Por diversas e diversas vezes, Ignorance is Bliss, do Face to Face, foi o disco de que precisávamos. Em momentos felizes, tristes, de comemoração, ou o simples fato de um dia como outro qualquer precisar de melodia. Ali estava o disco de que precisávamos.
Em 2019, Igonorance is Bliss completa 20 anos, e durante essas duas décadas em que estivemos juntos, promovemos centenas de conjecturas sobre o processo de criação daquelas músicas, de como a banda estava se sentindo naquele momento, o que aconteceu de bom e de ruim durante as gravações, como os músicos se sentiram ao ouvir o resultado final, e o porque de este ser um disco tão incompreendido. A gente queria saber dos detalhes.
Conversamos então com Trever Keith, vocalista, guitarrista e responsável por grande parte criativa do Face to Face, para saber mais sobre o Ignorance is Bliss, considerado um caso à parte na carreira da banda.
Para o público mais hardcore, é um álbum quase ignorado, um desvio no DNA da banda. Para nós, é um registro corajoso, honesto, inundado por ótimas músicas. Depois dessa entrevista, ampliou ainda mais seus significados e seguirá por mais 20, 30, 40 anos nos emocionando a cada ouvida.
Sounds Like Us: Em 2019, Ignorance is Bliss comemora 20 anos. O que você sente ao olhar pra ele hoje em dia?
Trever Keith: Eu me sinto orgulhoso deste disco. Ele foi meio que um experimento e acho que captura nossos sentimentos e emoções daquele tempo. Não há nenhum outro disco como ele na nossa discografia.
Sounds: Voltando um pouco para 1998 e 1999, você se lembra de como estava sua vida durante a composição desse álbum?
Trever: A gente estava frustrado por nosso status de banda “skate punk”. Queríamos mostrar para o mundo que nós tínhamos mais para oferecer. A gente se sentia como se tivesse algo para provar.
Sounds: Como foi o processo de composição das músicas de Ignorance is Bliss?
Trever: Nós realmente trabalhamos muito duro nesse disco. Encaramos a composição e a pré-produção como um trabalho. Durante meses, trabalhamos juntos de oito a dez horas por dia, cinco dias por semana. Ao final, cada um de nós tinha pelo menos uma composição, o que era raro para nós, porque normalmente eram Scott Shiflett (baixo) e eu que escrevíamos tudo
Sounds: Consegue se lembrar das bandas que você estava escutando na época de composição desse disco? Coisas que você acha que influenciaram o Face to Face naquela fase.
Trever: Radiohead, The Catherine Wheel, Blur, The Smiths, The Cure, Psychedelic Furs…
Sounds: Escrever esse disco foi doloroso pra você? Perguntamos isso porque as músicas de Ignorance is Bliss nos parecem bem confessionais, emocionais…
Trever: Doloroso não, mas catártico. Era como uma terapia. Ao final, ficamos todos muito satisfeitos com as músicas e com a produção do disco. Nos colocamos em um enorme desafio, e acho que sentimos como se tivéssemos alcançado nossos objetivos.
Sounds: Como você sente a relação dos fãs com esse disco ao redor do mundo? Você acha que ele é um disco subestimado?
Trever: Quando lançamos, ele certamente não foi um disco bem recebido, mas acabou se tornando um dos favoritos de muitos dos nossos fãs ao redor do mundo.
Sounds: Como vocalista, você nos parece confortável em cantar aquelas músicas. Foi diferente pra você em relação aos discos anteriores
Trever: Eu escrevo todas as letras da banda, então estou sempre confortável em cantá-las. O desafio foi me esforçar para expandir além do estilo vocal punk rock e encontrar um estilo de cantar que se encaixasse na música. No começo foi um desafio, mas uma vez que encontrei minha voz, foi bem natural.
Sounds: Ainda sobre os shows, recentemente vocês inseriram algumas músicas desse disco em uns sets acústico. Como foi retomar essas músicas? Ficou feliz em tocá-las ao vivo?
Trever: É muito legal. Aquelas são algumas de minhas músicas favoritas do Face to Face, e eu amo tocá-las ao vivo.
Sounds: Pensando nisso, por que, com excessão do formato acústico, vocês nunca tocaram as músicas desse disco nos shows?
Trever: É um tom emocional diferente.
Sounds: Ignorance is Bliss tem ótimas letras como a de “Heart of Hearts”, onde você canta And I’m feeling so indiferente. I might be in danger of myself. De onde vieram suas inspirações para escrever as letras do disco?
Trever: Eu realmente não sei de onde vem minha inspiração. Simplesmente acontece. Eu de fato me relacionei com o tema por trás de “Heart of Hearts” porque ela é um questionamento filosófico, em uma perspectiva mental e de motivação. É uma pergunta assustadora para fazer a si mesmo.
Sounds: “Prodigal” é uma música forte, crescente e com um final épico. Você acha que ela tem alguma relação com o emo dos anos 90?
Trever: Nada deste álbum tem algo a ver com o emo enquanto estilo. Mas na época em que estávamos fazendo Ignorance is Bliss, o emo estava começando a se tornar algo de que as pessoas estavam falando. Acho que nos sentimos encorajados pelo movimento emo a seguir nosso desejo de fazer a música que estava em nossos corações e mentes. Mas nada nele soa como um disco emo.
Sounds: Ainda sobre a linda “Prodigal”, nela você canta: If you don’t know what you’re looking for. What will you find? O que estava procurando com Ignorance is Bliss?
Trever: Não tenho certeza se sabíamos (o que estávamos procurando)… hahaha! E a letra continua dizendo “something you don’t like?” (algo de que você não gosta?). Mas não encontramos nada de que não gostássemos no disco.
Sounds: Você acha que, quando foi lançado, Ignorance is Bliss estava mais para o rock alternativo de bandas como Seaweed do que para propriamente para o hardcore? Você concorda com isso?
Trever: Eu nunca escutei o Seaweed de fato. Mas certamente Ignorance is Bliss é mais um disco de rock alternativo do que de hardcore. Sem dúvidas.
Sounds: Sabe quando você cria alguns clipes na cabeça enquanto escuta uma música que gosta muito? Com “(A) Pathetic” sempre aconteceu isso e ela nos traz alguns andamentos nos lembram bandas como Deftones, por exemplo. Do que se trata essa faixa?
Trever: É bem similar ao tema da “Heart of Hearts”. A música tem um questionamento pessoal, motivacional e de fortalecimento mental. Mas diferentemente da abordagem mais suave de “Heart of Hearts”, “(A) Pathetic” é mais crítica sobre uma falta de motivação e propósitos.
Sounds: O que você aprendeu com Ignorance is Bliss?Você consegue ver alguns aspectos dele na música que você faz com o Face to Face hoje em dia?
Trever: Sem dúvida. Eu acho que, uma vez que fizemos Ignorance is Bliss, não tinha como voltar atrás porque este foi um disco de crescimento pessoal e de composição pra gente. Acho que muitas técnicas de composição e de produção seguiram conosco como parte do processo.
Sounds: Tem algo no disco que você mudaria?
Trever: Sendo honesto comigo mesmo, acho que eu poderia ter me esforçado mais para tentar editar algumas faixas. O disco ficou muito longo por uma ou duas faixas.