Entrevista Faixa a Faixa – Questions

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Foto: Pedro Henrique

Amanda Mont’Alvão e Vinicius Castro

Lutar. Ação intransitiva. Verbo que não exige complemento, que basta por si, mas pede companhia para que a conquista aconteça.

O latim Libertatem! – liberdade, em português – é a nova convocação do Questions. De certa forma, é também um grito inaugural. Traz novos elementos na sonoridade, é mais melódico, com letras escritas em português, gravado em um novo estúdio, com experimentos, tristezas e a certeza de que só “há um caminho a seguir” porque agora “é hora de lutar!”.

Um disco de “primeiras vezes” de uma banda com posição ética já conhecida: música em prol da mudança de pensamento e atitude. É o hardcore positivo vivido pela banda desde 2001.

Sabe aquela sensação de que tudo em um disco está exatamente onde deveria estar? Então, Libertatem! é isso. É o álbum que localiza Eduardo “Revolback” Andrade (vocal), Helio Suzuki (baixo), Eduardo Sasaki (bateria) e Pablo Menna (guitarra) em um ponto onde a inspiração encontra um universo de possibilidades. Em outras palavras, é uma banda em seu melhor momento e isso é sensível para quem escutar o novo trabalho.

Para saber mais sobre o novo registro, convidamos Pablo e Helio para ouvirmos o disco juntos e conversar sobre as histórias e inspirações de cada uma das músicas.

São doze no total. Onze próprias mais o cover de um clássico do Inocentes. O lançamento traz ainda algumas participações especiais. A audição confirma: Libertatem! é um disco, uma mensagem e um grito necessários para os dias de hoje. 

Foto: SOUNDS LIKE US

Sounds Like Us: Para iniciar nosso faixa a faixa, quando e como vocês começaram a estruturar essa ideia de fazer um disco inteiro em português?
Pablo Menna: Começamos a falar mais sobre isso por volta de 2014 ou 2015.

Sounds: Vocês já tinham composto uma música em português, certo?
Pablo: Sim, a “Lutar”.
Helio Suzuki: Era sobra do Push Out of Society. Havíamos gostado bastante do instrumental, mas não tínhamos uma melodia legal pra encaixar, então acabamos deixando ela meio que como lado B. Quando começaram a surgir todas aquelas manifestações no país a gente pensou: “vamos fazer uma música em português porque esse é o momento”. Lembrei que já tínhamos essa faixa instrumental, joguei para os caras a ideia e o Pablo começou a pensar em uma letra.
Pablo: Acabou que o Edu fez a letra. Antes tínhamos chegado a gravá-la para o disco, com uma letra em inglês, mas não estávamos muito felizes. Então ficou fora do álbum. Geralmente essas músicas ficam em uma gaveta que não se abrem nunca mais, né? (risos). Mas o Helinho lembrou dela, o Edu veio com a letra, e devido à situação do país, surgiu a vontade de falar que a realidade está muito estranha, maluca. Como ela já tinha uma base, resolvemos tentar. E eu não tenho o menor constrangimento em dizer que a gente sempre achou muito difícil escrever em português. Por mais que não seja a nossa língua, o inglês sempre foi mais natural pra escrever porque crescemos ouvindo muitas bandas que cantam em inglês.

Sounds: O punk/ hardcore e o rap funcionam muito bem em português, por serem meios de mensagens que precisam de um entendimento mais rápido, eficaz, e sem muita barreira.
Helinho: Sim, sem dúvida.

“ACHISMO”

Sounds: Vamos às faixas? A primeira delas é “Achismo”. Nela já dá pra sentir essa questão convocatória da expressão em português.
Helinho: Sim, fica muito mais na cara! Não tem aquela coisa de “tá legal esse refrão, mas eu preciso ir lá no Google tradutor pra ver o que eles estão falando” (risos).
Pablo: Se você pegar entrevista do Questions lá de 2001, do comecinho, a gente nunca falou que não faria letra em português. Tem umas entrevistas em que a gente fala “é, se eu dia der vontade, a gente tenta”. E chegou esse momento. Toda essa coisa pós eleição de 2014, esse crescendo de insanidade que o país tá vivendo, meio que obrigou a gente a deixar claro a que veio e o que essa banda tem a dizer.

