Em uma conversa há alguns anos sobre vinil com o idealizador da Marafo Records, Edu Medina, nosso papo desviou para aquilo que fazia sentido ou não ouvir no formato analógico. O que soava melhor, o que era mais legal ouvir na velha bolacha, o som mais vivo, quente.
Certo momento, surgiu o nome de Thelonious Monk, um dos grandes do jazz, predileto aqui da casa e que em 2017 chega aos 100 anos de existência. Sim, existência porque se tem algo que Monk deixou altamente impregnado nesse plano foi sua música e atitude. Intensa, dona de seu tempo e livre. Uma música que não só toca, mas existe de verdade.
Claro que em um sentido metafórico, sem amarras, mas entre justificativas, percepções e preferências, chegamos à conclusão: “Monk é o heavy metal do jazz”. Bingo!
E peso, quando isso se refere à música de Monk, tem de fato essa conotação, digamos, interessante. Outras conclusões também se ascenderam e é sobre isso que queremos falar para homenagear o nascimento de um gênio que, sob nossa ótica referente às artimanhas do jazz, foi do tipo que rompeu com algumas regras, mas nunca com suas próprias.
Por hora, é de bom grado esquecer a técnica como determinante em análise. Vamos ao sentimento como causa.
Sem o atrevimento em dissecar de forma técnica como ele foi genial, vamos ao ponto de como Monk gentilmente conseguia, e ainda consegue, ativar diversos pontos da nossa sensibilidade, esteja ela em um momento tenso ou leve, suave ou bruto, torto ou mais linear. Afinal, Monk tem dessas. Trafega entre extremos e aproxima cabeçudo(a)s e meros admiradores.
Na contracapa do LP Brilliant Corners, Peter Gamble apresenta Monk escrevendo que ele foi um dos principais criadores do bebop. Não só isso, é também, assim como Charlie Parker e Dizzy Gilespe, um dos pais do jazz moderno.
Antes disso, lá nos anos 40, antes de sua música vencer o conservadorismo dos críticos e da grande maioria de seus colegas, ele era esnobado e até tratado como louco. Mas Monk estava à frente e provavelmente não reconhecia aquele tempo e espaço como seus.
É fato que o jazz tenha sim seus métodos, caminhos, regras e possibilidades, mas ainda assim é um lugar possível e transitável. E se na arte os limites existem para serem transpostos, Monk sempre nos pareceu um cara bem atento a isso. Prova disso é uma brincadeira que ele mesmo fazia com seu nome: Thelonious Sphere Monk. Dizia: “alguém com esse nome não pode ser quadrado”.
Nascido em 10 de outubro de 1917, na Carolina do Norte, Monk já tocava piano aos cinco anos só de observar as aulas da irmã. A história conta que ele foi um autodidata, mas há registros de que ele chegou a fazer algumas aulas aos onze anos. Aos 13 foi tocar na igreja e o resto veio com a prática.
O Acervo Folha, em homenagem ao pianista, publicou um fato interessante ocorrido em 1958. Contam que a caminho de um show em Baltimore, o carro em que estava foi parado numa blitz. Os policiais deram ordem para que todos descessem do carro. Sem entender a ordem, Monk ficou lá dentro. Os policiais ficaram bem putos e começaram a atacá-lo com cassetetes. Em um reflexo de sobrevivência, Monk sentou-se sobre suas mãos, a fim de protegê-las.
Antes do brinde final a esse senhor centenário, um outro fato curioso. Em uma das frases resgatadas pelo saxofonista Steve Lacy, amigo do pianista, Monk disse “don’t play everything (or every time). Let some things go by. Some music just imagined. What you don’t play can be more important that what you do” (“Não toque tudo (ou o tempo todo). Deixe algumas coisas acontecerem. Improvise. O que você não toca pode ser mais importante do que o que você toca”).
Mesmo tendo sido convidado a gravar suas composições depois de muito tempo, já aos 30 anos, Monk sempre foi considerado um gênio.
Morreu em 10 de fevereiro de 1982, aos 61 anos, em consequência de uma hemorragia cerebral, acompanhado apenas por sua genialidade. Pagou um preço alto por sua originalidade em uma comunidade rígida, mas ainda assim, morreu como um gênio.
E mesmo que a vida se cale, permanece a música, a única coisa capaz de fazer brotar melodia do mais incômodo silêncio. Assim como Monk fez.