O Red Sparowes é uma banda especial. Dessas que brincam com as nossas percepções, despertam curiosidades, revelam descobertas. Ela pede calma. Nada nela é urgente ou se revela de imediato. Na verdade, o Red Sparowes acontece em doses homeopáticas de texturas, camadas, sentidos e sentimentos que, aos poucos, vão se conectando.
Transitando entre o pós rock e o peso, o Red Sparowes tem acessos de Mogwai e Pink Floyd, mas também namora com o pós metal do Neurosis em alguns momentos. Internamente, a impressão é que se trata de uma banda que parece uma sala de estar de amigos, onde o tempo é só deles, o que desperta uma valoração da musicalidade da banda.
Eles vão contar um pouco sobre isso, mas resumindo, o Red Sparowes começou quando Cliff Meyer (ex-ISIS/Palms/Blind Spring), Josh Graham (Neurosis/A Storm of Light), Greg Burns (Marriages/Halifax Pier), Jeff Caxide (Isis) e Dana Berkowitz se juntaram em 2003. Um ano depois eles gravaram uma demo que logo levaria a banda a assinar com a Neurot Recordings, gravadora do Neurosis, e a embarcar em uma turnê com bandas como Dillinger Escape Plan. Em 2005 entram em estúdio para gravar o primeiro álbum, At the Soundless Dawn, que já entregava as intenções do Red Sparowes: grandes dinâmicas, ritmos delicados e ambiências cuidadosas.
E se em At the Soundless Dawn eles mostraram tudo isso, com o segundo disco, o incrível Every Red Heart Shines Toward the Red Sun (2006), o Red Sparows agarrou ainda mais todos esses significados. Como todos os discos da banda, Every Red Heart… é também um álbum conceitual. É baseado na campanha das Quatro Pestes, um dos pilares do Grande Salto Chinês idealizado por Mao Tse Tung. A ideia era exterminar ratos, moscas, mosquitos e pardais – estes últimos, em inglês, sparrows. O nome das músicas conta um pouco dessa história que, em detalhes, a gente vai trazer pra vocês em breve.
Ainda em 2006, eles lançaram Oh Lord, God of Vengeance, Show Yourself!, um disco ao vivo lançado para ajudar a banda a repor seus instrumentos, que haviam sido roubados durante uma turnê pela Europa. Em nota, a banda inseriu um texto no encarte do disco em relação ao acontecido. No mesmo ano eles também lançaram um split triplo ao lado do Battle of Mice e do Made Out Of Babies, e um outro ao lado do Grails.
Aphorisms, de 2008, contou com a entrada de Brendan Tobi na guitarra. O EP traz 3 músicas que fizeram a ponte para o último lançamento, The Fear Is Excruciating, But Therein Lies the Answer (2010), este já com Emma Ruth Rundle (Marriages/ Nocturnes) no lugar de Tobi. The Fear is Excruciating… é um disco mais melódico, uma equação mais exata do Red Sparowes, repleto de uma beleza que mora nos detalhes.
Conversamos com Bryant Clifford Meyer, David Clifford e Andy Arahood sobre o início da banda, os discos e outras histórias que fazem do Red Sparowes uma das prediletas da casa.
Sounds Like Us: Oi pessoal, em primeiro lugar, vocês podem contar pra gente como estava a vida de cada um no momento em que começaram o Red Sparowes? Nossa impressão é a de um bando de amigos que gostam de tocar juntos… A gente também tem uma curiosidade: era para ser uma banda instrumental mesmo desde o começo?
Bryant Clifford Meyer: Uau, isso foi há muito tempo. Tínhamos acabado de nos mudar para Los Angeles e ficamos amigos do Josh Graham (Neurosis), que morava perto da gente. Jeff Caxide (ISIS) também morava em LA e sabia que Greg Burns estava em Connecticut. Jeff e eu tivemos um tempo livre e então decidimos fazer algumas coisas. Não me lembro exatamente como Dana Berkowitz entrou, mas a conhecíamos de Boston e ela se mudou com a gente. Ela estava morando com Mike Gallagher (guitarrista do Isis) na época, então funcionou muito bem. Foi certamente uma reunião de amigos como vocês disseram. Fizemos alguns shows e gravamos a primeira demo com esse line-up, o que foi muito divertido. Na verdade tentamos adicionar alguns vocais durante os shows, mas percebemos rapidamente que essa não era uma ideia muito audível.
