TROPICAL FUCK STORM Banda australiana tumultua os ouvidos da melhor maneira

In Bandas

Foto: Jamie Wdziekonski

Amanda Mont’Alvão

Da Austrália, terra do do-you-come-from-a-land-down-under, vem um dos nomes mais inflamáveis e originais do rock atual. A despeito da narrativa batida de que o gênero respira com a ajuda de aparelhos, o Tropical Fuck Storm comunica, com amplo estardalhaço, que uma sala vazia nunca é a mesma quando instrumentos, pedais, criatividade e loucura se juntam.

Sim, loucura, pois é preciso um certo desligamento da realidade musical ditada pela indústria do entretenimento para permitir que brotem os excessos, as esquisitices, as imprevisibilidades e o assombro que constituem as músicas inesquecíveis. Fazer-se permanente no imaginário de seu público-alvo exige um tanto mais que uma bem-sucedida estratégia de marketing. Exige o reconhecimento de que nas canções há algo mais, uma resposta para perguntas não formuladas, um conforto para o que não se consegue nomear. Jimmy Hendrix não revolucionou a música mundial com criações pensadas em extrair efeitos determinados do público. Ele apostou no espanto e no próprio prazer de tocar.

Foto: jtb.media

Como a gente botou o Jimi Hendrix no meio do texto, você já sabe que estamos falando de pretensão. E o Tropical Fuck Storm, ou TFS, pluga a pretensão, não importa se em um pequeno estúdio de Melbourne ou em um palco de dimensões espaçosas. Erica Dunn (voz, guitarra e teclado), Fiona Kitschin (voz e baixo), Gareth Liddiard (voz e guitarra) e Lauren Hammel (bateria) convergem em uma espécie de seita onde o culto é voltado às emoções humanas. Seja pelo disco de estreia que acaba de ser lançado, ou pelos quatro singles anteriores, a variação das emoções provocadas por cada música é impressionante. E grande parte desta sensação polimorfa vem do uso dos pedais como um quinto integrante, dispostos a avolumar, subtrair, sufocar e descaracterizar os versos e refrãos provisoriamente estabelecidos.

Ouvir a banda é desfrutar da experiência de se surpreender com os diversos gêneros evocados, como o blues e o funk. O rock certamente é a matriz de inspiração e de execução, mas jamais um limitante. A organicidade das faixas poderia nos remeter a uma jam, mas talvez aí resida um dos grandes trunfos do TFS: nada parece sem propósito ou ocasionalmente improvisado. As experimentações são palpáveis, especialmente por conta das melodias, que oferecem um sólido colchão ao qual o ouvinte se agarra.

A melhor maneira de visualizar isso é vendo/ouvindo esta apresentação de “You Let My Tires Down”, música que abre o disco A Laughing Death in Meatspace. Repare nos timbres impressionantes, nas surpreendentes dinâmicas da bateria e no incrível choque entre a impulsividade do ao vivo e a precisão artística que sabe onde posicionar cada nota, acorde, batida e vocal:

Esta impulsividade não é acaso de novatos, mas sim a orientação da experiência. Gareth e Fiona eram do The Drones, banda que desfrutava de certo culto nos meios independentes. Eles se juntaram a Erica e Lauren em 2017 e a banda surgiu como efeito de 85 horas trancada na van que percorria a turnê dos primeiros shows. Eles não queriam ditar regras de como seria a banda, mas sabiam o que queriam evitar, como estruturas regulares e vozes femininas simplesmente fazendo backing para uma voz masculina. Foi neste espírito que compuseram o disco de estreia.

Há algo de catastrófico nas músicas do Tropical Fuck Storm, e não só nas letras que denunciam a deterioração das relações humanas. Por vezes a catástrofe nos leva a dançar, testemunhas sacolejantes do fim do mundo, como na grooveadíssima “Chameleon Paint” e na janelle-monaense “The Future of History”, presentes no disco. Efeito similar ocorre diante do sensacional single “Lose the Baby” e no belo cover de “Back to the Wall”, das The Divinyls, em que Erica e Fiona duelam maravilhosamente no vocal.

Capa do disco A Laughing Death in Meatspace

O desastre parece uma iminência no suspense angustiante de “Soft Power” e no crescendo apoteótico e surreal do cover de “Mansion Family”, originalmente da banda australiana The Nation Blue. É por esta espécie de entrega sonora de “notícias indesejáveis” que o TFS às vezes parece trilhar musicalmente uma série de referências da contracultura, como Woodstock, a promessa do amor livre, a utopia do mundo sem violência e também conteúdos recentes, como as séries Mindhunter e Wild Wild Country, da Netflix.

Com sua sonoridade grandiosa, versátil e de múltiplas filiações – a ideia de coletivo é levada à prática efetiva da pluralidade – , o Tropical Fuck Storm nos faz imaginar uma estrutura de muitas participações especiais, efeitos, adição de instrumentos. Mas é bem bonito saber que eles cabem na mobília econômica e multicriativa do rock, com baquetas, palhetas, dedilhados e o corpo a serviço das composições.

Por aqui ficamos deslumbrados com a vivacidade da banda, que preenche os alto-falantes com gosto e ferocidade. Os registros parecem ter sido gravados ao vivo e demonstram o quanto o quarteto é feliz em concentrar ou dissipar a energia, além de nos convidar para ouvir cada centelha de seu incêndio sonoro por meio da clareza impressionante de cada instrumento – um exemplo é o baixo obsessivo de “Rubber Bullies”, que fecha o álbum triunfalmente.

Ouvir a banda obviamente nos leva a pensar em outras. Mother Mother e Dirty Projectors, por exemplo, são lembradas pela ênfase no revezamento dos vocais masculino e feminino e pelo entrosamento entre os integrantes. Os momentos mais noise encontram ressonância no The Austerity Program ou no Tomahawk, por exemplo. A excentricidade pode prestar homenagem ao Captain Beefheart. Referências de toda sorte podem aparecer indiretamente, mas o Tropical Fuck Storm se referencia na própria banda. É daqueles nomes que trazem renovação, empolgação e esperança sem precisar de artifícios, pois é radicalmente original naquilo que mais valorizamos: as infinitas maneiras de esbanjar criatividade a partir do sempre singular repertório pessoal.