O black metal foi concebido para transformar em arte o que havia de mais horrendo. Era o reflexo do desgosto, descrença, desesperança e de toda a negatividade inerente ao ser humano. A intenção sempre foi ser o mais radical possível. Fazer a música mais radical de que se tivesse notícia. Sob essas premissas, Bulldozer, Bathory, Venom e Hellhammer deram origem à série. E no início da década de 90, uma nova leva de discípulos dessas bandas ajudou a significar o que de fato entenderíamos como black metal.
De lá pra cá, pouquíssimas intersecções foram admitidas, crimes em nome de uma crença foram cometidos e a música, como arte, foi por um tempo deixada de lado. Sob o desejo de se manter ameaçador, o black metal sobreviveu à sua maneira, sustentando um protecionismo quase vital para sua continuidade. Se fechou em guetos e encurtou o quanto pôde os limites do seu universo. Deu certo: ainda hoje há muita vida criativa no subterrâneo, com muitas bandas devotas da facção mais crua do estilo. Mas há também novos direcionamentos. A gente concorda que nem todos podem ser chamados de black metal segundo as premissas iniciais. Mas hoje em dia algumas bandas conseguiram trazer novos elementos, leituras e formas sem quebrar a aura que envolve o estilo. É sobre essas bandas que resolvemos falar. Sobre esses novos – outros nem tanto – nomes que se impõem com respeito ao que já foi feito, mas sem temor do que ainda pode ser criado.
ORANSSI PAZUZU
Free jazz black metal. Não, pera. Black metal experimental. Psicodélico? É difícil encontrar algo que elucide com fidelidade, mas podemos sim atestar a favor da energia cativante que esses finlandeses conseguem transmitir. Em sua origem, o black metal nunca foi algo muito dado a misturas ou invenções, e isso é algo ligeiramente recente, é verdade. Com 10 anos de idade, o Oranssi Pazuzu trouxe de volta a estranheza que foi ouvir pela primeira vez coisas como o disco Aspera Hiems Symfonia (1996), do Arcturus, banda da Noruega que também apostava em tempos estranhos demais para o nosso preparo. Vale o paralelo, mas ainda assim, o Oranssi Pazuzu vai mais longe. É como se eles juntassem algo do experimentalismo do krautrock, Voivod, Darkthrone e o jazz desprendido de Ornette Coleman numa só festa. Vai parecer que você tomou a pílula errada da Matrix, mas vale muito embarcar na viagem dos caras. No caminho você vai encontrar alguns ambientes incômodos e intrigantes que eles conseguem construir com naturalidade. E o que temos aqui é um elegante black metal não visto há muito tempo.
MYRKUR
Em um dos singles do seu mais recente disco, Amalie Brunn, a mente por trás do Myrkur, disse cantar sobre destruir o mal usando o próprio mal. É por essas entrelinhas que ela desfila um black metal ardido e atmosférico. Amalie não é daqueles nomes que trafegam pelo black metal há tempos, pelo contrário. Antes de assinar como Myrkur, a dinamarquesa fazia parte do duo-pop-indie-modernoso Ex Cops. Tá, mas o que isso muda na qualidade do que ela faz atualmente? Nada. A moça é dona de um grande talento e seu mais recente disco só comprova isso. Dentro do black metal que conhecemos lá no final dos anos 80, começo dos 90, é um desafio e tanto conseguir dar novos direcionamentos mantendo intacto o sentimento que esse tipo de música tem o poder de transmitir. Em sua receita, Amalie mistura vocais angelicais com berros ásperos, orquestrações etéreas com passagens caóticas e uma capacidade incrível de deixar no ouvinte aquela pulga atrás da orelha. Aquela cisma boa que faz ele voltar e ouvir uma segunda, terceira, quarta vez, mesmo que não tenha sido impactado logo de primeira. Com o tempo ela evolui e conquista.
GRAFIR
Black metal punk pode? Pode e vem da Islândia, mais precisamente da cidade de Reykjavík. Como falamos há um tempo em nosso especial sobre o cenário daquele país, boa parte das bandas de lá bebeu muito nas estruturas intrincadas do black metal feito na França, encabeçado principalmente pelo genial Deathspell Omega. Mas o Grafir tem outro propósito. Um vocal por vezes atonal mesclado aos urros do black metal mais primitivo contorna de forma crua as três músicas do EP de estreia dos caras. Cada uma delas alterna as tradicionais batidas aceleradas com andamentos que poderiam facilmente ser parte de qualquer composição de alguma banda punk ou do pós-punk que viveu no subterrâneo da década de 80. Contrária à fartura de elementos e direcionamentos trazidos pelos outros presentes nessa lista, o Grafir é mais bruto, objetivo, tosco e parece conviver muito bem com isso.
BATUSHKA
Dentre tudo o que apareceu recentemente no black metal, o Batushka é um dos nomes mais cativantes. Falamos deles na nossa lista de melhores discos de 2015. Litourgiya foi lançado aos 45 do segundo tempo e já chegou como um dos melhores lançamentos daquele ano. É um disco incrível. Black metal puro, mas com algo de novo. O Batushka vem da Polônia e tempera seu som com generosos cantos gregorianos que, misturados ao caos de um black metal tipicamente europeu, causam um impacto e tanto. Os músicos usam túnicas tanto nas fotos de divulgação como nas apresentações ao vivo e isso soma uma dose de mistério em tudo que envolve a banda. O Batushka estará por aqui em 2018, uma ótima chance de testar e comprovar a qualidade dos caras ao vivo e a cores.
DØDSENGEL
Atormenta, mas é também palatável. É parte black metal, mas é também um passeio por outras frentes do heavy metal. Em todas estruturas que formatam o som dos noruegueses do Dødsengel há uma sucessão de elementos variados que abraçam, em sua maior parte, o metal progressivo. Tem também uma boa dose teatral dividida em atos não muito acessíveis, é verdade, mas intrigantes a ponto de despertar o entusiasmo dos já familiarizados com o black metal e de quem está à procura de algo diferente pra ouvir. Os riffs trêmulos estão lá. As passagens rápidas e os vocais rasgados e guturais também. Mas há espaço para variações etéreas, solos, detalhes quase folk e um clima pagão que quase transforma a audição em uma experiência viking. Ouça o último disco dos caras, Interequinox, lançado esse ano, e tente passar ileso a isso.