Andy Arahood: Antes do Red Sparowes, eu morava em São Francisco, trabalhava em uma concessionária da Jaguar como mecânico, saía, tocava um pouco e geralmente me divertia bastante. Toquei um pouco com o Greg e sempre me perguntava como seria viver em Los Angeles. Acabei me mudando para lá. O Greg já estava lá, então nos reconectamos e começamos a sair. Conheci o resto do pessoal e nos víamos em shows que rolavam na cidade. O Red Sparowes já havia começado e tinha gravado o primeiro álbum, mas ainda não tinha feito turnê. Quando Dana e Jeff saíram, David Clifford e eu entramos. Parecia um ajuste muito natural e foi divertido desde o início. Eu já conhecia o Greg e o David da faculdade e aí foi fácil e funcionou bem.
David Clifford: Eu trabalho com representação de artistas no grupo Us/Them e naquela época eu estava cuidando da assessoria de imprensa da Neurot Recordings, que estava lançando o primeiro álbum do Red Sparowes. Por causa da minha amizade com os caras do Neurosis, conheci Josh Graham. Eu tinha me mudado para Los Angeles alguns meses antes do lançamento do álbum e, coincidentemente, cerca de um mês depois de eu chegar por lá, a baterista original, Dana, disse que estava se mudando de volta para Nova York. Eles me pediram para fazer umas jams e, depois de tocar algumas vezes, parecia que tudo se encaixava.
Sounds: Cliff, como guitarrista, você acha que o Red Sparowes te deu mais liberdade para experimentar ambientes e melodias que não caberiam no ISIS, por exemplo? Você acha que o Red Sparowes teve alguma influência na fase mais melódica de ISIS, ali da fase do Absence of Truth (ouça aqui) ?
Cliff: Um pouco, talvez, devido ao fato de que a instrumentação era diferente… mas era uma outra banda. Claro que o fato de não ter ninguém cantando me deu espaço para tentar preencher com partes melódicas interessantes. Eu não diria que houve muita influência, porque as abordagens eram bem diferentes e acho que o material mais estruturado do ISIS realmente floresceu com Oceanic. Havia sinais disso em Celestial, mas, para nós, Oceanic era onde achávamos que podíamos incorporar essas ideias de uma maneira que fazia muito mais sentido.
Sounds: Andy, você tocou no Angel Hair, uma banda com muitas características da sonoridade alternativa dos anos 90 (a propósito, nós amamos esse tipo de som). Quais caminhos te levaram de uma banda como o Angel Hair para o Red Sparowes? Existe alguma conexão entre esses dois universos? Existe alguma coisa no Red Sparowes que você trouxe de Angel Hair?
Andy: O Red Sparowes me atraía porque eu realmente gosto de criar minhas partes e ideias com outras pessoas. O Angel Hair era semelhante. Lá eu e o Josh Hughes gastamos muito tempo e trabalhamos duro para fazer as partes da guitarra serem perfeitas, e acho que conseguimos. Foi muito gratificante. Diria o mesmo sobre o Red Sparowes. Ainda amo punk e hardcore, amo a intensidade de tudo isso, e o Red Sparowes tem a mesma intensidade e atitude, com certeza.
*Ouça o Angel Hair, banda de Andy Arahood, no vídeo abaixo.
Sounds: Podemos dizer que, principalmente em At the Soundless Dawn, há uma influência da música clássica na maneira como vocês estruturam suas composições?
Cliff: Certamente não é de propósito, pelo menos não que eu me lembre. Mas entre cinco pessoas, todos os tipos de influências podem aparecer aqui e ali.
“Andy tinha uma abordagem muito mais rock/punk na guitarra, e David trouxe seu estilo para a bateria, que é muito grande. Mas realmente o primeiro disco (At the Soundless Dawn) nunca teria funcionado com esse line-up, e vice-versa. Mas estávamos tentando fazer algo que não era apenas uma versão reformulada do primeiro álbum, e acho que pelo menos conseguimos fazer isso” – Cliff, sobre o segundo disco do Red Sparowes
Sounds: A gente também tem a impressão de ter um pouco de Pink Floyd. O que mais você diria que influenciou o som do Red Sparowes
Andy: Amo Pink Floyd e a maioria de nós na banda também. Na minha opinião, só fomos perceber uma similaridade com eles no The Fear Is Excruciating, but Therein Lies the Answer. Não nos propusemos a soar como eles, mas sim, amamos eles. Outras influências vêm de todo o lugar porque éramos um bando diversificado em termos de bom gosto. Tenho algumas composições inspiradas no Carlos Santana do início de carreira. As pessoas odeiam quando digo isso… Estávamos misturando nossas histórias musicais individuais em algo que acabou sendo muito atual.
Sounds: O segundo disco, Every Red Heart Shines Toward the Red Sun, é um registro lindo e cheio de dinâmicas afiadas. Isso reflete uma mudança musical, mas também podemos dizer que reflete o estado individual de cada um de vocês? Como a banda estava na época que o álbum estava sendo composto, já que houveram algumas mudanças?
