Em sua resenha sobre os 20 anos de Road to Ruin, quarto disco dos Ramones, Legs McNeil, co-autor do livro “Please Kill Me: The Uncensored Oral History of Punk”, co-fundador e escritor da Punk Magazine, encerra o texto da seguinte forma: “Os Ramones serão para sempre lembrados como a banda que redefiniu a maneira de se fazer novamente um rock’n roll divertido, durante um dos seus momentos mais sombrios da carreira”.
De fato, um dos nossos discos prediletos dos Ramones, que em 2018 completa 40 anos, foi um álbum concebido em um período complicado. Quando foi lançado a gente ainda engatinhava, então não tem como compartilhar nessas linhas as sensações exatas do período em que o disco foi lançado, mas podemos falar sobre um amor que aconteceu de imediato, e que evoluiu ainda mais com o passar dos anos.
Por sua objetividade, a música dos Ramones é algo que emociona os adultos, cativa as crianças e entrega a energia do imediatismo aos adolescentes que não têm tempo a perder, muito menos a ponderar. Tudo é pra ontem. E os Ramones são realmente uma banda que não pondera. É one, two, three, four e então eles explodem. Três ou quatro acordes, batidas lineares e melodias que geralmente não precisam de muito mais do que aproximadamente dois ou três minutos para fazer com que a gente se entregue a cantar um universo outsider que eles transformaram em um estilo de vida.
“Surfin Bird”, “Sheena Is a Punk Rocker” e “Teenage Lobotomy” entortaram nossas cabeças e corações ainda jovens. Rocket to Russia era o campeão nas trocas de fita. Circulava de mão em mão deixando uma marca em vidas que nunca mais seriam as mesmas.
Junto a ele, discos do Dead Kennedys, Devo e Talking Heads também tiveram esse papel. Eram tocados nos rolês de skate e nas festinhas regadas a refrigerantes, doces e salgados. Na verdade, comer não era muito o propósito. Legal mesmo era esperar o A-well-a everybody’s heard about the Bird… e Pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa-ooma-mow-mow / Papa-ooma-mow-mow. “Surfin Bird” era o comando pra gente levantar, esquecer a Fanta Uva num canto qualquer e dançar chutando o ar como fôssemos rebeldes perigosos no alto dos nossos 12 ou 15 anos.
Nos identificávamos com os Ramones. Era a banda que ia contra o que o rock da época nos empurrava. Solos de dois minutos, teclados viajantes, letras sobre bebidas, carros e strip clubs? Sem chance. Era Hey ho, let’s go…. Hey ho, let’s go!
Com os Ramones o rock ganhou um representante das ruas, algo semelhante a quebra que o thrash metal deu no escapista hard rock oitentista. Jeans, jaqueta e camiseta. Nomes, sobrenomes e vestes de gangues perigosas vindas dos becos do Queens, em Nova Iorque, que no nosso imaginário, era um lugar escuro, sujo, com aqueles metrôs pixados e muita treta.
Segundo a biografia da banda, Hey Ho Let’s Go, A história dos Ramones, escrita por Everett True, em comparação aos discos anteriores, Road to Ruin tinha um orçamento maior à disposição, e as músicas levaram três meses para serem compostas.
O disco, produzido por Tommy Ramone, tem um ar mais sério, digamos. Foi a primeira vez que Johnny Ramone confirmou um esforço consciente em compor músicas mais longas. No mesmo livro, o produtor Ed Stasium diz que ele e Tommy tocaram as guitarras adicionais em todas as faixas: “Johnny vinha todos os dias escutar o que havíamos feito e dizia: ‘Eddy, você e Tommy terminem tudo aí, ponham boas guitarras e venho escutar quando estiver terminado’”.
Pouco antes da gravação de Road to Ruin, Tommy Ramone não aguentou o processo de turnê dos caras e decidiu sair da banda: “Vou sair e vocês vão arrumar um baterista melhor que eu”, disse Tommy. Depois de vários testes, Marky Ramone, um cara que vinha do rock clássico e tinha tocado no Dust, foi chamado para assumir a bateria. Uma história curiosa é que, ao vivo, Marky estreou em um show no Kansas City. Dias depois, ele e a banda foram perseguidos por fãs do Greatful Dead, enfurecidos porque os Ramones não haviam tocado por três horas seguidas, como um dos papas do rock progressivo.
MacNeil lembra que as bandas punk eram vistas como um mal investimento, e que o movimento era só uma moda vinda de Londres que não duraria muito tempo. Foi sob essa pressão pela busca por reconhecimento, e a descrença no cenário que os Ramones ajudaram a criar, que Road to Ruin foi gerado. Vale lembrar da história em que Seymour Stein, empresário que lançou a banda, colocava anúncios em revistas dizendo que eles eram uma banda de new wave. Uma jogada para que as bandas punk tivessem melhor aceitação.
Talvez por todas essas questões, Road To Ruin soe mais pesado e agressivo. A urgência ainda está lá, mas de uma forma mais nervosa, nutrida por uma raiva por terem, até o momento, três ótimos discos que não tinham conquistado sucesso de vendas. Olhando hoje, talvez esse tenha sido o melhor dos combustíveis para aquele momento. Road to Ruin, que vendeu 150 mil cópias, é um registro com ótimas músicas, a começar por “I Just Want to Have Something to Do”. Uma paulada, com um riff lindo e que tinha uma potente execução ao vivo.
