Vinicius Castro
O quanto uma música te faz bem? Que poder é esse que tira o nosso chão, a calma e acalma? Faz rir, chorar, viajar no tempo. Já parou para observar que não há quem dance sua música predileta sem que um sorriso especial acompanhe sincronicamente seus passos? Talvez seja essa a mais próxima classificação de momento de felicidade.
Por esses motivos tão nobres é que separamos um espaço só para falar de canções que modificam os humores ao seu redor. “Head Over Heels”, das Go-Go’s, é uma das músicas que têm uma boa cota de responsabilidade em oferecer esses momentos. Basta começar a tocar que, mesmo em um dia horrível, o sorriso vem. Faz dançar, lembrar e anima o dia. É música que faz bem.
A faixa que abre o terceiro disco, lançado em 1984, é parte dos grandes hits daquela década. Mas, antes de seguir essas linhas, vamos voltar um pouco na história.
A capa de Talk Show é autoexplicativa. Poderia ser a foto de um teste de elenco para Namorada de Aluguel, A Garota de Rosa Shocking, Footloose ou algum outro filme adolescente de dublagem duvidosa (que a gente adora), mas é a capa de um dos discos mais legais da década de 80.
Talk Show traz a mais pura combinação da estética new wave com a música pop grudenta, no melhor dos sentidos, executada por uma banda formada por quem já frequentava o cenário punk de Los Angeles. Pode até parecer, mas isso não é algo tão nonsense, já que a new wave nasce, em parte, como um desdobramento do punk que ganhou o mundo em 1977. A diferença é que aquela então nova sonoridade investiu menos na agressividade e na urgência, e costurou sua linguagem com batidas dançantes, sintetizadores e refrãos pop incríveis.
Uma história curiosa é que a informação era tão escassa na década de 80 que, quando o primeiro disco do B 52’s apareceu, mal sabíamos o que era new wave. A gente olhava as fotos e a capa do disco e achava que aquilo era uma banda de punk (risos). Fato semelhante também aconteceu com o Sigue Sigue Sputnik e outras bandas mais, onde.
“Sempre tentamos imitar o Buzzcocks”, conta a guitarrista Jane Wiedlin, que aliás inspirou uma das músicas mais legais do Monsterland. Isso foi em 1978, um ano depois da explosão do punk no mundo. Na Los Angeles daquele tempo, as Go-Go’s dividiam a sala de ensaio com o Motels, uma outra banda local.
Naquele período, Charlotte Caffey tocou baixo no The Eyes e Belinda Carlisle (vocal), sob o alcunha de Dottie Danger, foi baterista do Germs, mas ficou pouco tempo na banda e não chegou a gravar nenhum disco oficial. Carlisle também contribuiu com o Black Randy and the Metrosquad, por onde passaram nomes importantíssimos daquele cenário, como Alice Bag, por exemplo.
Elas foram gigantes! Foi a primeira banda formada só por mulheres compositoras a chegar ao topo da parada da Billboard, em um tempo onde isso era um medidor importante de sucesso. Vale voltar um pouco na história e relembrar que, ao contrário do que a época tentava sufocar, muitas e muitas bandas formadas somente por mulheres já tinham feito um estrago do bom no terreno dos bons sons. Por exemplo, na década de 60 tivemos o Pleasure Seekers, e na de 70, ótimos nomes como Ace of Cups, The Runaways, Fanny e Girlschool; todas essas abriram caminho para que as Go-Go’s dessem um belo chega pra lá no preconceito de uma Los Angeles embebida no hard rock sexista da década de 80.
“Head Over Heels” foi escrita por Charlotte Caffey e pela guitarrista Kathy Valentine, que em entrevista ao Songfacts contou que a música é uma autorreflexão e conscientização de que “a banda e, certas áreas da vida, estavam ficando meio fora de controle.”
O piano do comecinho é muito marcante. Criação de Caffey, que sentia falta de usar mais o instrumento nas composições da banda. Ela escreveu a linha inicial e depois mostrou para Valentine, que deu sequência na criação da parceira.
No cinema, “Head Over Heels” também foi requisitada e fez parte da trilha sonora de De Repente 30, além de inspirar um espetáculo musical na Broadway todo ambientado na música.
Embora “Head Over Heels” tenha um climão ensolarado e “pra cima”, nas internas, a banda não vivia um bom momento. “Foi o começo do fim”, disse a vocalista Belinda Carlisle ao New York Times. “Estávamos muito cansadas, não sabíamos dizer não. [‘Head Over Heels’] tem um melodia alegre e animada e liricamente, ela realmente capta o lado sombrio da fama e da fortuna…”, completa a vocalista.
Been running so hard
When what I need is to unwind
The voice of reason
Is one I left so far behind
I waited so long
So long to play this part
And just remembered
That I’d forgotten about my heart
Buscando aqui na memória, meu primeiro contato com as Go-Go’s foi exatamente com essa música, quando elas vieram para o Rock in Rio, de 1985.
O LP coletânea de divulgação do festival trazia algumas das bandas que definiram a instalação do heavy metal por aqui, como Scorpions, Def Leppard e Queen; e também nomes da new wave que estavam fazendo sucesso, como B52’s, Nina Hagen e, claro, Go-Go’s.
O show teve trechos televisionados em TV aberta por aqui e, por conta da coletânea do festival, “Head Over Heels” foi um dos momentos mais memoráveis.
Mal sabíamos que, quatro meses depois do Rock in Rio, a banda encerraria sua atividades. Os motivos giraram em torno da máxima que acomete parte dos grandes artistas: fama e grana.
Entre ombreiras, penteados à la Kelly LeBrock e roupas cor neon, a imagem em primeiro plano escondia problemas pesados nas entrelinhas. A real é que elas piraram no looping drogas, bebidas, festas. Vai vendo… Segundo Elizabeth Sankey escreveu, Belinda chegava a torrar 300 dólares em pó. Jane Wieldlin lembra que elas eram “meigas, fofas e também loucas, viciadas em drogas e ninfomaníacas”.
Os excessos trouxeram desentendimentos em relação à parte financeira de distribuição dos direitos por autoria das músicas, já que os créditos por composição não eram distribuídos igualitariamente. Isso, como você já pode imaginar, acirrava a corrida por composições em detrimento do respiro criativo que uma música precisa para ganhar consistência.
Um dos desdobramentos minha história com “Head Over Heels” não é lá motivo de grande orgulho, mas vale compartilhar. Por conta do carinho pela música, passei a procurar bandas que tivessem sonoridade semelhante. Como era comum na época, o processo era entrar em uma loja de discos e pedir: “por favor, você tem discos de alguma banda parecida com Go Go’s, daquela música lá [imita o piano de ‘Head Over Heels’]?” A sorte era lançada e em uma das vezes a dica foi uma coletânea do Bananarama. Isso mesmo! Ba-na-na-ra-ma. Ok, comprei, ouvi [ouça aqui se tiver coragem].
Sobre “Head Over Heels”, Wiedlin disse que, das músicas que ela não compôs, é sua preferida. “É um clássico! É tipo uma deliciosa trufa de chocolate pop.”
Wiedlin está certa. A música é mesmo deliciosa, como a sensação que esse hino pop/ new wave desperta sempre que a gente escuta por aqui.