Cliff: Exato, o line-up mudou e isso teve o maior impacto. Jeff e Dana se mudaram de volta para o leste e então nós finalmente incluímos David Clifford e Andy Arahood na banda, o que trouxe um som completamente diferente. Andy tinha uma abordagem muito mais rock/punk na guitarra, e David trouxe seu estilo para a bateria, que é muito grande. Mas realmente o primeiro disco (At the Soundless Dawn…) nunca teria funcionado com esse line-up, e vice-versa. Mas estávamos tentando fazer algo que não era apenas uma versão reformulada do primeiro álbum, e acho que pelo menos conseguimos fazer isso.
Andy: O relacionamento era muito bom. Estávamos empolgados com o que estávamos fazendo e foi uma verdadeira aventura. A música era desafiadora e muito gratificante de se fazer. Passamos muito tempo tocando, o que foi divertido para mim. Estávamos pegando ideias de todo lugar e parecia que tudo poderia funcionar. Nossos papéis na banda funcionaram e foi muito divertido.
“O conceito de contar histórias tem sido um ideia em todos os álbuns do Red Sparowes. Em cada um deles os títulos das músicas se combinam para expressar o conceito completo do disco…” – David sobre os longos nomes das músicas do Red Sparowes
Sounds: Existe uma história por trás dos nomes das músicas, certo? Sendo uma banda instrumental, os nomes criam uma narrativa para as faixas. Conta pra gente como é o processo de criação de vocês em relação a isso?
Cliff: Definitivamente isso é de propósito. Foi algo para adicionar algum tipo de imagem ou tema que daria às músicas, e para o álbum, algo a mais para se pensar do que apenas um monte de guitarras com delay. Josh e David criaram a maioria dos nomes.
Sounds: Ainda sobre os conceitos por trás de cada disco, Every Red Heart Shines Toward The Red Sun, como foi a ideia de basear o disco na história do grande salto Chinês?
David: Josh Graham, nosso antigo guitarrista, foi quem descobriu a história da Grande Campanha dos Pardais na China (Great Sparrow Campaign). Ele sugeriu isso a todos e, naturalmente, fez muito sentido enquanto uma metáfora para a presunção humana, a falta de consciência de como nossas ações podem impactar eventos aparentemente díspares, e os perigos da mentalidade de rebanho. O fato de que a história realmente envolve pardais foi apenas uma incrível coincidência.
Andy: Foram músicas divertidas de fazer e de tocar. Em Every Red Heart… houve espaço para ser eu mesmo.
Sounds: Como vocês decidem os temas abordados nos discos ?
David: O conceito de contar histórias tem sido um ideia em todos os álbuns do Red Sparowes. Em cada um deles os títulos das músicas se combinam para expressar o conceito completo do álbum. A história completa do The Fear Is Excruciating está impressa no encarte do LP e do CD. A parte infeliz do streaming é que a maioria das pessoas que não têm uma cópia física não consegue ver a criação completa pensada para o álbum.
Sounds: Conta um pouco pra gente sobre o conceito por trás do último disco de vocês, o The Fear Is Excruciating, But Therein Lies the Answer?
David: Simplificando, o conceito do álbum tem a ver com a natureza humana e as formas de ela sabotar todos nós. Nossos cérebros são programados para encontrar rapidamente pontos de conexão entre causa e efeito, e usá-los para assumir o que acontecerá a seguir. É um afloramento que permitiu que nossos ancestrais ouvissem um ruído, avistassem um animal e antecipassem se ele fugiria ou atacaria. E, enquanto todos nós, seres humanos, somos coletivamente as obras em andamento de um processo constante de evolução, ao longo do caminho, surgem inúmeras “ideias erradas” que inviabilizam o progresso em favor de ideias mais fáceis e reconfortantes. Ele antecipadamente previu a vinda de “notícias falsas” e “fatos alternativos” – e as maneiras terríveis que as pessoas hoje se agarram a qualquer versão da realidade que se adapte ao seu gosto e ignoram quando confrontadas com as sombrias realidades da superpopulação e mudança climática.
O álbum procura explorar a verdade complicada e frustrante que mais tememos: que a chance aleatória tenha um impacto maior nos resultados de todas as coisas do que nossa crença na causalidade. O medo do desconhecido é excruciante, mas aí está a resposta.
Sounds: “Giving Birth to Imagined Saviors” é uma das nossas músicas favoritas de The Fear… Você acha que a ensolarada Los Angeles teve alguma influência sobre a gravação deste álbum? Parece mais quente, um calor etéreo.
