando você faz algum noise diferente no ensaio ou num disco. Nele a banda consegue o equilíbrio certo entre o experimentalismo e a canção (o que pra nós é a grande força dessa obra e o que faz ela continuar sendo lembrada depois de todos esses anos), o que nos discos posteriores em vários momentos esse equilíbrio é perdido. Faixas como “Airbag” (com a mix meio dub, antes disso virar febre), “Paranoid Android” (e sua mudança de rumo repentina porém natural), ou “Karma Police” (uma grande balada meio Paul na fossa) fazem isso com muita maestria. Em 2006, o disco Radiodread foi mixado no El Rocha pelo Victor Rice e mostra uma releitura muito legal desse disco tão importante para a nova música feita no mundo.
CaroxFernando Sanches (Miami Tiger / Estúdio Rocha Records / O Inimigo).

Foto: Michael Clement
Foto: Michael Clement

Confesso que não ouvi o OK Computer exatamente em 1997, data de seu lançamento. Naquele ano, eu estava mais preocupado com coisas como o emo da época, o hardcore, o punk e as bandas do início da década de 90 como Faith No More e Red Hot Chili Peppers. A verdade é que eu era só mais um adolescente no interior de Minas Gerais que torcia o nariz para o rock britânico de uma forma geral — e os singles do Pablo Honey e The Bends não haviam me chamado a atenção até então. Foi só um tempo depois, provavelmente quando o Kid A (meu álbum favorito do Radiohead) já estava circulando por aí, que fui dar bola para essa obra tão importante em tantos aspectos. Hoje em dia, é fácil se esquecer da qualidade musical do OK Computer (geralmente é o que acontece com álbuns clássicos, quando o status acaba por abafar o que importa), mas seja hoje em dia ou lá atrás, assim que se solta o play, a produção é tão redonda e perfeita (muito inovadora e diferente do que se fazia no final dos anos 90) que já somos sugados para seu universo sem grande esforço. E a gente vai contando hits como se contam pedestres no centro de São Paulo: “Paranoid Android”, “Karma Police” e “No Surprises” são facilmente algumas das músicas mais clássicas não apenas do Radiohead, mas do rock como um todo. Pessoalmente, o OK Computer significa muito pra mim, uma vez que abriu meus ouvidos para um tipo de música mais triste e íntima, mas nem por isso menos elaborada ou bem trabalhada. Pelo contrário: foi quando pudemos perceber que ainda era possível fazer um disco vanguardista sem perder a essência pop e o tino para o mainstream. Vinte anos se passaram e não é exagero afirmar que, depois de 1997, foram raras as ocasiões em que o rock chegou a ganhar um trabalho tão importante para o gênero como OK Computer. Celebremos, portanto.
Flávio Seixlack (Suppadupa / Takko Café).

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Uma das poucas escorregadas da finada Revista Bizz foi tentar passar a ideia de que rock progressivo era chato e devia ser combatido, e legal mesmo eram os Ramones. Fazia sentido na época, talvez – a Bizz tinha esse perfil subversivo punk-pós-punk e precisava alimentar a ruptura contra o “velho”. Olhando em retrospecto, era uma provocação bem adolescente – e eu, adolescente, caí nessa. Foi assistindo ao clipe de “Paranoid Android” na MTV que eu saquei isso – aquela pequena suíte cheia de passagens, do indie dramático ao rock mais nervoso àquele trecho viajado com mellotron totalmente chupado do Pink Floyd (eu nunca tinha ouvido Floyd além dos mega-hits, mas instintivamente entendi que aquela era a linguagem deles – depois que descobri “A Saucerful of Secrets”, tive a certeza). Aquilo era rock progressivo puro em plena ressaca do grunge e britpop, e me abriu as portas de todo um novo mundo velho. Ainda tenho esse disco como o auge do Radiohead, e costumo provocar que o dia em que Thom Yorke se cansar das super-experimentações e escrever um disco só de “Paranoid Android”, vai setar um novo norte na música pop. De novo.
Elson Barbosa (Sinewave / Herod).

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Escrever sobre o OK Computer é relembrar uma fase cheia de camadas na minha vida. Esse álbum foi uma virada no meu entendimento de composição. Ele quebrou muitos paradigmas, via muitos elementos ali que ainda não entendia direito e absorvi estilos como progressivo, jazz e eletrônico. A beleza da melancolia me hipnotizou durante um bom tempo. Obviamente, de cara eu não compreendia a complexidade do álbum, mas ele foi o start pra eu começar a pensar mais enquanto ouvia música, e a entendê-la como conceito, em vez de ouvir apenas com sentimento.
Cleber Rodrigo (EDC).

