ACruz Sesper Trio Lançamento exclusivo: vídeo 'ACC 230318'

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Fotos: Simony Sotelo

A história de Alexandre Cruz Sesper, o Farofa, se mistura com a das artes visuais, plásticas e musicais. Sesper sempre se manteve criando. Em exposições, fanzines, revistas, colagens, instalações e com suas bandas, desde os tempos de Safari Hamburguers, e atualmente com o Garage Fuzz, The Pessimists, ACruz Sesper Trio e ACruz Sesper Tascan, a inquietude sempre pareceu ser uma constante razão, e a liberdade criativa, o destino.

Sesper carrega o que a gente também acredita: a arte como protagonismo. Feita com o cuidado que ela pede, no tempo que ela precisa e recebendo um tratamento singular porque cada criação é realmente algo único.

Seu mais novo lançamento é um lindo vídeo e registro em áudio intitulados ACC230318. O show, realizado na Associação Cultural Cecília, foi captado em 8 canais e está sendo lançado pelo selo Submarine Records. O set list conta com músicas do EP Samuel (2016), do álbum Not Count For Spit (2016), do EP No Song As a Trio (2017) e algumas músicas que ainda não tinham ganhado registros oficiais em estúdio, mas já vinham sendo executadas ao vivo.

Para que esse lançamento ganhasse a importância que ele merece, conversamos com ele pra saber um pouco mais sobre as razões e a produção de ACC230318. Somado a isso, ele também disponibilizou umas fotos do dia do show que ilustram nossa entrevista.

Sounds Like Us: Conta pra gente como foi a ideia de lançar esse vídeo?
Alexandre Sesper:
O motivo inicial era porque iríamos parar por alguns meses com o formato trio e percebemos, depois de um ano e meio tocando, que não tínhamos nenhuma filmagem ao vivo fora as que alguns amigos gravavam com celular, e que tinham no máximo 1 minuto de duração.

Sounds: Todo trabalho tá bem bonito, com uma coloração cuidadosa, captação legal… Como surgiu, e de quem foi a ideia de fazer esse vídeo?
Sesper: 
O Fernando Denti deve viajar por uns meses e vamos dar uma parada nos shows do trio. Ao mesmo tempo temos um disco gravado que sai no segundo semestre. O show foi uma ideia colaborativa e com o intuito de registrar uma fase que sabemos que, quando voltarmos a tocar daqui a alguns meses, será outra pegada. Então conversamos com o Fred (Submarine Records) e explicamos o que estava rolando e ele marcou a data na Associação Santa Cecília, que foi onde fizemos nosso primeiro show como trio. Chamamos o Pedro Silva, que fez nosso primeiro som lá, para captar o áudio e fazer a mesa. O Shinji e o Chico fizeram todo o vídeo. Os dois presenciaram todo o começo do solo quando estavam filmando, no final de 2015, a produção de arte no meu atelier para o documentário que eles estão produzindo sobre uma série de artistas da nossa geração. Eu estava pensando só em um registro meio “festa de aniversário” e os caras deram uma puta trampo. Nem imaginávamos este resultado final.

Sounds: Você tem um trabalho muito forte e de longa data na música e com as artes plásticas e visuais. Mesmo sendo uma captação de um show, o vídeo tem inserções de arte e transmite uma linguagem. Como foi pra você ver esse produto final tão bem cuidado? Você já tinha lançado algo parecido antes?
Sesper: 
Eu me coloco no lugar de quem está produzindo. Não fico dando palpites ou tentando dirigir. Converso sobre o que eu curto, mas nesse vídeo nunca pedi pra filmar de alguma forma ou para mudar algo, assim como no áudio. Acho que vale agregar a visão de outras pessoas no trabalho também. Todas as ideias do vídeo vieram do Shinji e do Chico. Eles perguntaram se poderiam fazer umas paradas com as ilustrações das escadas que fazem parte do disco e do conceito do solo. Foi tudo mérito deles. No projeto eu faço a maioria dos vídeos, mas fica limitado ao meu conceito, equipamento e know how. Com o Garage Fuzz fizemos 2 DVDs e eu sei muito bem o trampo de doido que o Fabrício teve correndo atrás e agilizando tudo, então eu agradeço muito em poder contar com pessoas criativas assim, dispostas a fazer isso com inspiração.