Sounds: O lance da cultura de rua, a ligação com o skate e a música de protesto mostram uma posição do Questions. Sempre nos pareceu um lance de mudar algo no pensamento das pessoas por meio da música, e não ser algo só de entretenimento. E aí em português isso fica mais eficiente, né?
Helinho: A gente acaba trazendo isso não só na música, mas nas artes do Edu (Revolback – vocal) e nos lambe-lambe que a gente cola pela cidade toda. Vai além da música mesmo. É importante levar uma mensagem positiva pra quem tá ouvindo o som da gente.

Eduardo Sasaki e Pablo Menna

Sounds: Gostamos muito da ideia do nome dessa faixa por ser super direto. “Achismo” é uma palavra boa pra ilustrar o que a gente tem lidado ultimamente. A dificuldade de traçar um diálogo com essa coisa inflamatória das redes sociais e de todo mundo se considerar especialista em algo e emitir opinião como verdade unilateral… Vocês estavam incomodados com isso?
Pablo: Uma coisa que incomoda muito é essa destilação de ódio, ofensas horríveis e ameaças como se fosse algo natural.
Helinho: E a troco de nada!
Pablo: É violência de graça. É algo que escancarou um lado das pessoas que a gente sabe que existe. Tem esse sentimento, esse lodo, um rancor dentro delas e isso ficou explícito e incomoda porque não é por aí que vamos conseguir construir algo melhor.

Clipe de “Achismo”. Direção: Luiz Trezeta

Sounds: Falando mais sobre um lance de captação e timbragem, uma coisa que é perceptível no comecinho de “Achismo” é o impacto da palheta nas cordas no riff inicial da música.
Helinho: Tem um segredo… (risos)

Sounds: Olha aí… (risos). Falem um pouco sobre esse processo da gravação, porque dá pra sentir esse disco de um jeito mais orgânico mesmo.
Pablo: A gente queria experimentar outras coisas. Gravamos os últimos discos com o Fernando Sanches, no estúdio Rocha. São discos de que gente gosta muito, mas dessa vez achamos que poderíamos soar diferente. Na época o Rocha tava de mudança de endereço e quando estávamos nos preparando pra gravar nos aproximamos do pessoal do Bulletbane. Falamos com o Fernando Uehara e o Danilo de Souza sobre as nossas ideias e gravamos uma demo lá com eles.
Helinho: Gravamos “Achismo” no começo de 2018.
Pablo: É, alguns meses antes de entrar em estúdio a gente falou “vamos fazer uma música lá com os caras, no estúdio deles”, pra ver como iria soar. Gostamos bastante e resolvemos fazer o disco lá.
Helinho: Eu curto essas paradas de áudio. O Pablo também e a gente ficava sempre trocando umas figurinhas sobre o assunto. Quando decidimos gravar, comecei a fuçar vídeos, ir atrás de timbres, e isso que vocês falaram, que dá pra ouvir a palheta, foi meio que nisso. Em um canal no Youtube eu vi uns truques de gravação e um deles era contando como ter uma palhetada mais brilhante. O cara falava pra colocar um microfone direto na mão da palhetada pra captar o impacto da palheta nas cordas. Levamos essa ideia para os meninos lá e no final ficou foda. É até legal que alguém tenha percebido isso (risos).

Eduardo Sasaki e Helio Susuki durante as gravações de Libertatem!

Sounds: Sim, e é logo na faixa que abre o disco. É uma fase com mais melodias no Questions também?
Helinho: Foi meio natural.
Pablo: O Helinho tá há anos tentando isso… (risos).
Helinho: O começo mesmo foi com a “Achismo”. Fomos para o estúdio com ela já fechada, só que sem nenhuma melodia. Depois de gravar a voz comecei a achar que caberia umas melodias ali. Falei para o Danilo o que eu tinha pensado, ele começou a brincar com umas melodias e a gente ia dando pitacos.