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Quando eu era adolescente, odiava o Radiohead. Mesmo. Não só isso, eu ainda tinha aquela birra chata de adolescente de ficar fazendo questão de falar o quanto eu odiava a banda. Não sei se havia uma razão específica pra tanto desgosto, ou se era a pretensão que a banda supostamente tinha (isso vindo de uma pessoa que ouvia, vejam vocês, “metal progressivo” e death metal). O mais interessante é que todos os musicistas que eu admirava, famosos ou não, tinham o OK Computer como disco da vida, disco preferido de todos os tempos, melhor disco da década, etc. Acho que isso até ajudava no desgosto – como eu não entendia um disco que todos meus ídolos amavam tanto? Mas eu tentei, confesso. Acho que tinha um bloqueio mental, predisposição, birra adolescente, ou simplesmente falta de maturidade (emocional ou que o valha). O que também é interessante de se pensar, porque o Radiohead sempre foi uma banda associada com um certo teenage angst, pelo menos nos primeiros discos. Mas enfim: o que é mais interessante é que o Radiohead só fez sentido pra mim depois de velho. Meu caso de amor com a banda começou com o lançamento do In Rainbows, eu concluindo meu projeto final na faculdade e falando sobre música, e o modelo de distribuição era um caso muito bom pra ignorar. Depois de “Weird Fishes” eu já era fã. Mesmo assim, o OK Computer ainda soava estranho pra mim, não descia, não clicava. Quando eu me mudei pela segunda vez pra Alemanha, no fim de 2012 e já aos 27, passei umas semanas bem sozinho. Por opção, mesmo. Queria um pouco de isolamento de vida social, estudar o idioma a fundo, ficar mais quieto, essas coisas. Nesse meio tempo, alguma coisa dentro de mim ficava pedindo “Lucky,” em loop. Como se fosse aquele desejo esquisito de algo que você não sabe porque seu corpo precisa, quase que proibido, quase que vergonhoso. Em loop, que era pra admitir derrota logo de vez. O adolescente em mim se contorcia tentando entender o que estava acontecendo, mas era tarde demais. “Lucky”, penúltima do disco, me fazia dar play no disco todo pra tentar conter aquela vontade estranha, como se eu só fosse me saciar depois de ver o fim daquilo. Pois é. Clicou.
Pedro Oliveira (I Buried Paul)

Ed Obrien

O OK Computer foi a entrada do Radiohead na minha vida musical. Nessa minha relação com a música que vem desde pequeno, seja com o walkman companheiro de idas e vindas, tocando bateria em bandas com amigos e me divertindo como DJ em algumas pistas por aí. O ano de 1997 foi uma safra boa de álbuns legais, Blur (Blur), Missy Elliott (Suva Dipa Fly), Chemical Brothers (Dig Your Own Hole), Sleater – Kinney (Dig Me Out), Prodigy (The Fat Of The Land) e o debut de uma dupla até então desconhecida do mundo chamada Daft Punk, com o Homework. Só com essas poucas citações dá para sacar que 1997 foi de estourar as caixas de som para muita gente. No meio disso tudo veio ele, o terceiro disco do Radiohead, com uma capa linda, limpa e suja ao mesmo tempo, que me deixou gamado e curioso com o álbum antes mesmo de escutá-lo, bem na época que eu estava começando a me aventurar com o mundo do design gráfico. Para mim esse álbum foi o trabalho que fez o Radiohead passar para o clube de bandas grandes. Doze músicas, com “Airbag” e “Paranoid Android” puxando as demais experiências sonoras do álbum. Até hoje descubro algum elemento novo em cada audição. Uma vez li em algum lugar que, por sorte, as influências idiossincráticas da banda estavam à altura do talento deles… rs. Para mim, esse álbum tem a mesma importância que o Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band teve para os Beatles e o Achtung Baby para o U2. OK Computer é um disco para se descobrir aos poucos, sem pressa e com o tempo, intenso, uma melancolia gostosa, que no final dá aquela sensação de ser eternamente jovem.
Ricardo Athayde (Fiel Discos)

Foto: Divulgação
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