Mais que apenas um estilo de música, o punk sempre foi um encontro daquilo que você sempre procurou com algo que você não sabia onde estava. Uma colisão de crenças de voz niilista, discriminada, periférica e urgente. O punk é sempre para o agora. Três acordes objetivos. Nada passa. É pra já! Por aqui, nosso punk nasceu, em partes, do complemento para sentimentos sem nome e uma raiva que, antes do punk, era desperdiçada, emitida sem endereço. Nosso punk é arte operária, do proletariado. Do povo. Mas e do outro lado do mundo? Finlândia, Suécia, Dinamarca. Como nasceu o movimento por lá? Qual a visão de quem ajudou a edificar uma cena tão influente? São algumas perguntas que tentamos responder conversando diretamente com o V-P Hyvärinen, baterista do Rattus.
O som rápido, desafiador, barulhento, ríspido e esteticamente forte fez do Rattus uma banda decisiva para aquele período que reverberou e muito aqui em nosso país. Nosso punk conversava por cartas, zines e principalmente pela música com o punk escandinavo. Mas vamos deixar pra quem viveu aquele período e ajudou a edificar uma das cenas com mais identidade do mundo.
Aproveita para ler também:
HC Escandinávia – Parte 1
HC Escandinávia – Parte 3
Sounds Like Us: Olá! Antes de mais nada, agradecemos você aceitar falar com a gente. O Rattus significa muito pro punk e pra gente aqui no Brasil. Como o punk tem uma relação forte com a política, conta como era a situação do seu país quando vocês começaram o Rattus?
V-P Hyvärinen: Olá! Começamos há tanto tempo que é difícil de lembrar, mas acho que o punk não foi muito político na Finlândia. Depende do que você quer dizer com política. Pelo menos, no início não tinha nada a ver com partidos políticos. No início dos anos 80, os partidos de esquerda tentaram assumir o controle da cena punk, mas isso não aconteceu.
Sounds: Como o punk entrou na sua vida?
V-P: Antes do punk, eu e o Tomppa escutávamos aquelas bandas com longos solos de guitarra. Nós pegamos o início de bandas como Pelle Miljoona, Damned, Sex Pistols e nada foi igual depois disso. Um pouco depois, nós ficamos muito impressionados com o Discharge.
Sounds: Aqui no Brasil o início do punk foi muito ligado ao trabalhador de baixa renda e à jovens que se identificavam com uma ideologia que visava destruir para depois construir algo mais justo e igualitário. Pra vocês aí na Escandinávia, como foi a origem do movimento punk?
V-P: Bem lá no começo havia uma grande variedade de pessoas na cena punk. Muitas delas eram estudantes universitários e tal. Aí no início dos anos 80 as pessoas inteligentes começaram a direcionar sua música para o new wave e para o mainstream, enquanto os outros começaram a tocar o chamado hardcore.
Sounds: O Rattus tem uma posição política? Você acha que a sua música ajudou a mudar algo para melhor?
V-P: Eu acho que nós não fomos muito políticos. Claro, as pessoas pensam por si, mas em uma banda nem todos têm sempre a mesma opinião. Isso soa mais como um partido político.
Sounds: Existia muita violência no início do movimento punk no país de vocês?
V-P: No final dos anos 70 e início dos anos 80 rolaram alguns problemas com a galera do rockabilly, mas nada sério comparado com a América Latina, por exemplo.
Sounds: Quais foram as bandas que influenciaram a música de vocês?
V-P: Eu acho que a nossa grande influência foi o The Realities of War, do Discharge.
Sounds: Muitas bandas brasileiras, já no início de carreira, tocavam mais rápido do que algumas outras que existiam por aqui. É curioso porque na Finlândia, vocês, o Tampere SS, o Kaaos, o Riistetyt estavam alinhados com o punk mais veloz que bandas como Olho Seco, o Armagedom e o Ratos de Porão estavam fazendo aqui no Brasil. Nos anos 80, vocês já tinham contato com essas bandas brasileiras?
V-P: A gente trocou muitas cartas e algumas fitas cassetes do Brasil nos anos 80. Nosso contato com essas bandas veio principalmente por meio do nosso “manager”, o Voto Vasko.
Sounds: Muita gente, nos anos 80, quando ouvia alguma banda da Finlândia, diziam que o som da língua falada por vocês era parecido com o português. Já ouviram falar disso ou pensaram nisso alguma vez?
V-P: A primeira vez que nós tivemos conhecimento disso foi quando fizemos uma turnê pelo Brasil.
Sounds: Durante todo esse tempo que vocês seguiram fieis ao punk, o que você acha que melhorou e piorou dentro do movimento?
V-P: No começo tudo era tão inocente e havia apenas algumas bandas de punk; todos se conheciam. Hoje em dia há uma variedade de estilos do punk e, na minha opinião, o movimento também é mais puritano. No começo a coisa era sobre todo mundo ser capaz de fazer o que quisesse, mas hoje em dia, às vezes parece que há alguns “policiais do punk” que ficam analisando como todas as coisas deveriam ser feitas.
Sounds: Existem bandas aí Finlândia que você acha que seguiram os passos do Rattus? Quais são elas?
V-P: Eu realmente não sei. Talvez nós tenhamos ficado mais conhecidos fora da Finlândia.
Sounds: O Rattus tá desde 78 no pique e se dedicando ao punk. O que vocês conseguiram conquistar com a banda e o que o punk trouxe de bom pra sua vida?
V-P: Pelo menos nós vimos o mundo de ângulos diferentes e conhecemos muitas pessoas interessantes. A banda nos deu uma oportunidade para dissipar energia e agressão de forma positiva.