Sounds: E o legal é que ainda é o Questions. Não desconfigurou as características musicais de vocês.
Pablo: Somos uma banda que sempre manteve uma linha de som.

Sounds: Sim, e as métricas de vocal do Edu também, sempre nessa escola Max Cavalera… (risos).
Helinho: O Pablo também sempre manteve os mesmos timbres, mas nesse disco a gente tentou experimentar um pouco mais. Ele [Pablo] nunca tinha usado amplificador Marshall, por exemplo.

Sounds: Você é do time do Peavey 5150?
Pablo: Sim, mas em outras gravações teve menos Peavey do que nessa. Tinha MesaBoogie, Blackstar… Eu nunca fui fiel a um equipamento. Cada gravação foi feita com o que tinha no estúdio, com o que eu conseguia emprestado.

“LUTAR”

Sounds: Quando ouvimos o disco pela primeira vez, comentamos que a palavra lutar é um significante recorrente no que o Questions propõe. E em Libertatem!, quase todas as faixas tem a palavra lutar. O que isso significa pra vocês?
Pablo: É redundante de propósito (risos).

Sounds: Parece um reforço de uma marca mesmo.
Pablo: A gente precisa e vai continuar insistindo nisso. É necessário. É um jeito de dizer que se não nos protegermos e defendermos o que é nosso, a gente tá fudido!
Helio: Estamos ficando cada vez mais às margens da sociedade. Antigamente tínhamos essa noção, mas não tão descaradamente.
Pablo: Temos que falar que não vai ser assim. Não vai ser sem briga! Vão tentar, mas a gente não vai deixar quieto e aceitar.

Clipe de “Lutar”. Fotografia: Luiz Trezeta, Vertão, Pedro Henrique

Sounds: O português é mais eficiente na hora de transmitir a mensagem. Até onde vocês acham que essas mensagens vão chegar pra quem ainda não conhece a banda?
Pablo: É a primeira vez em português, então teve a coisa do desafio. Será que a gente consegue? Mantivemos nossos temas característicos. É um cartão de visita.
Helio: Acho que também vai dar uma renovada no nosso público, sabe? Vai trazer uma galera que curte Dead Fish, por exemplo. A gente tocou com o Pense, no Hangar 110, e muita gente veio dizer que achou o show foda e que não conhecia a banda.

Sounds: Como é ouvir isso depois de quase 20 anos na estrada?
Pablo: Ficamos satisfeitos de pensar que mesmo estando aí todo esse tempo, não quer dizer que a gente conseguiu atingir todo mundo. Muita gente nem sabe quem é o Questions. É um jeito de pensar “pô, temos mais gente pra atingir”.

Sounds: É um jeito de manter o Questions vivo, se renovando.
Helio: Sim, dá uma rejuvenecida. Porque já estamos passando dos 40 anos. Nosso público de 2000 já envelheceu também.
Pablo: Quem veio falar esse tipo de coisa pra gente é tudo molecada de 20 e poucos anos. E essas pessoas falarem que não conheciam a gente e que gostaram, é legal!
Helinho: Saímos de lá renovados. Dá pra continuar a banda por mais uns 10 anos… (risos).

Pablo Menna durante as gravações de Libertatem!

Sounds: Com isso vocês acabam também atravessando diferentes gerações do hardcore.
Pablo: Eu me sentiria estranho se essa conversa viesse de alguém com a nossa idade, tipo “não conhecia vocês”. Então onde você estava nos últimos 20 anos? Porque a gente tava por aí… (risos).
Helio: Pega o Discharge, por exemplo. O público deles é mais velho. Não tem uma molecada curtindo. É um público que envelheceu junto com a banda.
Pablo: Fui no Exploited que teve recentemente. A maioria do público é 30 anos pra mais.
Helio: Público de bandas como Exploited e Discharge é muito fiel. Se tem show você vai ver as mesmas pessoas. No caso do Questions, é muito legal ver uma renovação de público acontecer.