Not Count For Spit. Foto: Sounds Like Us

Sounds: Em meio ao seu projeto solo com a Tascam, o Garage Fuzz e o The Pessimists, como você enxerga o som que você faz com o ACruz Sesper Trio?
Sesper: 
A base do projeto é o disco Not Count For Spit, que escrevi e gravei sozinho em 2015 e lançado em 2016, pelos selos Rolo Seco Discos e Submarine Records. É um disco de uma época que eu estava bem introspectivo e a ideia inicial era uma releitura das músicas na versão trio. Duas delas não entraram no set e acabei fazendo mais 5 novas, que gravamos no disco que vai sair semestre que vem. A estrutura das bases, melodias e letras são minhas, mas o Denti e o Giuliano, com interpretações e estilos distintos, ajudaram muito neste processo. Algumas músicas no disco não tinham uma batida ou bateria definida. O Giuliano teve que criar o estilo e ritmo dele. O Denti fez as linhas de baixo, no estilo de escalas, que ele curtiu e também adicionou pedais de guitarra ao baixo, dando uma sonoridade diferente.

Sounds: O Sesper pessoa física tem suas influências, certo? Entre todos os seus projetos, você acha que elas acabam se misturando ou você tenta separá-las para cada uma das suas bandas? Por exemplo, o The Pessimists é mais garage/pós-punk. O Garage Fuzz mais hardcore… E o ACruz Sesper Trio?
Sesper: 
Comecei a tocar guitarra no final de 1990. Nunca fui um cara técnico, muito pelo contrário. Muitas músicas do trio lembram coisas que escrevi no início do Garage Fuzz, em 1991/1992, e muitas delas foram feitas e adaptadas dos projetos lo-fi que fiz durante os anos 90. Eu acho que cada formato se separa naturalmente. O lance do solo com a Tascam acaba indo para um lance mais anos 80 pelo conceito e equipamento utilizado. O Trio tem uma pegada mais anos 90, que foi formado para dar suporte ao disco solo. O Pessimists tem essa leitura post pop punk atual. Começou como projeto e nem imaginávamos que íamos fazer shows um dia. No Garage Fuzz são 27 anos tocando com 4 caras altamente técnicos e dedicados e acho que encontramos nosso estilo e segmento há duas décadas. Então, de certa forma, cada coisa tem a sua função. Agora que o Denti vai ficar fora, optamos por não colocar um baixista no trio por um tempo. Vai virar um duo, com o Giuliano tocando bateria e eu no baixo e fazendo vocal. Acho que é legal manter esse espírito experimental, pelo menos no lance do ACruz Sesper, e sempre ter esse sentimento da ideia inicial, que era não ser uma banda convencional.

Sounds: Você diria que o trio é uma forma de você focar em uma música mais crua, fazer shows menores, mais próximos do público, como esse filmado na Associação Cultural Cecília?
Sesper: 
Os projetos atuais começaram por diversos motivos. Até porque eu estava há quase 10 anos fazendo artes plásticas e trancado em algum espaço criativo que já não era o mesmo do cenário hardcore que o Garage Fuzz atuava durante esse período. Em 2009, quando eu voltei da minha primeira exposição em Los Angeles, muita coisa se desconstruiu na minha cabeça. Eu vi bandas ou músicos que eu curtia tocando para ninguém, no meio do nada, dentro de um quadrado de 2 x 2 metros. Os Estados Unidos estavam “quebrados” durante essa época. Voltei da viagem com um monte de bases gravadas no celular, somente melodias feitas com a boca.

