Vinicius Castro
Entre tantas bandas que seguem apostando pesado na música barulhenta, nas camadas e arranhar das guitarras do bom e belo shoegaze, na poesia combativa do rap e na urgência do punk/ hardcore, o ano de 2016 rendeu, entre os bons lançamentos, discos que nos conquistaram logo de início. Dentre eles, “We Only Make One Sound”, primeiro single do disco de estreia do JR Slayer.
Tá, mas quem, ou o que, é tal JR Slayer? Cody Votolato é o responsável pela produção, composição e criação do JR Slayer, codinome adotado que adotou para esse novo projeto e também, segundo ele, por não se sentir muito confortável em lançar um disco usando o seu próprio nome.
Cody não é nenhum estreante e seu background já é bem conhecido pelos adoradores da música alternativa mais, digamos, barulhenta. Ele já passou pelo saudoso e incrível Blood Brothers, Jaguar Love e hoje em dia toca no não menos ruidoso Head Wound City.
Voltando àquele fim de 2016 cheio de incertezas e caos econômico, alguns sites já tinham soltado seus vereditos sobre os melhores álbuns daquele mesmo ano e da forma cortês com que o single “We Only Make One Sound” havia se instalado em nosso gosto, o disco que ainda estava por vir tinha grandes chances de estar entre os nossos preferidos, mas ele só seria lançado em 2017, então, nada de entrar na lista.
“We Only Make One Sound” foi um respiro eletro minimalista necessário naquele momento. Soava como se o New Order estivesse num dia triste sentado em algum bar tomando um drink qualquer ao lado do Postal Service. Os dois em silêncio, sem assunto algum, mas se entendendo perfeitamente. É classudo, um tanto melancólico e cativante.
E então ouvimos, ouvimos e ouvimos esse primeiro single até que em fevereiro de 2017, a chegada do disco Time Out Crystal Heart deixou a gente em stand by. Seria esse mais um caso de um single encantador enquanto o resto álbum não passa de um amontoado de músicas de apoio? Felizmente não. Time Out Crystal Heart é um baita disco.
Como um todo, as músicas do álbum se posicionam confortavelmente entre a discoteca cristalina e o pós punk anuviado em synths e beats com fortes referências dos anos 80. É um registo perfeito pra você ouvir num bar a meia luz, dançar sozinho em casa ou receber os amigo(a)s para boas conversas que entram noite adentro.
“The Poems Aren’t Enough” é quem faz a recepção sob um beat mais delicado e um clima etéreo para que a já citada “We Only Make One Sound” entre dando dicas de que Cody deve ter ouvido muito Pet Shop Boys e Depeche Mode na sua adolescência e soube trazer isso para o presente sem que essa mistura soasse como uma cópia rasa de suas referências. O que Cody faz é mais delicado, menos danceteria lotada. A dança aqui é solitária.
“Tied and Bound” é mais intensa e se sustenta por meio de um beat mais seco carregado de melodias dinâmicas. “Arranged Thought” é também uma das mais legais do disco. Eletro objetivo que encapa um dos momentos mais dançantes impulsionado por uma linha de baixo que nos remete ao grande Peter Hook.
Mas é em “Walking Ways” que aqueles passos sincronizados que você exibia nas danceterias no início dos anos 90 vão vir à tona. “Walking Ways” também parece ter saído de algum filme do Eddie Murphy ou do seriado Anjos da Lei. Ela, junto com “Arranged Thought” e “We Only Make One Sound”, respondem pela trinca das melhores músicas do disco.
A viagem no tempo acelera e “Crooked Crown” traz os anos 2000 de volta com algumas referências que parecem ter saído de alguma banda do cast do Loolapalloza, o que não é necessariamente algo elogioso. “La Beaute’ (Song for Coleman)” é uma música instrumental que, entre caminhos mais lineares, faz a ligação com a faixa título que por várias vezes ameaça explodir, o que não acontece de fato.
O lamento de “Sad Spectre” e a acústica “Every Wretched Face” são as encarregadas de encerrarem o disco sem a mesma força com que ele começa, mesmo porque, nessas duas a impressão é realmente de um adeus ardoroso ao sair de cena. You’re all I see é parte do que Cody canta em tom confessional em “Every Wretched Face” sobre econômicas batidas em um violão com cordas de aço.
Time Out Crystal Heart não é um disco que veio salvar o rock nem reinventar o eletro pop ou o pós punk. Parece mais ser a necessidade de um artista que precisava libertar um lado específico da sua criatividade em beats saudosos disfarçados de momentos dançantes. É um disco solo, que só poderia ser criado, registrado e concebido dessa forma. Um disco que só faz sentido solo.