Dead Kennedys: 40 anos de ‘Fresh Fruit for Rotting Vegetables’

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São Francisco, anos 50, berço da cultura beatnik, termo cunhado por Herb Caen na segunda metade daquela década. Nos anos 60 os hippies dominaram a cidade e a Haight St., uma extensa rua próxima ao centro da cidade, foi o ponto focal do movimento paz & amor. Na década seguinte o punk explodiu no mundo e São Francisco tornou-se um dos polos do movimento nos EUA. Bandas como Avengers e Negative Trend já haviam iniciado o barulho por lá, mas geração seguinte iria desafiar ainda mais a velocidade e a amplitude que o punk poderia oferecer.

Um desses nomes decisivos é o Dead Kennedys. East Bay Ray (guitarra) formou a banda em 1978. Junto a ele, estavam Jello Biafra (vocal), Klaus Flouride (baixo), Carlos Cadona, ou 6025, (guitarra) e Ted (bateria). Desde o início o Dead Kennedys já chamou atenção pela sonoridade peculiar e os vocais e letras inteligentes de Biafra.

E se a Califórnia experimentava algumas mudanças sociais, musicais e de comportamento, por aqui não era muito diferente. O Brasil também era outro. Mudanças eram percebidas; entre elas, a estruturação do punk em São Paulo, que demorou um pouco mais pra estourar por aqui, mas já dava sinais em algumas esquinas, praças e galerias de uma cidade acostumada a abordar aglomerações de pessoas vestindo preto. Eram tempos violentos onde a infelizmente corriqueira “geral” corria solta.

Foto: Sounds Like Us

O punk era uma vastidão de possibilidades em poucos acordes, de agressividade escarrada em letras gritadas e estética espinhenta em torno daquele novo movimento que nos deu um lugar de pertencimento. O punk combinava com a diversidade e ameaça do caos urbano, o cheiro da praça São Bento e as rodas de amigos que funcionavam como uma troca de percepções sobre os novos sons que chegavam naquele Brasil ainda ressacado pelo governo militar e por um certo “no future” que ainda ressoava na vida daquela geração.

O Dead Kennedys foi um ponto decisivo e instrutivo. Chegou bem depois por aqui e reforçou a máxima de que “o que o rock construiu, o punk destruiu”. E o que o punk destruiu, o Dead Kennedys expandiu. Era agressivo e elaborado. Sujo, porém bem tocado. Cabiam até bolero, surf music, estruturas do rock de garagem e uma escrita classuda. E para juntar tudo isso dentro de um movimento, até então, rígido e exigente, tem que ser punk pra caralho!

Muito da sonoridade tem conexão direta com East Bay. Na última vinda da banda ao Brasil, em 2016, o guitarrista disse em entrevista a Gastão Moreira que o segredo é que, quando ele começou a tocar, não conseguia tirar todos os acordes das músicas que escutava. East Bay então tocava nota por nota e a partir daí, criava algo que soava diferente, o som único que a gente escuta nas linhas compostas por ele para o Dead Kennedys.

Parece exagero. Mas o que é a adolescência senão um conjunto de bons e perigosos exageros? Sofre-se, arrisca-se, imortaliza-se, descobre-se demais. Nesse contexto, façamos valer tal exagero em reconhecer que “California Uber Alles” definiu muito do que somos. De alguma forma ela é reflexo daquele tempo. Algo acontece quando a bateria se anuncia, o baixo responde e a guitarra reforça a presença de algo que se confirma com uma voz tensa. É como uma espécie de estado de atenção emocional que olha direto para aquele mesmo encanto da primeira vez que a escutamos no “Grito da Rua”, programa de skate da década de 80 que, além do Dead Kennedys, nos apresentou TSOL e Agent Orange.

Ainda na mesma época, o saudoso Kid Vinil, um verdadeiro herói do nosso Brasil, passou um show do Dead Kennedys e o choque foi grande. A teatralidade maluca de Jello Biafra era muito nova, esquisita e ao mesmo tempo cativante. A banda era violenta ao vivo, em alta velocidade. Era stage dive para todos os lados.

