Deftones Os 20 anos de 'Around the Fur'

In Bandas, Discos
Vinicius Castro

Around the Fur, segundo disco do Deftones, é um encontro que envolve todas as preciosidades que a vivência desse momento consegue refletir. A ansiedade pela espera, a euforia da proximidade, a magia da novidade, a inspiração pelo novo, o querer mais, o deslumbre.

O Deftones, como nós aos 20 e poucos anos, era, ou ainda é, uma banda em erupção. Vivos em um corpo inquieto, em crescimento e que, armados de uma inquieta sede por descobertas, estavam prontos para assassinar seus tão novos e já tão velhos sons, conceitos e certezas. Around the Fur inaugurou a caminhada, tanto nossa como deles, rumo à maturidade.

Foto: Divulgação

Entre diversas referências, e ainda ligados ao conceito do nu metal, o Deftones sempre carregou mais nas emoções. É o tipo de banda que com naturalidade se afasta do lugar comum a favor de transparecer o estado em que se encontra. Na simplicidade quando ela é necessária, no namoro com as melodias oitentistas, nas raízes enérgicas do metal e do hardcore, no toque industrial e até em experimentos indie e, em um recorte mais atual, no shoegaze. Há diferentes ambientes, mas sempre pertencentes ao universo que eles assinam. Nada ali soa como uma cópia. E se existe um lugar de intersecção onde toda essa riqueza se definiu, é em Around the Fur. Foi neste disco que o Deftones amplificou suas nuances dando um contorno nítido ao contraste que apontou para todas as possibilidades que eles trilhariam a partir daquele momento.

Chino Moreno no Studio Litho (Seattle) no intervalo das gravações de Around the Fur. Foto: Rick Kosick

Por sorte, há 20 anos, éramos jovens abertos ao novo e mesmo que nossos corações e mentes procurassem por algo, hoje, a percepção é de que Around the Fur não foi só uma descoberta. Around the Fur foi uma colisão com o que a gente sempre procurou e não sabia que nota, gosto ou força teria. Um entendimento entre preciosas medidas, toques e sutilezas que abraçou emoções que mal sabíamos que poderiam existir, mas entendíamos como nossa.

Em uma entrevista da época, o guitarrista Stephen Carpenter disse que queria que as guitarras do disco soassem como uma mistura de Pantera com Anthrax. Juntando esse desejo ao relacionamento estreito que eles sempre tiveram com nomes como Bad Brains, Suicidal Tendencies, Hum, Depeche Mode, The Cure e Duran Duran, tínhamos a espinha dorsal do som do Deftones. Algo que ficou mais claro nesse segundo disco, já que Adrenaline traz uma equação composta pelo excesso de vontade, muita urgência e fúria.

Stephen Carpenter no Studio Litho. Foto: Rick Kosick

Fato curioso é que, na época da composição de Around the Fur, a banda fez os primeiros ensaios sem o saudoso baixista Chi Chang, que na época estava em San Diego. Em um depoimento à revista Revolver, o guitarrista Stephen Carpenter contou que Chi estava num clima de “eu não preciso dessa merda de rock” e que quase largou tudo para ser professor de inglês.

Tudo em Around The Fur é muito acentuado, a começar pela capa. Mesmo sendo uma das mais icônicas da banda, o vocalista Chino Moreno não curtiu muito na época. Contrariando sua representatividade, ele chegou a falar para a revista inglesa Kerrang que a capa era horrível.

Foto: SOUNDS LIKE US

A foto foi feita por Rick Kosick, que a convite de Chino e Stephen, foi para Seattle acompanhar as gravações do disco no estúdio Litho e fazer alguns cliques do dia a dia dos caras. Ele contou à Revolver a foto, feita de madrugada, foi a única que ele fez da garota que estava em uma festa que a banda fez. Na foto original da contracapa, Frank Delgado também estava na banheira, ao lado da garota, mas a imagem dele foi retirada na aprovação final.

Quando o Deftones lançou o clipe de “Bored”, do primeiro disco, Adrenaline, contos do rock diziam que a menina da capa de Around the Fur era uma das pessoas que aparece no clipe.

Foto: Divulgação

Rodeados pela subjetividade, as especulações sobre o real teor do nome Around the Fur eram diversas. Diziam que tinha uma mensagem sexual ou que era apenas uma menção à sensação de arrepio dos pelos do corpo frente a algo emocional que provocasse tal reação.

