Esses dias a gente estava lembrando da devoção que existe em relação a bandas como o Slayer, por exemplo. Porque quem gosta de Slayer, não diz apenas que gosta de Slayer. Eles gostam de SLAAAAAYEEEER!!!!. Com o Neurosis acontece algo bem parecido. Ninguém simplesmente gosta. Há uma entrega, um entendimento de mundo que se sustenta daquilo que a banda produz. Quem gosta, enche a alma pra dizer o quanto gosta. Em alto volume. Fato sentido na primeira passagem da banda por aqui no já saudoso dezembro de 2017.
Dá pra dizer que o Neurosis é um daqueles acontecimentos determinantes na arte. Desses que quando colidem com nossa mesmice, faz com que a gente reconheça o tamanho do buraco que existia antes da reviravolta que só esses acontecimentos são capazes de produzir.
Como um contágio, o Neurosis é algo que se instala entre tecidos, músculos, instantes, pensamentos. É uma ocupação. Tão real quanto seu princípio punk. Tão brutal quanto a sensação que pode provocar.
Na metade dos anos 90, quando “Locust Star” era presença meio desconfortável no saudoso Fúria Metal, enquanto a gente ainda tentava libertar nossa visão de que a música pesada vivia em caixinhas, eles já estavam ali causando muita estranheza e mostrando uma beleza carregada de emoção que vivia no canto mais primal do ser humano.
Não há exagerado em dizer que eles vão muito além da música e do que eles produzem. Pra entender toda essa causa, efeito e presença, é preciso entender o princípio, as mudanças e a atual discografia da banda e o que eles estavam ouvindo em cada momento dessa linha do tempo criativa. É o que o nosso Disco A Disco pretende.
Conversamos com Steve Von Till (guitarra/vocal) para mergulharmos na história dos discos que a gente tanto gosta e entender suas influências sob a ótica de quem compôs alguns dos álbuns mais adorados do metal moderno.
Sounds Like Us: Olá, Steve! Aqui em casa a gente fala bastante de saúde mental, Freud e psicanálise por conta do trabalho e por fazermos análise há anos. E o nome “Neurosis” sempre soou muito significativo pra gente. Qual o envolvimento de vocês com o assunto? E qual a perspectiva de vocês sobre um mundo cada vez mais decidido a explorar a neurose das pessoas, pensando na relação cada vez mais doentia com o trabalho e com o consumo?
Steve Von Till: Definitivamente não somos psicólogos amadores e não teríamos a pretensão de conhecer muito sobre o assunto. Demos este nome para a banda quando éramos adolescentes. Mas de fato acredito que grande parte da humanidade sofre com alguma doença em suas almas. E isso vem de uma vida desconectada da natureza, de nós mesmos e das pessoas com quem nos relacionamos. Embora existam muitas maravilhas tecnológicas no mundo moderno, de alguma forma o significado mais profundo de muito do nosso trabalho e consumo foi enterrado sob uma enorme quantidade de distração sem sentido.
Sounds: Em Pain of mind, lançado há 30 anos, vocês eram jovens, ligados ao movimento punk. Quais foram os discos que vocês mais ouviram na época em que gravaram esse primeiro registro? Perguntamos isso porque não só na música, mas na perseverança, na busca pela evolução, em ter o próprio selo, tudo mostra que esse ideal ainda é bem vivo na postura de vocês.
Steve: A ética e a perspectiva faça-você-mesmo que absorvemos do zeitgeist dessa época continuam guiando a gente até hoje. Punk rock sempre significou que nós podemos fazer o que queremos e encontrarmos nossa própria e única forma de expressão, além de criarmos nosso próprio mundo. Nós sempre ouvimos todos os tipos de música, sempre procurando a real inspiração daquilo. Desde o início, algumas de nossas inspirações ao longo da vida foram o Black Sabbath, Black Flag, Joy Division, Amebix, Pink Floyd e outras bandas que criaram algo que pareceu sair do nada.
Sounds: The Word as Law é como uma ponte para o que vocês viriam a fazer em Souls at Zero e Enemy of the Sun. Você consegue relembrar quais eram as suas aspirações e para onde o Neurosis queria ir nessa época?
Steve: Nós realmente não pensamos nisso. Nós éramos muito jovens e inexperientes. Sabíamos que ouvimos sons nas nossas cabeças que não tínhamos ideia de como criar. Estávamos tentando nos aprimorar o máximo que podíamos, mas ainda não havíamos achado o nosso som.