“I Wanna Be Sedated” é um daqueles clássicos definitivos e uma das tentativas da banda em escrever um grande hit. De fato foi gravada rapidamente, em dois takes, e é também a primeira gravada por Marky Ramone na bateria. Tem aquela mesma força de “Loudmouth” ou “Cretin Hop”. Marky contou, em entrevista ao Songfacts, que a música foi inspirada em bandas dos anos 60 que eles adoravam, como Kinks, Beatles e Seachers. A história conta que Joey teve a ideia do nome da música depois de queimar uma das mãos com água fervente e aí.
Os Ramones estavam indo para um show em Londres, na véspera da virada de 77 para 78. Esse mesmo show foi lançado depois, com o nome de It´s Alive. Joey estava cansado do ritmo frenético da banda e daí veio parte da letra: Just put me in a wheelchair and get me on a plane / Hurry, hurry, hurry before I go insane (Apenas me coloque numa cadeira de rodas, me coloque num avião / Depressa, depressa, depressa, antes que eu fique louco). Tal frase teria sido dita por Joey à Linda Stein, esposa de Seymour.
De todo o disco, a radiofônica “Don’t Come Close” era a grande candidata a single, enquanto “I Don´t Want You” e “It´s a Long Way Back” voltam os radares para uma linha mais próxima de “I Just Want to Have Something to Do”.
Road to Ruin é também o disco onde Joey Ramone se joga em ambientes já familiares, mas que ainda não haviam sido explorados de forma acentuada. Joey alcança uma sinceridade forte em sua assinatura vocal, como na já citada “I Don´t Want You”, mas é em “Needles and Pins”, cover do The Searchers, que ele se entrega de corpo, alma, razão e emoção a cada verso. É um desses casos em que a música parece ser escrita para o tipo de voz de quem a interpreta.
A dupla “She´s the One” e “Bad Brain” sustenta o lado mais rasgado do disco que, para celebrar seus 40 anos, teve um lançamento de uma edição comemorativa.
“She’s the One” ganhou um vídeo inédito até então, filmado em 16mm, e divulgado na página oficial da banda para celebrar as quatro décadas de Road to Ruin. E a gente confessa: foi realmente emocionante ver esse vídeo, com a banda tocando ao vivo, no auge da energia daquele tempo.
Road to Ruin também ganhou um relançamento em uma caixa comemorativa contendo 3 CDs e 1 LP repletos de raridades, incluindo duas canções inéditas: “I Walk Out”, e “S.L.U.G.”. A primeira é uma típica música com o DNA da banda. Já “S.L.U.G.” tem aquele pique de rockão básico, coisa que eles sempre visitaram como em músicas como “Touring”, por exemplo.
Vale reforçar que, quando falamos da banda, usamos os Ramones. Com todo plural possível que possa eternizar as palavras de McNeil, citado no início desse texto. Porque os Ramones são muitos. E vão de fato ser para sempre a banda que redefiniu a maneira de se fazer um rock’n roll divertido e apaixonante.
Separo a discografia dos Ramones em 3 fases: os quatro primeiros (o auge), entre End of the Century e Halfway to Sanity (o vale entre queda e ressurgimento); e a retomada pós Brain Drain (a volta). Road to Ruin foi o último da primeira fase a entrar na coleção na minha casa, que eu dividia com meu irmão. E esse era um dos que tinha inveja por ser dele: tinha a capa mais bonita (a melhor camiseta, disparada!) e uma das minhas músicas favoritas deles (“I Just Wanna Have Something to Do”). E ele mostra a banda no auge, ainda que os passos imediatamente seguintes tenham sido bastante decepcionantes. Road to Ruin tem o som mais lapidado e acessível do que nos primeiros discos, solos de guitarras, palminhas, hits bubblegum/pré-new wave. Tudo isso sem deixar de soar como os Ramones dos três anteriores. Quando saí da casa dos meus pais e dividi a coleção com meu irmão, finalmente comprei minha cópia de Road to Ruin pra não deixar minha coleção banguela. Espero logo ter a capa também na minha gaveta de camisetas.
Carlos Eduardo (Combover/ Orange Disaster/ Estúdio Aurora)
O Ramones chegou tarde na minha vida. Meus irmãos mais velhos, curadores musicais da minha pré-adolescência, eram metaleiros. Iron Maiden, Black Sabbath, Led Zeppelin já faziam parte das minhas fitas k7 quando um amigo da escola, Bruno, começou a falar de Ramones. Era o início dos 90, “Pet Sematary” e “Poison Heart” ainda eram as favoritas das rádios. Até que ele me mostrou um adesivo com a capa de Road to Ruin. Era uma época em que eu estava muito ligado em quadrinhos. E, de alguma forma, aquela reprodução caricata da banda me chamou mais a atenção do que a infinidade de detalhes de Derek Riggs e suas artes para Eddie e o Maiden. Foi a primeira vez que esse disco me marcou. Foram muitas outras ao longo de 25 anos. Pós-adolescente, eram as baladas. Até hoje, “Questioningly” me aperta o peito. Universitário, “I Wanna Be Sedated” era faixa ouvida à exaustão. Recém-formado, ficava prestando atenção à produção, a posição de cada instrumento na mix. Hoje, prestes a completar 40 anos (apenas uma semana após o disco também chegar a essa idade) meu sentimento é de nostalgia. Eu nunca mais soube do Bruno. Virou médico, acho. Já Road To Ruin é meu amigo até hoje.
Renato Moikano (Major Tone Guitars)