Fresh Fruit for Rotting Vegetables demorou pra ser lançado no Brasil. Chegou em 1986, mais precisamente. Vinil em cor branca, encantou a juventude da época. Nunca tínhamos visto um disco colorido em nossa ainda curta vida. Em todas as “bancas” país afora, Fresh Fruit… ficou conhecido como o disco branco. Às vezes mal lembravam o nome do álbum. “Fresh… o quê? Ah, o disco branco do Dead Kennedys.”

“California Uber Alles” e, mais tarde, “Holiday in Cambodia” tocaram muito nas rádios rock e transformaram-se em hit das festinhas adolescentes. Era o momento perigoso do bailinho de garagem. Hora de chutar o ar e balançar os braços, como se “dançava” o bom punk rock daquele tempo.

Nada se compara à sonoridade de Fresh Fruit… Sobre essa singularidade, o baixista Klaus disse certa vez que “ninguém quer soar como eles. Querem ser parecidos com o Ramones, Sex Pistols, não com o Dead Kennedys”. É pela experiência única que este disco oferece que convidamos alguns fãs para compartilhar com vocês algumas histórias sobre um álbum que ainda emociona quem foi impactado por ele há 40, 30 anos ou mesmo na semana passada.

É meio doido, porque conheci o “Fresh Fruit…”, primeiro disco dos caras, meio que logo depois do “Give me Convenience…” que, mesmo sendo coletânea, era o último disco (era isso que se dizia em 93, risos). Um amigo do colégio, que era do mesmo rolê de skate que eu, apresentou a banda. Eu tinha uns 13 pra 14 anos, só que por ser meio “ramoneiro” (na época), pirei nos sons mais “acessíveis” do DK’s logo de cara, como “California Über Alles”, “Holiday in Cambodia”, depois “Kill The Poor” e “Let’s Lynch The Landlord”. Mas o que me prendeu mesmo foram as músicas “tortas”, que me intrigavam porque as outras eu conseguia tirar no violão podre que tinha em casa (de novo, “ramoneiro” né). As “tortas” (“Forward to Death” e “Ill in The Head”) eu não conseguia de jeito nenhum. Elas também não eram parecidas com nada de “punk” que eu tinha escutado até então. Fora os aspectos culturais, políticos e as letras do Jello. Sempre pirei em como alguém que morava em uma cidade como São Francisco conseguia escrever tanto e tão bem sobre injustiças sociais. Mas aí fui saber sobre a foto da capa, dos carros de polícia queimando na White Night Riots, dos assassinatos do prefeito, do supervisor da cidade no final de 1978, e como serviu de combustível para a banda e as letras. É não só o debut da banda, mas é o primeiro “full-lenght” da cena punk de São Francisco. Um disco incrível, em todos os aspectos.
Alexandre Cacciatore (O Inimigo/ Mudhill)

A Vila Carolina sempre foi o olho do furacão em se tratando de discos de punk rock no início da movimentação aqui no Brasil. Tínhamos os pré-punks e alguns lançamentos de algumas bandas gringas do novo estilo. Em 1980, quando saiu o primeiro LP do Dead Kennedys, de São Francisco, não conhecíamos nada a respeito da banda e até então os discos vinham com informações como foto dos integrantes na capa ou contracapa, de onde vinham etc.  Só que esse não tinha nada além de carros pegando fogo e uma foto descaracterizada, de outra banda, na contracapa. Quem nos apresentou o disco foi o Callegari, guitarrista das bandas Condutores de Cadáver e Inocentes. O que nos intrigava nesse disco era o nome da banda, do disco, a arte e, principalmente, as músicas, com uma sonoridade já introduzindo o hardcore californiano, com letras altamente politizadas e ao mesmo tempo sarcásticas, o que destoava de letras vindas da classe operária inglesa, que era a grande influência rebelde da época. Bem, sendo assim, influenciou muito o grande guitarrista paulistano, assim como a banda de que eu iria fazer parte, nos anos seguintes. Ouço sempre! Obrigatório!!!
Ariel Uliana (Restos de Nada/ Inocentes/ Invasores de Cérebro)

