Vinicius Castro
Em um dos depoimentos iniciais do Get Thrashed, documentário sobre o thrash metal, Lars Ulrich (Metallica) diz que quando o movimento surgiu não importava se eles iam vender horrores. “Era por paixão”! No mesmo documentário, Frank Bello, baixista do Anthrax, completa dizendo que o thrash era algo muito novo naquela época e que foi como uma droga: “você tinha que fazer mais, ouvir mais”. Esses dois pontos dizem muito sobre a sensação em ouvir o Nuclear Assault pela primeira vez, no clássico Game Over, lançado em 1987.
Uma rápida contextualização. Com o delay em relação aos lançamentos, Game Over chegou pra gente somente um ano antes da banda vir para o Brasil, e nossa paixão pelo disco também despertou uma vontade imensa de ver aquilo ao vivo.
O pôster de divulgação da turnê, com a foto do Nuclear Assault e do Sepultura publicado na revista Rock Brigade, aguçou ainda mais a nossa ansiedade. Afinal, não era apenas o show de uma das nossas bandas preferidas. O Sepultura, que dividiu o palco com os americanos, vivia um dos seus melhores momentos até então e prometia um show especial, focado no lançando Beneath the Remains, nosso predileto.
Havia o Kreator, Metallica, Megadeth, Testamet. Mas o Nuclear Assault vinha de Nova York e tinha Dan Lilker, baixista que já havia passado pelo Anthrax e tinha uma relação íntima com o punk. Essa mistura de universos dava o tom do som do Nuclear Assault que, junto com outras bandas, de certa forma ajudaram a fortalecer o crossover na música subterrânea.
A circulação do Nuclear Assault entre diferentes públicos fez com que a banda atraísse para o saudoso Dama Xoc uma mistura de punks, fãs de hardcore, skatistas e headbanguers para ver de perto um dos shows mais esperados daquele ano.
Pra lembrar as marcas deixadas pela vinda do Nuclear Assault ao Brasil, a gente foi conversar com algumas ilustres figuras que tiveram a sorte de ver a banda no já distante 1989 e que agora compartilham algumas lembranças daqueles dias.
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Minha mãe veio trabalhar em São Paulo e nos mudamos de Porto Alegre pra cá em 88. Eu não curtia morar aqui, então minha mãe arrumava umas coisas de que eu gostava, tipo, me levar na Galeria do Rock. Eu era sozinho, recém tinha mudado, e tinha só uns amigos da rua, que andavam de skate. Alguns deles iam nesses shows que eram os grandes acontecimentos da época, ali no Dama Xoc, na rua Butatã. Esse era um ponto que gostava muito de SP. Quando tinham esses shows, lotava de gente.
Conhecia o Nuclear Assault por causa de uma capa da Rock Brigade que tinha uma foto do Max com a camiseta da banda. Eles tinham umas músicas como “My America”, que era meio hardcore, bem naquela época do crossover, e aquele som batia muito com o momento. E tinha o Dan Lilker, que já era um cara famoso. Foi legal ver aquilo ao vivo. Lembro que eu peguei o dinheiro de uma conta de luz de casa e comprei os ingressos para os três dias. Sem noção do perigo, pois resultou num corte de luz um mês depois. Fui cego, queria ir no show de qualquer jeito e não tinha a grana.
Na sexta e no sábado o Sepultura abriu. No domingo eles inverteram e o Nuclear Assault tocou primeiro. Eu lembro de ver vários caras de banda lá. Os caras do MX, todo mundo ansioso pra ver o show. Lembro também que depois dos shows ficava um monte de gente procurando botton, patch e outras coisas no chão.
Foram três dias brutais. Eu fiquei muito fã. Tinha um cara do meu lado que ficava gritando “nós te amamos, Max” e aí arrancaram os tênis dele, isso ficou muito na minha cabeça. Roubaram o tênis do Max. O Dama Xoc tinha um fosso também. A galera que era carregada pelo público caía naquele fosso. Não lembro em qual dos dias foi, mas no show do Nuclear teve uma hora que derrubaram umas coisas lá e roubaram um dos microfones. E aí pra sair desse show teve uma revista. A galera ficava louca, coisa de fanático mesmo. A galera ficava louca quando as bandas viam pra cá. Era um época pré-internet e ali o underground era grande mesmo porque que era uma coisa só que acontecia de vez em quando, então juntava os headbangers, skatista, hardcore… Foi o primeiro show que eu vi de interação entre público e banda. Muita energia dos caras. Eu era muito novo e apesar de ser uma coisa mais under, ainda tinha aquele toque de super-herói que o metal tem e o punk corta. Era época das gangues e eu lembro que eu ia de bermuda e tomava umas olhadas muito feias.