Sounds: Uma coisa que sempre nos vem à mente é a relação, mesmo que para muitas pessoas não seja tão óbvia, do Neurosis de Souls at Zero e Enemy of the Sun com o Voivod da fase do Dimension Hatröss. Não só pelos lances tribais, mas também pela liberdade em criar algo instintivo. Você concorda com isso?
Steve: O Voivod e também o Die Kreuzen foram grandes influências para nós por causa da abordagem única e ampliada de suas composições e, especialmente, pela utilização de acordes complexos e harmônicos nas guitarras. Ambos eram muito fora do padrão, embora o Voivod estivesse na cena do metal e o Die Kreuzen estivesse na cena punk/pós-punk. Eles pareciam próximos a nós.
Sounds: Você acha que o Through the Silver Blood é o ponto onde vocês conseguiram definir o que é o som do Neurosis? O que vocês estavam ouvindo nessa época e qual a relação desses discos com a fase criativa em que a banda se encontrava durante a composição das músicas desse álbum?
Steve: Nossa influência não vinha necessariamente tanto do que estávamos ouvindo, mas mais do que estávamos sentindo e experimentando como seres humanos. Estávamos tentando encapsular tudo o que sentíamos, contemplávamos e tropeçávamos em uma sobrecarga sensorial abrangente. Acho que nossa missão foi cumprida naquele momento.
Sounds: Ainda sobre esse disco, nós assistimos vocês no Warsaw, em 2015, e foi incrível ver como “Locust Star” tem a mesma intensidade do efeito catártico provocado por músicas como “Atmosphere”, do Joy Division. Você consegue se lembrar como foi gravar esta música? Ela desperta em você a mesma sensação daquela época?
Steve: Não consigo lembrar exatamente. Todo o disco foi muito difícil de fazer por vários motivos. Eu acho que as músicas mudam ao longo do tempo e também têm períodos de vida. “Locust Star” provavelmente teve um dos mais longos períodos de vida de qualquer música que já tivemos.
Sounds: The Eye of Every Storm é um disco que parece representar uma fase ainda mais densa e melancólica no som de vocês. Você se lembra de algum disco ou banda que você tenha ouvido bastante durante a fase de composição de The Eye of Every Storm e que tenha talvez influenciado o direcionamento desse disco?
Steve: Nós realmente tentamos não permitir que fatores externos influenciem nossa música. Nossa evolução não é uma reação a outras coisas que acontecem na música, mas sim um impulso para um novo território. Claro que tudo o que vemos, ouvimos e sentimos deve nos influenciar de alguma forma; afinal, isso é a vida. Acho que nossa motivação mais forte foi encontrar espaço dentro da música e deixá-la respirar.
Sounds: Pode parecer estranho, mas “Falling Unknow”, de A Sun that Never Sets, é uma música praticamente visual pra gente. Você acha que esse pode ser um disco, digamos, mais cinematográfico? Alguma obra de arte, livro ou filme já teve influência na música de vocês?
Steve: Acho que tudo o que experimentamos como seres humanos, com todos os cinco sentidos, deve influenciar de alguma forma a nossa expressão. Nosso processo não é cerebral. É mais intuitivo e visceral. É menos uma composição e mais como traduzir vozes ao vento ou canalizar alguma energia.
Sounds: Given to the Rising é para nós, um dos melhores discos de vocês. É também um disco que evolui sempre com o passar dos anos. Tem sempre algo a ser descoberto ali. Qual a sua relação com esse disco?
Steve: O mesmo acontece com toda a nossa produção. Estamos orgulhosos de nossas realizações e nos sentimos extremamente sortudos por nos encontrarmos como irmãos e ter encontrado esse som único que trouxe uma vida tão diferente da que teríamos se fosse de outra forma. Given to the Rising foi um registro intenso cujas músicas ainda gosto muito de tocar. Ao mesmo tempo, estamos ansiosos e nos perguntamos qual será o próximo som.
Sounds: Como é olhar para discos recentes que trazem música maravilhosa como “At the Well” e “Reach” e pensar “a gente ainda consegue buscar novos caminhos para a música que acreditamos”?
Steve: É um sentimento imenso de gratidão por poder tocar algo atemporal e de uma inspiração que parece infinita.
Sounds: 30 anos depois, vários discos lançados… Voltando lá para o início do Neurosis, o que você sonhava realizar com a banda e o que você realmente conseguiu realizar?
Steve: Há 30 anos nós provavelmente só queríamos encontrar alguns lugares para fazer alguns shows e gravar um álbum. Bom, isso teve um efeito bola de neve e se transformou em uma busca sônica intensa por algum tipo de Santo Graal que possa salvar nossas mentes e almas.