East Bay Ray e Klaus Flouride. Foto: John Cuniberti

Tenho uma história louca desse disco. Comecei a andar de skate bem moleque, em 1987. Nessa época rolavam vários bailinhos da escola. Era um costume chegar de skate, invadir umas festinhas e aí chegava uma hora em que a gente sempre botava o Fresh Fruit pra rolar e acabava com as festas. O Dead Kennedys foi uma das primeiras bandas que conheci junto com Clash e Ramones. Na época, no Brasil tinha o Camisa de Vênus, Garotos Podres, e era foda porque a gente não tinha informação nenhuma por aqui. Não sabíamos como eram os caras dessas bandas. A gente pensava ‘pô, esses caras devem ser mó briguentos’. Kill The Poor” e “California Uber Alles” também rolavam muito na 89 FM e no QG, onde eu andava de skate. É um disco muito foda de uma banda com uma retórica afiada, discurso político e crítico muito inteligente. O Dead Kennedys é uma banda icônica. Começando pelo nome, algo muito, muito forte. Quando você fala de punk, tem que falar do Dead Kennedys! O Fresh Fruit é um dos melhores! Pena que eu não consegui vê-los juntos. Vi o Jello Biafra sozinho, duas vezes, que arregaçou; e vi a outra metade da banda, também por duas vezes.
Badauí (CPM 22)

Foto: Mike Murphy

Na adolescência entrei numa banda com um pessoal mais velho e um deles trouxe alguns CDs pra gente “trocar influências”. Tinha o Give Me Convenience or Give Me Death, do Dead Kennedys (não devolvi até hoje), e esse amigo comentou algo do tipo “esse é uma coletânea das músicas que não entraram nos discos”. Então fui atrás do tal disco de nome gigante, Fresh Fruit for Rotting Vegetables, que com certeza é desses discos que te influenciam em muita coisa que irá ouvir depois. O Never Mind The Bollocks, do Sex Pistols, é uma das minhas principais referências no punk e na música. Ele tem algo que vejo muito no Fresh Fruit… que é, além de questionar, o sarcasmo/ironia. “Kill The Poor”, “Holiday in Cambodia”, fechar o disco com um cover de “Viva Las Vegas”… tem muito sarcasmo ali, nas letras e no instrumental. Ambas possuem um vocalista e letrista brilhante. A voz de Jello foi a primeira coisa que me marcou já na primeira faixa. Sem contar a bateria de “California Uber Alles”, que se não é a linha mais conhecida do punk/hardcore, não sei mais. O Dead Kennedys entregou características que marcariam o grupo: as guitarras meio surf music, o baixo “passeando” pela música, a bateria ligada no 220v e a voz do Jello Biafra. Tinha um certo individualismo, diferente de grupos que eu tava acostumado, como Ramones ou o próprio Pistols, que soavam como uma massa única. O Dead Kennedys era muito diferente e, até hoje, quando escuto esse disco, sinto isso. “Drug Me” foi das coisas mais rápidas e agressivas que eu já tinha escutado. “Holiday in Cambodia” me assustava de certo modo. Eu achava as guitarras sinistras, o clima esquisito, pesado e meio apocalíptico. Tipo quando você ouve “Dead Souls”, do Joy Division, pela primeira vez. É um disco direto ao ponto, que te molda e prende muito fácil. Tem a energia de um primeiro disco mas em um outro nível de composição e originalidade. Lembro muito de um show do Jello Biafra, no Hangar 110, com abertura do Ratos de Porão. Acabou a energia no quarteirão inteiro bem quando estavam tocando “Holiday in Cambodia”, e todo mundo terminou a música cantando à capela, com o Jello mexendo os braços e as mãos, como um maestro de olhar hipnótico. De arrepiar!
Caio Felipe (Sky Down)

Minha relação com o Dead Kennedys não começou com o Fresh Fruit…, e sim com o Give Me Convenience…, que apareceu na mão quando eu tinha uns 13/14 anos. Ali foi o começo do fim pra mim. Foi um disco que me levou a conhecer toda a discografia da banda, consequentemente a cena da costa oeste dos Estados Unidos, e isso fodeu com a minha vida, no bom sentido. Com 13/14 anos é quando começa nossa revolta e passamos a nos ver como indivíduo na sociedade. Nessa época, quando ouvi pela primeira vez “Holliday in Cambodia”, e vi como o punk podia ser muito além dos simples três acordes dos Ramones, minha cabeça explodiu. Minha faixa preferida do disco é “Let’s Lynch the Landlord” e esse disco foi um dos meus formadores de caráter, muito mais que a relação em casa ou na escola. Foi um verdadeiro professor pra mim.
Eduardo Zampolo (Chalk Outlines/ The Parking Lots)