“QUESTIONAMENTOS”

Sounds: Esse é o som mais Sick of it All do disco?
Pablo: Todos são… (risos).
Helinho: Acho que tem de tudo. Tem até Deftones aí, nas guitarras dissonantes.

Sounds: Pois é, íamos chegar neste ponto. É um elemento meio novo nas composições de vocês, não?
Pablo: Nos discos antigos tinha em mínimos detalhes. Nesse buscamos e deixamos aparecer mais.

Edu Revolback gravando os vocais no Estúdio Toth

Sounds: Tem um trecho da letra de “Lutar” que diz que as vitórias nascem do querer e confrontar. É uma frase muito boa e muito forte. Dentro desse contexto, qual é a luta de vocês hoje?
Pablo: A desigualdade é a coisa mais cruel. Vivendo em um lugar como São Paulo, a gente enxerga isso a todo momento. Pessoas completamente miseráveis e outras bilionárias. E parece que tudo bem, sabe? Mas não pode achar isso normal!

Sounds: Vocês acham que o punk/ hardcore perdeu um pouco isso de denunciar os problemas que sempre combateu? Porque vocês sustentam o que o punk SP trazia, aquela coisa das letras do Redson (Cólera), Clemente (Inocentes) e Ariel (Invasores De Cérebro). Vocês acham que se perdeu o papel em trazer o público pra perto do cotidiano real e cruel?
Helio: Tem os dois lados. Tem uma vertente do punk/ hardcore que levou as letras mais para a subjetividade e questões pessoais.

Sounds: E que tudo bem também.
Helinho: Outras bandas continuam trazendo mensagens de protesto, de luta, do problema que está aí e temos que encarar. Entendo o que vocês querem dizer, mas tem uma parcela que optou por escrever letras mais introspectivas, o que não é um problema.

Sounds: E o punk/ hardcore sempre sofreu essa cobrança de ter que ser um movimento que confronte algo e traga mais motivações sociais, questões igualitárias.
Pablo: É um grito de revolta. Esse espírito, pra nós, continua fazendo todo sentido.

Helio gravando os baixos de Libertatem!

Sounds: Existe alguma inspiração específica pra essa faixa?
Pablo: Essa letra é do Edu. Ele buscou inspiração na história do Nelson Mandela. Metade dessa música é um poema escrito por William Ernest Henley. O poema nem tinha nome, mas com o passar dos anos, foi chamado de Invictus. O Mandela tinha isso escrito em um papel que ele guardou pelos 27 anos que ficou preso. Era um texto que o ajudava a encarar aquela situação. O Edu veio com essa ideia e achou que ia encaixar legal na música. E tem o lance meio falado também, mais um dos novos experimentos dentro da banda.

Sounds: A parte falada é o Edu ou é um sample? A gente ia até perguntar porque não parece ele.
Pablo: É, porque não é o vocal do Edu tradicional, gritado. É ele recitando o poema. A história tem tudo a ver com o Questions.

“EXCLUSÃO

Sounds: Vocês já fizeram diversas turnês fora do país e esse lance conservador que estamos observando no Brasil também está acontecendo no mundo. Em algumas das viagens vocês chegaram a perceber alguma diferença? Porque a gente tem a impressão de que aqui no Brasil a coisa tá ainda pior.
Pablo: Em termos de governo absurdo, o Brasil é provavelmente um dos lugares mais terríveis do mundo hoje. A quantidade de barbaridades falada é tratada como algo normal. Em outros lugares do mundo isso é impensável. Na Hungria, que tem o Viktor [Mihály Orbán], e na Polônia, que são lugares em que a extrema direita chegou ao poder sendo eleita, é bizarro. Essa letra tem isso. De falar sobre coisas como preconceito de raça, algo que a gente não precisaria estar falando em pleno 2019, mas vê isso acontecendo. Independente da cor da pele, na Europa muita gente olha pra nós como estrangeiros. E nem todo mundo é simpático.