Eu tinha uns 15 anos, e foram nesses shows que eu fiz amigos que eu tenho até hoje em SP. Não lembro se isso foi no Napalm Death ou no Nuclear, mas na porta de um desses shows lembro de ter visto um moleque, que não era exatamente metaleiro, com alguma coisa do Minor Threat pintado a mão, com aquela mesma cara que ele tem até hoje. Era o Farofa (Garage Fuzz). Em um dos dias eu também conheci um outro amigo meu, o Rodrigo Brandão. Era um evento social mesmo colar nesses shows. Em algum desses eu também conheci o Marcão, do Lobotomia, e os caras do Megaforce, que foi uma banda que eu toquei.
Sei lá, mudou a minha vida. O jeito que o cara segura a guitarra, vira e mexe eu lembro. Foi uma das coisas que me fizeram pensar que ia ser da hora morar em SP.
Carlos Dias (Polara / Againe)
Aquele show do Nuclear Assault em 1989 foi muito do caralho! Eu fiquei junto com os caras da banda um tempão porque trampei de roadie para o guitarrista deles, o Anthony Bramante.
Os caras vieram sem instrumentos pra cá e eu tive que emprestar a minha guitarra pra eles. O público pirou no show deles. Muito foda!
Também lembro dos caras comigo dentro do carro, no meio da 23 de maio, queimando uma bomba. Quatro cabeludos e eu falando pros caras “ah, não pega nada”… hahaha.
Silvio Golfetti (ex-guitarrista do Korzus)
Um show que, na minha opinião, marcou bastante esse ano de 1989 foi o do Nuclear Assault com o Sepultura, no Dama Xoc. Houve duas apresentações, uma na sexta-feira, 19 de março, e outra no dia 20. O André, eu e mais um monte de amigos fomos todos no sábado.
Nunca fui grande fã do Nuclear Assault, mas me impressionei com a agressividade e a energia dos caras ao vivo. O set deles foi marcado por uma quantidade louca de stage-dives. Em um momento, o guitarrista e vocalista John Connelly largou seu instrumento e partiu para a briga com um segurança que havia sido violento com um fã que subiu no palco. O show voltou em seguida com mais força e mais gente pulando do palco. O Sepultura também fez o local tremer. Eles estavam fazendo um show de pré-lançamento do Beneath the Remains e, nesse momento, já eram gigantes.
No final do show do Nuclear Assault, o Max ficou no lado direito do palco, perto da galera, e o André quis ir até lá e tirar uma foto com ele. Não sei o que o André falou, mas imediatamente o Max Cavalera me pediu a camiseta do United Forces que eu usava, arrancou as mangas e vestiu. Felizmente eu tinha outra por baixo. Peguei a câmera e tirei a foto e, enquanto ainda agradecíamos, o Max me chamou e quis tirar uma foto comigo também. Confesso que fiquei um tanto quanto envergonhado. Nunca fui de tirar fotos com bandas ou de outras tietagens parecidas. Além disso, vários amigos meus estavam por perto e ficaram me aloprando depois. Hoje, acho que foi sensacional conseguir registrar aquele momento, ainda mais porque o Max fez questão de usar a camiseta do fanzine.
Marcelo (Fanzine United Forces / Extreme Noise Discos)
Eu tinha uns 14 pra 15 anos, descobrindo o rock, a vida, o underground e já tinha uma identificação grande com a música agressiva, de protesto e as bandas de thrash metal cabiam muito nisso. No Brasil, anos 80, não tinha show gringo por aqui. Ter a oportunidade de ver alguém ao vivo era raro. Dava pra contar nos dedos. Teve Van Halen, Kiss, e o Rock in Rio, que veio um monte de banda de uma vez só e estragou a mina e a vida de outros tantos moleques…hahaha. O Nuclear Assault eu já conhecia por fita gravadas de discos da Galeria do Rock.
Quando confirmou o Nuclear Assault no Brasil, a primeira coisa foi: “tem que ir… é obrigatório ir nos dois dias!” Eu tinha que ver aquilo. Entrar no Dama Xoc foi um sentimento de conhecer uma coisa que era nova e muito importante. Tinha um clima, uma energia no ar. Pra mim, mudou minha vida. Foi tipo “eu pisei aqui, mudou mina vida pra sempre!”
Outra coisa que definiu muito esse rolê foi que, legal, tem os gringos, eles fazem um som foda, mas tinha o Sepultura abrindo que era tão foda quanto, ou se bobear, ainda mais foda que os gringos. O Sepultura do Beneath the Remains é pra mim, até hoje, um negócio surreal, de gênio mesmo. No show era muita energia, os caras tocando absurdamente bem, e atropelavam todo mundo. Uma das coisas que mais me marcaram na época do show foi que eu lembro de pensar “vou subir no palco e pular na galera”. Isso era um negócio inacreditável. Fez eu me sentir parte daquele show. Hoje o metal até tem um rolê parecido, mas na maior parte dos casos virou uma outra coisa. Outra coisa que me marcou muito nesse show foi que a galera não queria que a banda parasse de tocar. Chegou uma hora que acendeu uma luz branca no Dama Xoc, luz de serviço mesmo, e a banda “vamos tocar mais uma”. E aí tocaram o cover do Led Zeppelin e mais uma ou duas com as luzes acesas. Era muita gente não querendo deixar os caras saírem do palco, e eu via a expressão da banda em querer ficar lá e tocar mais ainda.