Foto: Mats Bäcker

Quando conheci o Dead Kennedys, ainda era um garoto headbanger nos anos 80 que escutava muito thrash metal de São Francisco, mesma cidade da banda. Na época, eu  tinha como referência de punk as bandas com som e visual mais agressivo; até o momento em que vi, em uma sessão de vídeo de uma loja de discos, o lendário show de 1984, em São Francisco. O som era agressivo, mas com uma sonoridade mais ampla, com efeitos de guitarra que às vezes chegavam a lembrar surf music, as bases punk, o East Bay Ray e o Klaus Flouride com um certo visual nerd que não tinha nada a ver com o punk europeu, e o Jello Biafra, que era um show à parte com sua performance teatral e letras politicamente densas e críticas em relação à sociedade americana. Foi depois desse vídeo que fui escutar os discos, começando pelo Fresh Fruit For Rotting Vegetables. Depois disso minha visão sobre o punk nunca mais foi a mesma. O que eu não podia imaginar é que, em 1992, convidados pelo jornalista André Barcinski, o Garage Fuzz tocaria na festa de lançamento do livro Barulho, no antigo Der Tempel, na Augusta. O convidado de honra era o próprio Jello Biafra que, após nossa apresentação, fez questão de nos conhecer e dizer que tinha gostado muito do show. Surpresas do destino.
Fabricio Souza (Garage Fuzz)

Foto: Divulgação

Lembro que rolava “California Uber Alles” nos bailinhos dos anos 80 na Vila Leopoldina. Na época a galera do skate sempre pedia pra tocar Ramones, Clash, Toy Dolls e Dead Kennedys. Eu curtia metal, que tava no ápice, e Slayer, Metallica, Exodus, Venom, Kreator, Voivod, faziam a minha cabeça cada vez mais. Quanto mais rápido e agressivo, mais me atraía. Meu primeiro contato com punk/ hardcore (lembrando que nos anos 80 era comum ver pichado DK nos muros de SP) veio com um k7 gravado pelo Betinho, baterista fundador do Ratos de Porão, que é dono de uma borracharia até hoje no bairro. Nesse k7 tinha Discharge no lado A, e Kaaos no lado B. Me interessei e caí de cabeça no hardcore/crossover. Quem me apresentou ao Fresh Fruit… foi o Ivan Shupikov, fotógrafo das principais revistas de skate até hoje. Confesso que na primeira audição achei tudo meio caótico por conta das dissonâncias da guitarra, que tinha uma sonoridade diferente da que estava acostumado a ouvir de bandas como Suicidal Tendencies, D.R.I., S.O.D, C.O.C etc. Lembro também que gravei um k7 desse vinil que comprei na época (o branco) para o Igor Cavalera, que até então nunca tinha ouvido DK. Ele e o Max colavam na Leopoldina, na casa de parentes deles. Ficamos amigos, eu andava de skate com o Igor na época… haha. Ou seja, acabei apresentando Dead Kennedys para os irmãos Cavalera. Pra mim, Fresh Fruit For Rotting Vegetables se tornou um dos discos de cabeceira que mais tarde influenciou a sonoridade do IML (Intense Manner of Living), banda de que fiz parte. Tocamos Dead Kennedys em um show em que o Wattie, do Exploited, estava presente e ele saiu do local xingando a gente e mostrando o dedo do meio meio… hahaha. Uma honra pra nós na época.
Flávio Cavichiolli – (Weedevil / Pin Ups)