Sounds: Já rolou algum problema nessas turnês fora do Brasil?
Helio: Não um problema, mas teve uma situação engraçada em Riga, na Letônia. População 100% branca e a gente tava dando um rolê na rua. Na época tinha o outro Pablo que tocava com a gente. Ele tinha uns dreads e tava falando pra gente “sou descendente de austríaco e tal”. Aí passou um menininho que tinha acabado de sair do colégio, cabelo loirinho, e disse pra ele: “nice dreads, nigga!” (risos)

Ao vivo na Rússia

Sounds: Nessa faixa tem o vocal do Gabriel Zander (Zander), né? A gente confessa que achou que fosse o Nenê (Dance of Days).
Helio: (risos) O Badauí (CPM 22) também. Mandei o som e ele me perguntou se era o Nenê que tava cantando (risos).            

Sounds: Como foi a ideia dessa participação?
Pablo: A gente pensou nele pra mixar o disco. Gostamos muito dos timbres de alguns discos que ele fez e aí o Helinho deu a ideia de chamar o Bill [Gabriel] pra mixar. Foi legal pegar alguém que não participou do processo, ouvir aquilo e deixar brotar as ideias da mix. Aí pensamos “o cara tá mixando, tem um estúdio em casa e canta” (risos). Por que não?
Helinho: Um pouco antes da gente começar a gravar o disco, fizemos uma turnê com o Zander e o Boom Boom Kid. Isso aproximou a gente. Eu curto os trampos dele tem um tempo e temos essa cultura de sempre trazer uma participação nos discos. Lance de amizade mesmo.

“FLORAR”

Sounds: Quem escreveu esta letra?
Pablo: É mais uma letra do Edu. O nome foi inspirado na filha do Duzinho, nosso batera, que foi pai recentemente. É mais uma que deixa a mensagem de que por mais que a vida te traga problemas e barreiras, você tem que correr atrás do seu.

Sounds: Essa é uma das músicas mais curtas, né?
Helio: Tipo Minor Threat mesmo. Queríamos fazer uma música rápida.
Pablo: É legal experimentar um monte de coisa, novos elementos, melodias, mas a gente gosta de tocar rápido.
Helio: E temos um baterista que toca incrivelmente rápido e que ao vivo vai tocar com ainda mais velocidade. É uma característica nossa. Como a “SPHC”, do Rise Up.

Sounds: Essa já é um hino, né? Na pegada do que o Agnostic Front fazia no começo, bem Victim in Pain, Last Warning
Helio: Pra cantar junto mesmo! No Fight For What You Believe tem a “Forsaken Value” que é rapidona também.
Pablo: É uma tradição mesmo.

Sounds: Das influências da banda, o que vocês acham que apareceu mais nas músicas de Libertatem!?
Pablo: Tá diversificado entre tudo o que a gente gosta. Um gringo falou uma vez: “vocês são [musicalmente] hardcore Nova Iorque, mas são de São Paulo, e tá cheio de Sepultura no som de vocês” (risos).

Sounds: A gente sempre achou que nas métricas do vocal do Edu têm muito de Sepultura.
Pablo: Os gringos falam muito isso. Uma coisa meio thrash mesmo.
Helio: Algumas bandas, principalmente alemãs, belgas e holandesas, copiam o som e o visual de outros grupos. Soam igual, se vestem igual, abordam os mesmos temas. A gente não quer ser mais uma banda igual.

Edu Revolback no estúdio Toth

Sounds: Por mais que o resultado dentro do hardcore seja parecido, a vivência que o estilo pede também vai ser parecida. Porque todo mundo passa por enfrentamentos, combater algo, questionamentos, então acaba gravitando nos mesmos temas. Mas é diferente quando você vive aquilo e coloca isso no som.
Helio: Não tem como um alemão cantar sobre salário baixo.