Na época, pedi uma guitarra emprestada para o Fralda e gravei um disco em casa, em quatro dias, durante o carnaval, com meu amigo Sergio, de forma totalmente lo-fi. Assim montamos o duo Vallejo Sunset. Fizemos o primeiro, e um dos poucos shows, na abertura da Galeria Logo, em 2011, em uma exposição coletiva com artistas americanos e brasileiros chamada Fake Sunset. O que eu vi durante esse período, em galerias de arte, e shows nos Estados Unidos e aqui no Brasil, também mudou muito minha visão de como executar projetos audiovisuais. Em 2012 eu estava fazendo o lançamento de um produto em galerias de arte e fizemos o The Good Loop, que era eu, o Fabricio e o Nando do Garage Fuzz. Fizemos um live paint com show em 6 galerias pelo Brasil e conseguimos agilizar o lançamento de um vinil 7” com a marca bancando porque a economia estava ok, e também porque acho que as pessoas do nosso circuito começaram a curtir mais esses formatos.

O ACruz Sesper começou no final de 2015 com o lançamento em julho do 7” pela Rolo Seco Discos. Foram 130 cópias customizadas, uma a uma. No show de lançamento, minha filha Abigail tocou bateria comigo nas duas músicas. Era uma fase que a economia não estava boa e a visão artística em geral já estava ficando mais conservadora. Foi um projeto para esse período de transição. Em 2016 entendi que para fazer esse tipo de lance continuar a rolar de verdade, eu deveria tocar em lugares não convencionais ou em formatos mutantes. Aí o Rolo Seco e a Submarine lançaram o 10 polegadas do Not Count for Spit, na galeria Fita Tape, durante uma exposição que eu estava fazendo lá e que coincide também com a exposição dos quadros feitos no período em que eu gravei aquelas músicas. Todas as cópias do disco vinham com uma arte exclusiva de 10”x 10” original.

Nessa época, a música e a customização dos discos ajudaram o meu psicológico para o fato de não ter uma rotina de produção artística e também a não ter procurado um trabalho convencional. Por três anos a ajuda do Cabu, do Mateus, do Rolo Seco; e do Fred, da Submarine, foi essencial para a parada continuar acontecendo. O plano para vida era esse, né? Produzir arte e música dialogando de forma coerente. Não é um projeto solo de um cara super músico, genial, que as pessoas falam “vamos lá que esse cara apavora, toca muito e tem um milhão de coisas para falar”. A minha história é um processo de persistência. Introspectivo como forma da expressão do “faça você mesmo” e totalmente autodidata! Prestes a completar 45 anos, ou eu fazia isso da vida, ou viraria esses quarentões falando sobre o quão louco era o passado.

Sounds: Esse show também teve uma captação de áudio, né? A ideia é lançar isso em formato físico também, além do online? (ouça aqui)
Sesper: 
Sim. Curtimos o resultado. Ficou muito fiel e a gravação foi feita pelo Pedro Silva, que sempre faz P.A. para o Hurtmold e o Elma. Ele simplificou e agilizou bem o processo de captação e gravação do que era o plano inicial na nossa cabeça. Ele já conhecia nosso som e fez nosso primeiro show como trio naquele mesmo palco. Foi bem simbólico. Como completar um ciclo. Além do digital e do vídeo, vamos produzir 30 cópias em K7.

Sounds: Você ficou feliz com o resultado desse trabalho? Pretende lançar outras coisas em vídeo no futuro?
Sesper: Claro! Na verdade, eu nem esperava isso. Na minha visão, fico feliz em ver o resultado de um trabalho feito com pessoas que se conheceram nos últimos anos através de projetos, bandas, casas, selos ou outras situações coletivas atuais. Na minha vida, ter esses projetos musicais caminhando junto com as artes plásticas é importante para sustentar tudo em que eu sempre acreditei. É até uma forma de continuar aprendendo ou de viver coisas que passaram batido no passado. Para o futuro devemos fazer vídeos para o split LP Tascam x Trio, que sai no próximo semestre.