Pablo Menna (Guitarrista do Questions)
Não lembro como foi o convite pro Sepultura abrir o show do Nuclear Assault em 89, mas posso dizer que foi bem legal. Lembro que dormi na cama do baterista deles, o Glen Evans, e ele ficou puto comigo… (risos). O Dan Lilker, baixista do Nuclear Assault, chegou dois dias antes no Brasil. Ficamos no hotel Jandaia [localizado no centro de São Paulo]. Ao total foram três das nesse hotel.
O Sepultura ainda nem tinha começado a desbravar o mundo, né. Então, pra gente, ter a oportunidade de tocar com o Nuclear Assault foi legal. Dan Lilker já era fã do Sepultura. Nós ficamos com ele, tomamos umas cervejas e ELE pagou a conta da noite. Ele pagou tudo! Os caras do Ratos de Porão que também deram um rolê com os caras pela cidade.
Foi legal que o Dan Lilker também pediu pra tocar a Beneath the Remains no palco com a gente. “Nóoo!!” eu achei do caralho. A gente mereceu abrir pro Nuclear Assault e aprendemos muita coisa com isso. Nós entramos nos lugares mais remotos do mundo, no meio de guerra. Onde ninguém queria ir, nós entrávamos. Na próxima turnê nós vamos bater 82 países. Vamos pra Mongólia, Líbano, Kazakstão… Isso é algo que tá no nosso sangue. Essa postura que o Sepultura sempre teve é o que a gente é. Desde aquele tempo [anos 80], e até hoje, o Sepultura é uma banda que não nega fogo.
Paulo Xisto Jr. (Sepultura)
O Nuclear Assault tava lotado. Muito mosh e stage dive. Nesse o meu irmão, Fábio, o Edu e o Pablo foram comigo. Lembro que o batera do Nuclear tacou uma baqueta na cabeça de um segurança que tava socando uma galera no público. Os seguranças batiam muito na molecada nessa época. O próprio Max já salvou vários moleques de apanhar.
O Sepultura abriu esse show. O Dama Xoc ficava do lado do Cu do Padre, em Pinheiros. Eu cheguei cedo e vi o Max tomando umas ali em um boteco. Era a turnê do Survive e o show do Nuclear Assault foi muito bom! Bem mais legal que o Destruction que também tocou no mesmo ano. Eu já tava meio que saindo do lance metaleiro e o Nuclear tinha aquele visual mais crossover e eu queria aquilo. Tinha que ter boné com a aba pintada e virada pra cima. Eu tinha um boné da Pirellli ou da Goodyear com o logo do D.R.I pintado de liquid papper. Tanto o Sepultura quanto o Nuclear foram do caralho. Eles ficaram amigos depois e, se não me engano, um dia abriu o Nuclear e no outro o Sepultura. O Sepultura era a banda mais legal do planeta! Talvez o show deles tenha sito até mais legal. Mas o Nuclear arregaçou também. Eu vi essas bandas no começo. Ao vivo! Elas se entregavam de verdade no palco.
Eduardo Sasaki (Questions)
Pra começo de conversa, é importante esclarecer: eu nunca fui metaleiro de fato. Era um moleque punk, que gostava de outros sons, como hip hop, rock dazantiga, e um pouco de metal, quando as letras e a imagem da banda iam além da babaquice satanista. Hoje em dia, é normal a pessoa ouvir ópera depois dum pagodão e antes daquele hit gótico, mas em 1989, isso configurava sacrilégio na lei das ruas, e o visual errado podia acabar em olho roxo, ou até facada. Ainda (sobre)vivíamos (n)a fase das “tribos”, em que headbanger apanhava de punk, que fugia de skinhead… Os rockabilly, e sua variação psychobilly, eram mais de boa, a princípio pelo menos.
Apesar de tanto tabu, o termo crossover, que designava todo Som Pesado Mente Aberta, já iluminava o fim do túnel e trazia uma pitada brutalmente necessária de união praquele mundo hermético, onde mal tinha mulher; viado então, nem pensar. Pouquíssimas peles eram pretas, ao contrário de quase todas roupas. Por mais tenso que fosse, e era, as oportunidades de verouvir artistas internacionais, raras ao extremo, faziam qualquer show estrangeiro, independente do subgênero favorecido, virar alvo pra mim. Nessas, comprei o LP Game Over, do Nuclear Assault, lançado pela emblemática loja/selo Woodstock. Queria conhecer o som dos caras antes do show.
Mas de pouco serviu. Por mais que me esforce, hoje só consigo lembrar o quanto eles foram atropelados pelo Sepultura. Max & Igor já moravam em Santa Cecília e eram praticamente donos do Dama Xoc. Pro azar dos gringos, o grupo deles tocou antes e quebrou tudo. A impressão foi tão forte que me desfiz do disco na semana seguinte, e jamais senti saudade. Game over pra valer!
Rodrigo Brandão (Gorila Urbano)