Sounds: No comecinho dos anos 2000 vocês lançaram um documentário em VHS com esse nome, né? Que tinha Food 4 Life, Paura…
Pablo: Isso. E aí começamos a usar o SPHC, que é algo que representa muito nosso som, que tem influência de Nova Iorque, mas não é Nova Iorque. É São Paulo!

Sounds: Tinha isso antes, né? De juntar umas bandas e gravar um home vídeo. No metal teve o Combat Tour
Pablo: Teve o New York Hardcore e tinha umas entrevistas que nos motivaram a trocar ideia com as pessoas. Tem quem faz foto, organiza os shows. Tem um monte de gente fazendo coisas para que os eventos aconteçam, então nesse comecinho da banda a gente já quis registrar tudo isso. De lá pra cá o SPHC virou um jeito de identificar o Questions.

“LIBERTATEM!”

Pablo: Essa é uma letra que eu escrevi. Usei metáforas pra dizer que nada vai cair de mão beijada. Se a gente quiser ter alguma coisa, algum direito, vamos ter que construir isso. Não vai cair do céu!

Sounds: Ela tem uma métrica de voz mais melodiosa. Deu um trampo criar e gravar os vocais dessa faixa?
Helio: Tiveram umas duas ou três que foram mais complicadas.
Pablo: Isso é uma coisa que não tem muito nos outros discos. Esse lance de não ter uma parte rápida. A gente já tinha essa música pronta, mas a letra foi uma das últimas que escrevemos. Conversei com o Edu sobre como seria esse som e ele já tinha uma ideia de melodia. Aí eu fiquei com aquilo na cabeça, tentando achar as palavras. Queria que fosse algo mais “poético”. Essa é a minha tentativa de poema.

Sounds: Ficou bem legal!
Pablo: Eu gosto muito. Sei lá, pra outras bandas sei que é muito mais importante dizer o que tem que ser dito, e se a métrica não ficar muito justinha, foda-se, porque o importante é falar aquela frase, daquele jeito, com aquelas palavras. Nossa ideia é fazer uma coisa legal, que tenha sentido, e acho que conseguimos isso.

Helio e Fernando Uehara durante as gravações

Sounds: O Questions tem esse lance da coisa mais NY, do grupo, mas também muita singeleza no sentido de produzir algo. Somos um povo que está se acostumando a só criticar e vocês partem para questões mais sublimes – o próprio elemento da flor na capa é um modo de ilustrar isso. Recentemente estávamos comentando que, do jeito que as coisas estão, talvez a única forma de chegar nas pessoas seja pelo sublime mesmo, pelo toque emocional da arte.
Pablo: E tem uma coisa que é muito comum no hardcore, e que incomoda, que é  glorificação da violência. Muito soco inglês, faca, metralhadora. A gente pensa totalmente diferente disso.

Sounds: A capa de Libertatem! é um jeito de combater isso.
Helio: Sim, os caras estão colocando armas? Vamos colocar uma flor, capa rosa… E sair um pouco do óbvio. Tudo bem, temos discos com capa em preto e branco, por exemplo, mas nossa referência é mais o Discharge do que uma banda tough guy. É positive hardcore!

“TEMPUS”

Sounds: O latim tá bem presente no disco. “Tempus” é mais uma marca da presença da língua.
Pablo: Essa letra é do Edu também e fala sobre como muitas vezes estamos pressionados a seguir uma vida “ideal”, um certo padrão que na verdade não faz sentido. A gente é sugerido a buscar um monte de coisas na vida de que, geralmente, não precisamos.
Helio: Celebrar a vida, né? Os bons momentos.

Edu Revolback escrevendo a letra de “Tempus”

Sounds: É um assunto delicado, mas recentemente tivemos uma perda muito significativa, que foi a do irmão do Duzinho. Essa faixa foi composta antes desse triste momento?
Pablo: Sem problemas. O Fábio é parte da nossa história e sempre vai ser. O disco estava pronto desde o final do ano passado. Pegamos a master em fevereiro e perdemos o Fábio em março. Tava tudo finalizado. Nenhuma letra, nada do que a gente pensou e escreveu tem relação com ele doente. Helio: Cheguei a enviar o disco pra ele ouvir e tal… A homenagem tá na arte do disco.
Pablo: O tempo voa e às vezes é cruel. A música começa falando sobre isso.