Foto: Mike Murphy

O Fresh Fruit For Rotting Vegetables segue como alimento ainda fresco aos que gostam de música desafiadora. Um prato cheio de inventividade para saciar a fome de provocação musical e lírica. O álbum de estreia do Dead Kennedys é um trabalho de hardcore punk, mas recheado com inovações. Riffs com tempero de surf music e dissonâncias, bateria com variações além do tupá-tupá e vocal afinado na irreverência estão no cardápio desse clássico registro. Talvez não tenha sido o primeiro disco a deixar de lado o feijão com arroz dentro do gênero, mas certamente é um dos mais representativos. Conheci o DK, se não me engano, com ‘California Uber Alles’ — que é do Fresh Fruit… — e aquela batida percussiva que, de início, já enfeitiça. Levei um tempo para digerir legal a banda, apesar de perceber ali um bom gosto peculiar. Mas logo ficou claro o banquete de sonoridades bacanas criadas pelo grupo californiano. Fora a parte musical, tinha o lance da arte de capa, cheio de colagens e de referência. Para mim, embora todo o conjunto da obra fosse sensacional, o Jello era o destaque. A voz limpa bem colocada, a métrica dos versos, a performance e as letras de contestação sarcásticas e inteligentes fazem dele um dos frontman mais fodas que conheço. Em 2012, o cara veio com o Guantanamo School of Medicine tocar em Porto Alegre e consegui entrevistá-lo pessoalmente. O Fresh Fruit… não apodrece porque não tem prazo de validade.
Homero Pivotto Jr. (jornalista, idealizador do programa O Ben para todo mal e vocalista das bandas Diokane e Tijolo Seis Furos). 

Seis anos de atraso. Quase nada naqueles anos pré-internet. O lançamento da estreia dos Dead Kennedys por aqui foi festejado como um acontecimento dentro do universo punk. Em 1986, uma leva de discos nacionais de selos independentes mantinha o estilo vivo enquanto o BRock da Legião Urbana e dos Titãs se alimentava dele. Mas o DK estava em outro patamar. Independente, zombador e mordaz ao mesmo tempo. Politizado de uma maneira inteligente e provocativa. Era respeitado pela crítica. As lojas da rede Hi-Fi tinham cabines com vitrolas e fones para se ouvir os discos antes de comprá-los. Era irresistível aproveitar o espaço para ouvir as 14 faixas mesmo depois de ter o álbum em casa. Era parte do rolê. Guitarras ao estilo surf music, introduções com jeito de trilha sonora, vocal como uma narração do fim do mundo. Cara, e o vinil branco e o encarte enorme?! A Continental pode não ter pago um puto ao grupo, mas agradeço por esses detalhes. Passava horas descobrindo novos elementos na colagem do encarte. “California Uber Alles” e “Holiday in Cambodia” tocavam nas rádios rock – e ainda tocam. Quero acreditar que por mérito da banda e não pela decadência dessas emissoras. Na revista Bizz, a banda figurava nas primeiras posições das paradas independentes. Saber disso legitimava a importância do punk naqueles anos que anunciavam o cinismo e a empáfia yuppie.
Luciano Marsiglia – (Viva La Raza)

East Bay Ray no stúdio / Foto: John Cuniberti

A batida tribal, o baixo ameaçador, a guitarra fantasmagórica e, finalmente, a voz sarcástica que anuncia “I am Governor Jerry Brown”. Era um verdadeiro chamado para a batalha: um botão de alerta que, quando acionado, invertia os papéis da sociedade. Garotos populares para trás, desajustados para frente! Doce – e barulhenta – vingança dos rejeitados, tímidos, feios, nerds, punks, skatistas, enfim, de todos aqueles considerados “diferentes”. Esse épico começo de “California Über Alles”, reconhecível a quilômetros de distância, foi incorporado não apenas ao imaginário daquela geração que cresceu pulando com esse som: como um vírus, penetrou no sangue de todo e qualquer punk que nasceu nos anos seguintes. Corrigindo: décadas seguintes. Lá se vão (quase) 40 anos desde o lançamento de Fresh Fruit for Rotting Vegetables, o primeiro e clássico álbum do Dead Kennedys. A edição nacional, em vinil branco, saiu pela gravadora Continental com seis anos de atraso e tornou-se um item sagrado para a juventude brasileira. Era tocado em festas, emprestado (com certo temor) para amigos, gravado em fitas K7, disputado a tapa em lojas quando o pôster estava intacto! Quatro décadas depois e quase nada mudou: as faixas do Fresh Fruit ainda animam muitas festas, ninguém gosta muito de emprestar esse disco, ele ainda marca presença em playlists ou mixtapes, e o LP com o pôster continua valendo o dobro do preço nas feirinhas de vinil. A influência do DK é atestada pela longevidade. Fresh Fruit… permanece atual.
Marcelo Viegas (Editor do livro Dead Kennedys. Os Primeiros Anos – Editora Ideal)