Mas, em uma entrevista para um canal de TV holandês, Chino acabou com os achismos e explicou que o nome era um paralelo com o som da banda. Ele disse considerar a música do Deftones como algo feio e abrasivo, mas ao mesmo tempo, belo e reconfortante. O nome seria então uma metáfora da maneira como ele, na época, sentia que as pessoas fossem: bonitas por fora e feias por dentro.

Chino Moreno e Stephen Carpenter no Studio Litho: Foto: Rick Kosick

Existe algo na música que nem o mais sábio dos sábios conseguiu significar: por quê, em alguns casos, em apenas poucos segundos somos tomados por uma certeza homérica de que um determinado disco vai ser um dos melhores de toda sua vida?

Dessa questão, logo ao primeiro toque de caixa, a resposta, mesmo difícil de verbalizar, vem em “My Own Summer”. Aos poucos ela te conduz por uma conversa íntima entre a vagarosidade do riff inicial, a cadência da bateria e uma linda linha de baixo que explode em um refrão literalmente a flor da pele.

Frank Delgado no Studio Litho. Foto: Rick Kosick

Não é exagero dizer que Around the Fur foi um dos discos que mais ouvimos na vida. “Lhabia”, de estrutura tensa e paralisante é, ainda hoje, a nossa preferida e isso já vem durando um bom tempo. Ela tem uma das melodias mais lindas entre os refrãos com a assinatura da banda.

Sob notas dissonantes, “Mascara” é a primeira incursão claramente influenciada pelo indie. Uma bela viagem à década de 90 que teve uma belíssima execução em um show no Bizarre Festival, que a gente costumava assistir em VHS. Já a faixa título é guiada por um groove de bateria inicial que até hoje a gente batuca hora ou outra em algum momento do dia a dia.

Chi Cheng

“Rickets” segue o mesmo tom, mas força uma quebrada de esquadro com andamentos mais quebrados, algo que o Deftones tomou gosto e repetiu mais tarde em “Hexagram”, do disco homônimo e “Rats! Rats! Rats!”, de Saturday Night Wrist.

“Be Quiet and Drive” é linda e costurada por interpretações dúbias. Perfeitamente melancólica desde a primeira estrofe: this town don’t feel mine e uma ode a estafa que segue em tom escapista: I’m fast to get away… far. Talvez, junto com a próxima faixa, é uma ótima representante da gênese que define o álbum.

Foto: Wile-E

“Lotion” traz uma raiva descontroladamente honesta. É explosiva, furiosa. Em uma recente matéria sobre os 20 anos do disco, Chino confirmou o que a gente sentiu desde a primeira vez que ouvimos Around the Fur: é um disco cheio de raiva por que ele se sentia assim, mas é também cheio de lindas melodias melancólicas e sussurros por que ele também se sentia dessa forma.

Em um grande álbum existe sempre uma grande variável na nossa eleição de qual é a melhor música gravada ali e “Dai the Flu” foi durante um bom tempo a nossa predileta. Uma incursão no modo Deftones de trazer a superfície sua referência Depeche Mode. Algo nela remete à maravilhosa “Never Let Me Down Again”. Linda música. Depois dela, “Head Up” é a faixa que ajudou a batizar o Soulfly, a então nova banda de Max Cavalera, recém saído do Sepultura (o refrão diz Soulfly…Fly high). Depois disso, Chino gravou com Max no primeiro e segundo disco do Soulfly. “First Commandment” e “Pain”, respectivamente.

Deftones e Max Cavalera. Foto: Gloria Cavalera

“MX”, que traz os vocais da ex-esposa do baterista Abe Cunningham, é a faixa que encerra o disco. Pelo menos da maneira convencional, por que lá pelos 32:36, uma faixa escondida, “Damone”, vem saciar o gostinho de quero mais que havia ficado depois do final com “MX”.

Para a Revolver, Chino disse recentemente que estava mais raivoso do que jamais havia estado, mas provavelmente, também estava mais feliz do que nunca. E ele reforça, dizendo que isso foi bom porque ele não queria mais ser aquele cara. Para ele, o que havia para ser dito, foi dito. Exorcizado.

Há o registro, a vivência, a perda, o luto e a reformulação daquilo que hoje é passado. Nisso, Around the Fur deixou de ser uma condição, passou a ser uma história. Chino, e o Deftones, seguiram em frente. E a gente, segue junto.

Foto: Mark Leialoha