David: É difícil de dizer. Todos os álbuns do Red Sparowes foram escritos em Los Angeles. Então, na medida em que a cidade pode afetar a escrita de um álbum, ela teria que fazê-la em todos eles. Certamente o ambiente pode influenciar a arte que ela cria, por isso pode ter contribuído um pouco para o som. Mas também, talvez mais notavelmente, foi nosso primeiro álbum com Emma Ruth Rundle na banda. Suas contribuições para as músicas foram enormes. Eu acho que seu estilo influenciado pelo folk talvez lhe dê uma sensação mais calorosa (embora eu não necessariamente concorde; ao invés disso eu diria que é porque que nós nos esforçamos para evitar crescendos em favor de idéias mais melódicas. “Giving Birth to Imagined Saviors”, para mim, soa muito grandiosa, não necessariamente calorosa ou alegre. Foi realmente uma das primeiras faixas que todos nós escrevemos junto com a nova formação, e Emma contribuiu com aquele grande gancho melódico no riff principal.
Sounds: Você se sente realizado com o Red Sparowes? Algum dia você imaginou que sua música alcançaria países distantes como o Brasil, por exemplo? Isso te surpreende?
Cliff: Não sei se você chega a ficar totalmente “realizado” ao fazer qualquer tipo de coisa criativa. Isso meio que mataria a ambição, mas nós nos demos bem, fizemos alguns bons discos. E com certeza, toda vez que as pessoas de países distantes, ou até mesmo seus amigos próximos, apreciarem sua música ou arte, ou o que quer que seja, é sempre ótimo.
Sounds: Qual é o primeiro sentimento que vem à sua mente quando você pensa no Red Sparowes? Pessoal e musicalmente falando, o que de bom a banda trouxe para a sua vida?
David: Isso é difícil de responder. A banda trouxe uma grande variedade de coisas para minha vida. Me permitiu fazer o que eu amo: escrever, tocar e me apresentar para um público. Já estive em muitos lugares que eu nunca pensei que seria capaz de ir, como tocar em Moscou e ficar em um hotel histórico da era soviética. Ou, tocando ao vivo na frente de 10.000 pessoas. Tive ótimos momentos com todos na banda. Turnês podem ser muito difíceis quando você tem que passar muito tempo tedioso abarrotado em uma van, avião, quartos de hotel. Me surpreendo com o fato de que todos nós conseguimos nos dar bem (na maior parte do tempo). Também melhorei como músico ao ser desafiado a aprender coisas novas como baterista. Nunca pretendi ser um músico técnico, eu era e ainda me considero um guitarrista primeiramente. Comecei a tocar bateria apenas pelo lance físico que ela tem, e queria apenas bater o mais forte que pudesse. Mas o Red Sparowes me forçou a desenvolver minhas habilidades de maneiras muito mais focadas.
Andy: Eu sou muito orgulhoso do que fizemos. Tenho orgulho de ter participado e de ter feito parte disso. Quatro de nós recentemente nos reunimos (Cliff estava ocupado) e tocamos em uma festa, foi ótimo ter a sensação do Red Sparowes novamente. Musicalmente aprendi muito. A musicalidade do Greg ainda está fresca e realmente é impressionante para mim. Eu tenho confiança no meu papel na banda e no meu jeito de tocar, mas ainda quero estar em pé e tentar impressionar os outros. Fizemos isso um com o outro. Bons tempos…
Sounds: Em razão do hiato em que o Red Sparowes entrou, você sente falta de tocar com a banda? Existe a chance de uma reunião? Como está o Red Sparowes hoje?
David: Na verdade, estamos trabalhando em novas músicas no momento. No ano passado nos reunimos para escrever e mostrar ideias com a maior frequência possível. Como muitos de nós moramos em cidades diferentes e temos outras coisas acontecendo na vida (famílias, empresas e outras bandas), nem sempre é fácil ter tempo para trabalhar em novas músicas, mas fizemos muito progresso em direção a uma quantidade de novas composições. O objetivo não é apressar e apenas montar o melhor material que pudermos. Então é muito provável que um novo álbum do Red Sparowes seja lançado em um futuro não muito distante.
Sinto falta de tocar com a banda, e de vez em quando sinto falta das turnês. Enquanto a turnê é sempre estressante, especialmente porque eu tenho que tentar fazer meu trabalho de dia enquanto viajo, tem sido incrível viajar para tantos lugares que eu provavelmente nunca vi na minha vida. E tocar ao vivo na frente de uma platéia de fãs é uma sensação inacreditável. Não sei o quanto nós poderemos fazer turnê no futuro, mas certamente espero que possamos voltar para o público o mais rápido possível. Isso, para mim, é a parte mais agradável.