Foto: Alison Braun

Na segunda metade dos anos 80, São Paulo passou pela epidemia do skate. Fui acometido e descobri que os skatistas ouviam um tipo de música que causava a mesma sensação de adrenalina que eu sentia ao descer uma ladeira. Descobri também que a banda punk favorita deles eram os Dead Kennedys. Num sábado à noite em 1988, o lendário programa de skate Grito da Rua passou um vídeo com eles tocando “MTV Get Off The Air”. Fiquei de queixo caído. Era punk, mas de um jeito feito sob medida para nerds como eu. Eles usavam roupas “normais”, o baixista parecia o Jerry Lewis e a música era grudenta, forte, criativa e ao mesmo tempo futurista, citando temas de faroeste, surf music e o diabo a quatro. Eu já sabia que o punk tinha músculos e dentes e gostava disso. Mas descobri ali que o punk também tinha cérebro. Eu nunca poderia ser o Bob Cuspe, mas talvez pudesse ser como os Dead Kennedys. Alguns anos depois formei minha primeira banda e levei o Fresh Fruit… no ensaio. Meus amigos não entenderam nada. Disseram que era “muito barulho”, riram da voz do Jello e dos nomes das músicas. Acabei deixando-nos para trás e montei uma sequência de bandas que duram até hoje, sempre seguindo a mesma fórmula do que vi naquele sábado à noite de 1988, no “Grito da Rua”, baseada na mistura de agressão sonora e liberdade criativa que falam com corpo, alma e cérebro. Tudo que sempre precisei saber sobre o punk está nesse disco. Continuo voltando a ele sempre que preciso de direção e sigo me surpreendendo. Sem esse disco eu não estaria aqui, agora, escrevendo isso.
Pedro Carvalho (Futuro / B’urst! / Modulares / ex-I Shot Cyrus)

Resumir em poucas linhas o que esse disco representa pra mim é uma missão impossível, mas o que rolou foi que em maio de 1988 eu saí pra comprar um LP do Tankard (até então eu só ouvia metal) e acabei comprando esse Dead Kennedys, que resolvi arriscar depois de ouvir falar que “DK era som de skatista”. Chegando em casa, rasguei o plástico e fui surpreendido por aquela bolacha branca, lindona, espetei ela no som e… PQP! O que é isso!? Enquanto ouvia o cara cantar as primeiras estrofes de “Kill the Poor”, percebi que os discos das bandas que eu tinha ouvido antes não faziam mais sentido. E, por um bom tempo, foi assim mesmo: eu só ouvia esse disco, todos os dias. Pirava e tentava entender aquele som e aquele pôster (os olhos com duas íris, o Papai Noel tomando uma geral, as frases, as fotos… muita informação). Acho que foi o disco que mais ouvi na vida – e o logo que mais rabisquei em todos os lugares. Nunca mais fui o mesmo. O disco branco dos Kennedys me entortou legal.
Rodrigo Saldanha (Bufo Borealis/ 23:13)

Conheci o Fresh Fruit For Rotting Vegetables nos anos 90. Peguei um CD emprestado com um amigo da Vila Piauí e gravei uma fita k7 que eu ficava ouvindo no walkman. Um tempo depois tirei carta e tive um Uno azul com aqueles toca-fitas de gaveta. Essa rodou muito naquele carro. De um lado tinha o Fresh Fruit For Rotting Vegetables gravado. Do outro, o Blood Sweat and No Tears, do Sick of it All, dois dos discos que eu mais amo nessa vida. Tinha o clássico vinil branco, lançado aqui, mas na época eu consegui comprar o vinil preto mesmo. Em 2019 eu fui viajar pra Europa e vendo o LP pra ajudar a pagar minha passagem… Eu gosto tanto desse disco, que a versão de “California Uber Alles” tem que ser a do Fresh Fruit For Rotting Vegetables, porque tem aquela outra lá do Give Me Convenience or Give Me Death, que é lenta, tenho bode daquela versão. Pra mim o Fresh Fruit… é um dos melhores discos de hardcore de todos os tempos. O Dead Kennedys, junto com Minor Threat e Bad Brains, foi a banda que me colocou nessa paixão pelo som rápido (tu a tu pa tu pa tu pa…)
Thiago Dj (Heavy Pero No Mucho – 89 FM)