Para vir à tona foi preciso que o The Mist, banda formada em Belo Horizonte em 1988, “matasse” algumas histórias. Sendo assim, Vladimir Korg (vocal) deixou o Chakal, um dos grandes alicerces da cena metal mineira. Já Chris Salles (bateria) e Reynaldo Berdam, vinham do Mayhem – não confundir com os noruegueses. Completavam a formação Roberto Lima e Marcello Diaz, o Rapadura, que alguns anos depois se juntaria a Max Cavalera na primeira formação do Soulfly.
Sobre a sua saída do Chakal, Korg contou pra gente que o respeito que ele tem pelo Chakal sempre falou mais alto e que ele é um “espríito inquieto e isso eleva um pouco o ritmo das coisas”. “Não posso querer que as pessoas sigam meu ritmo”, completa.
O lançamento de Phantasmagoria deixou explícito que o The Mist procurava um norte mais desamarrado de algumas convenções que o metal proclamava até ali.
Nosso primeiro contato com o The Mist aconteceu somente no ano seguinte do lançamento de Phatasmagoria. O impacto criou ali uma relação imediata. Ao lado do Sepultura, Mutilator, Attomica e MX, tínhamos então um novo nome preferido no thrash feito por aqui.
É curioso como o nome The Mist veste bem a banda. Naquele 1990 eles transmitiam a ideia de algo nebuloso aos olhos acostumados a alguns limites. Vale reforçar que a representação na capa criada por Kelson Frost (que também fez a capa de Rotting, do Sarcófago) para o disco de estreia foi também importante para gerar toda essa atmosfera que circulava aquele momento.
Sobre o nome da banda, Korg diz que surgiu da música “War and Pain”, do Voivod, gravada no disco de mesmo nome: “Eu realmente amo esse álbum. Ela (a música) começa in the smoke of combat… e não sei por que diabos eu cantava in the mist of combat”. Ele completa: “No Chakal eu tinha feito um refrão com a frase through the mist I watch you decline. Adorava a palavra mist. Quando estávamos procurando nome surgiram alguns como Cancer, e lembro que alguém falou que a gente ia morrer de câncer. Emergency, mas me lembrava ambulância. Até que veio The Mist. Na hora todo mundo achou estranho. Era um nome que não tinha uma tônica. Parecia um zumbido e então falei na cabeça de todo mundo: Mist! Mist! Mist! e acabou ficando”.
Não era raro que as conversas na época desembocassem em como seria o som daquela banda. Sem internet, as conjecturas e palpites ganhavam força, e Phantasmagoria, que em 2019 chega aos 30 anos de vida, foi a resposta ideal para aquele momento do thrash metal brasileiro.
Naquele 1989, Sepultura, Viper e Ratos de Porão viviam seus melhores momentos com Beneath the Remains, Theatre of Fate e Brasil, respectivamente. Além disso, o Overdose, com You´re Really Big, e Sarcófago, com Rotting, foram em direção a construção de uma sonoridade que se confirmaria em seus discos seguintes.
Foi um ano e tanto, mas o The Mist parecia não pertencer àquele 1989. O conteúdo de Phantasmagoria parecia estar à frente. Entre seus contemporâneos, os temas gravitavam em torno da morte, demônios e ocultismo. Já o The Mist parecia buscar metáforas e letras mais, digamos, pessoais.
Ao vivo ninguém saía ileso. Em um show no Dama Xoc que aconteceu em 1991 a distribuição foi fora dos padrões do metal. Vocal na ponta do palco e baixista no centro. “Pareciam o Black Sabbath”, comentou um amigo que estava presente.
“A gente sempre quis dar protagonismo para o baixo e dei a ideia de eu ficar à esquerda, porque acreditava que chamaria menos atenção. Lembro que os técnicos de PA ficavam atordoados com isso porque mudava toda a lógica do mapa de palco que estavam acostumados”, conta Korg. Hoje isso pode até não parecer tão diferente, mas em uma época onde os limites do metal eram mais rigorosos, uma simples troca na formatação de palco causava dano positivo na memória de quem pôde ver de perto essas pequenas quebras de protocolos.
Musicalmente, Phantasmagoria é a cara do thrash metal brasileiro que se formatava naquele tempo. O disco foi gravado no JG Studio e tem aquela sonoridade clássica de outros discos que também foram captados por lá.
Em 1987, uma evolução considerável foi sentida dentro do metal com a chegada de Schizophrenia, do Sepultura, que pra época foi um salto e tanto de qualidade, assim como em Abominable Anno Dominim e Vivendo Cada Dia Mais Sujo e Agressivo, do Chakal e Ratos de Porão respectivamente. Já em 1989, a coisa evoluiu um pouco mais e, além de Phantasmagoria, tivemos o já citado Rotting e Nada é Como Parece, do Lobotomia. Todos gravados no icônico JG Studio.
Em Phantasmagoria, a inaugural “Flying Saucers In The Sky” tem para o The Mist um efeito parecido com o que “Beneath the Remains”, a música, tem para o Sepultura ou “Hell Awaits” para o Salyer. Um excelente ato que se vale de ser a faixa de abertura num tempo onde um álbum era absorvido como tal: com começo, meio e fim. Dessa forma, primeiras músicas eram especiais e “Flying Saucers In The Sky” merece o título.
What would you say
If i told you we’re not alone
An object floating in the sky is not so strange to us now
That science fiction movie seems so real to me now
Vale aqui uma curiosidade interessante. O nome “Flying Saucers In The Sky” veio de “London London”, música de Caetano Veloso, que foi regravada e virou sucesso exaustivo na voz de Paulo Ricardo, do RPM. Korg explica: “Na época o RPM enchia o saco com essa música. O Cello vivia me alugando por causa do título e ele tinha toda razão. Eu tinha chupinhado o nome e colocado uma letra totalmente diferente com uma temática a la Guerra dos Mundos. Coisa de nerd”.
Today I woke up late, but not enough
Don’t wanna feel I’m on the wrong way anymore
Today I saw things happens from the window
I’ve got a nasty soul the devil would love to take to hell
O trecho acima abre “Smiles, Tears And Chaos” sob a linguagem metafórica da banda. Korg conta que ela “fala sobre você se levantar e ter força para continuar. Aquela coisa que o Chico Science falava: ‘um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar’. É uma espécie de libertação, de você tirar todas as suas máscaras e encarar o mundo. É correr de braços abertos no escuro da vida”.
Em todo o disco, assim como a faixa de abertura, “The Enemy”, uma das mais curtas, é também uma das mais melódicas. Existe ali acordes mais obscuros e uma lamúria costurada em notas que se conectavam mais ao heavy metal tradicional.
“Hate” parece ter sido escrita em um fluxo de consciência com uma mensagem que destaca o quanto o ódio pode ser um combustível coletivo, enquanto a alegria dificilmente tem sido compartilhada com a mesma intensidade.
I’m telling ya
Hate makes the world go round
Hate! hate! hate!
Hate in my eyes
Hate in my blood
Hate in my beeing
Phantasmagoria segue sendo um importante registro de um tempo onde o metal vivia seu melhor momento. Um disco que teve um impacto considerável no cenário daquela época e que com o passar dos anos reforçou a ideia de que estava conectado com o que o thrash vinha apresentando.
No fundo, Phantasmagoria é um salto nas possibilidades criativas que existem por trás da neblina que perturba, mas que também acentua as possibilidades que existem na música e na mente de quem enxerga beleza no que não se revela logo de primeira.