ESPECIAL WARFARE NOISE I: PARTE 2 Entrevista Silvio Gomes (Mutilator)

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Enquanto o Chakal primava pela violência da lírica real, o Holocausto pelo caos e o Sarcófago pelo orgulho em ser indigesto e brutal, outro grande nome presente na coletânea Warfare Noise I buscava uma proximidade maior com a amplitude e agressividade que o death/thrash metal podia oferecer.

O Multilator sempre foi um dos grandes nomes do movimento nascido em Belo Horizonte. Durou pouquíssimo em relação ao potencial que oferecia, mas em um curto espaço de tempo, emprestou seu DNA cirúrgico ao metal brasileiro. “Believers Of Hell” e “Nuclear Holocaust” são duas faixas excelentes e donas de uma força um tanto diferente em relação ao que ouvíamos nos grandes centros, mais uma prova de que BH tinha um grande diferencial.

Mas antes de falarmos sobre como o Mutilator ajudou a manter a qualidade em Warfare Noise I, é preciso dizer que, antes disso, a banda já havia gravado, lançado e alcançado grande destaque em suas duas excelentes demos: Bloodstorm e Grave Desecration. Ambas responsáveis por uma farta qualidade na execução das músicas.

Mutilator e Sepultura
Mutilator e Sepultura, 1985. Foto: Acervo Silvio Gomes

No ápice do glam e hard rock da Sunset Strip, para nós brasileiros, ainda novos no thrash e death metal, o que entendíamos como metal extremo era relacionado apenas ao Venom e Possessed. Lembrando que o delay da época fez com que bandas como Bathory, Sodom, Celtic Frost e Hellhammer chegassem um pouco depois aos nossos ouvidos.

“Believers Of Hell” e “Nuclear Holocaust” eram músicas tão boas quanto o que o Sepultura, o maior nome do metal nacional, fez em Bestial Devastation e Morbid Visions. O que o Mutilator era urgente e respondia ao desejo por algo novo e que tivesse o frescor que aquele movimento precisava.

É sobre isso que a gente foi conversar com o Silvio Gomes, um dos caras que formou e emprestou sua voz à banda, viveu o início daquele movimento bem de perto e de quebra ainda foi empresário do Sepultura por longos anos.

Foto: Sounds Like Us

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Sounds Like Us: Pra começar, conta um pouco pra gente como era a sua vida antes da coletânea? E depois de gravado, o que o Warfare Noise I trouxe de bom pra você?
Silvio Gomes:
Antes da coletânea já havia uma boa movimentação para a época. Já fazíamos shows em São Paulo (ABC paulista) e até no Rio de Janeiro. O motivo disso é que eu já era empresário do Sepultura naquela época e aproveitava para colocar o Mutilator na roda. Nossa rotina de ensaios era bastante disciplinada e a gente dividia os horários com o Sepultura e aí, para o convite para participar da coletânea, foi um passo. Aliás, gostaria de registrar o meu protesto contra a gravadora que, apesar de ainda comercializar e lançar a coletânea e os discos da banda, nunca me pagou um mísero centavo, então gostaria de mandar um fuck off and die para a cogumerda.

Mutilator
Foto: Acervo Silvio Gomes

Sounds: Existe muita mística sobre aqueles tempos do metal nacional e você pegou o comecinho daquilo tudo. Era um tempo em que ainda se acreditava nas coletâneas pra conhecer novas bandas. Um ano antes tinha saído a Speed Metal Hell, que tinha o At War e o Savage Grace, e a gente lembra que, quando vimos o Warfare Noise, achamos aquilo muito bom. Como foi pra você gravar um disco tão importante e, depois disso, qual a sensação e a lembrança que isso te traz hoje em dia?
Silvio: Para mim foi o começo de tudo. Havia uma ebulição aqui em Belo Horizonte. Era uma época em que não tínhamos acesso a quase nada: discos, programas, espaços. Mas era uma paixão coletiva pela música pesada. Todos tínhamos banda e uma dedicação incrível a elas. Então a gravação da coletânea Warfare Noise I foi uma grande coisa na época.

Sounds: O som do Mutilator gravados na coletânea era bem mais direto do que o que veio a ser registrado em Immortal Force e Into the Strange. Você acredita que o que está na coletânea representa melhor o DNA de vocês?
Silvio:
Bom, na minha opinião era o começo e quando me tiraram da banda acho que foi este o caminho escolhido por eles. Eu tinha outros planos para o Mutilator. Uma linha mais thrash à la Exodus e a entrada de um segundo guitarrista solo. Eles preferiram me tirar e aí me juntei à equipe do Sepultura. Acho que no final não foi tão ruim assim. Três composições são minhas e o conceito da capa, até do fundo azul da contracapa, é meu.

Mutilator
Foto: Acervo Silvio Gomes

Sounds: Como foram as gravações do Warfare Noise I? Vocês chegavam a encontrar com as outras bandas no estúdio, tomavam umas depois das gravações?
Silvio:
Que eu me lembre, não. Cada um fez o que pode no escasso tempo que tivemos para a gravação. O pessoal do Holocausto e do Chakal eram, e ainda são, meus amigos. De tempos em tempos encontro com o Rodrigo e o Ricardo. O pessoal do Sarcófago era amigo de alguns e de outros não.

Sounds: Depois da coletânea pronta, entre as quatro bandas que gravaram o disco, tem alguma ali que você achou foda assim que ouviu?
Silvio: Gostava do Chakal. E não há como hoje não dizer que as faixas do Sarcófago têm o seu mérito. O Holocausto era uma podreira só.

Sounds: Existiu alguma razão que possta ter impedido a banda de ser maior do que ela foi naquela época? Você consegue visualizar o Mutilator nos dias de hoje?
Silvio:
Mais uma vez vou tecer a minha opinião. Eu era meio autoritário, mas tinha um certo tino empresarial. Como na época eu era manager do Sepultura, colocava a banda no vácuo e tocávamos bem acima das outras bandas. Com a minha saída, o Magoo assumiu a coisa, era um músico talentoso, mas não tinha nenhum tino empresarial ou vontade para isso.

Mutilator03
Foto: Acervo Silvio Gomes

Sounds: Todas as bandas de BH, tirando o Overdose, faziam um som mais brutal. Qual era a inspiração de vocês? Até que ponto a Belo Horizonte e o Brasil daquela época influenciaram você ou o som do Mutilator?
Silvio:
Quanto às minhas influências, eu diria que eram bem variadas. Celtic Frost, Slayer, Exodus, Possessed, Kreator, entre outros. A coisa da ditadura eu diria que, fora as duras que tomávamos da polícia, mais pelo aspecto visual do que por orientação política, não influenciava muito. Tínhamos mais raiva da igreja em geral. Eu adorava pichar porta de igrejas e lojas evangélicas, já que não considero evangélicos igrejas e sim comércio e isso vale até hoje…hahaha.