Fabio no palco com o Questions durante o show de lançamento do DVD We’re Not Alone. Foto: Pedro Henrique

Sounds: É duro ver a aplicação da música assim de uma forma tão dura…
Helio: Depois disso a letra acaba fazendo até mais sentido.

Sounds: O disco acaba fazendo mais sentido também.
Pablo:
Pra nós é um período que a gente não queria que fosse marcado dessa forma. Perdemos um irmão muito cedo e Libertatem!, entre tantas outras coisas, vai ficar marcado como um álbum concluído com o Fábio ainda presente.

“RAPINA”

Sounds: Riff no 220 volts e o Pablo nos vocais.
Helinho: É a nossa “Busted” [referência à música do Sick of it All, cantada pelo baixista Craig Stari], só que cantada pelo guitarrista.
Pablo: Desde o comecinho da banda eu sempre fiz backing vocals, mas nunca senti que fosse fazer vocal. “Rapina” também foi umas da últimas letras escritas. Sendo bem honesto, o Edu tava lá arrasado depois de gritar o dia todo e eu falei pra ele: “Não vai sair mais música hoje. Vou fazer essa pra você ouvir”.

Pablo gravando os vocais de “Rapina”

Sounds: E ficou bruta, punk old school mesmo, coisas do SUB e tal…
Pablo: Continuo achando que não é minha praia ser vocalista, mas gostei do resultado.

Sounds: O trecho da letra “que país vamos deixar” é uma preocupação do pós 40 anos?
Pablo: A frase é muito inspirada na Flora, filha do Duzinho. Somos de uma geração em que as pessoas estão tendo filhos tarde. E vemos a molecada crescendo, olhamos em volta e nos questionamos “olha que merda que a gente tá fazendo”. Tem uma coisa também da ganância de quem está no poder querer continuar lá e seguir roubando. Rapina, produto de furto.

Eduardo Sasaki e Pablo no estúdio Toth

Sounds: No final ela tem um refrão bem melódico também.
Pablo: Essa eu vou botar na minha conta também (risos). Algumas coisas nós fizemos com o Danilo e ele realmente trouxe ideias que eu jamais faria na guitarra. Na “Tempus” mesmo, tem um treco ali que eu não faria.

Sounds: Na “Rapina” tem uma quebra de ritmo que é bem legal.
Pablo: Ah, o Duzinho é o cara que carrega essa banda nas costas (risos).

“Ilegal”

Sounds: Chegamos ao Questions British Steel e Kill Em’ All!
Pablo: É mesmo? (risos)
Helio: Não tem como negar as raízes.
Pablo: Gosto da comparação porque tem uma raiz nossa de roqueiro. As primeiras bandas da vida são AC/DC e Iron Maiden. Depois Metallica, Slayer, Ratos de Porão e Sepultura.

Helio e Eduardo Sasaki

Sounds: Essa tem a participação do Carl Schwartz, vocal do First Blood, né?
Helio: Conheci o Carl em 2011, numa turnê com o Strife, na Europa. Ele já tinha vindo pra cá com o Terror. Ficamos amigos e voltamos a nos encontrar em 2015. Nessa turnê fizemos uns quatro ou cinco shows com eles. Pra uma banda brasileira, tocar com uma americana dá uma visibilidade grande. Agregou mais público pra gente. Em 2017 voltamos pra lá e nosso público tinha aumentado.

Sounds: A letra é totalmente voltada para o assunto da imigração?
Pablo: Principalmente na Europa, mas temos esse problema aqui. É só ver os bolivianos escravizados, o número de africanos no centro de SP também aumentou muito nos últimos anos. É uma letra sobre direitos humanos e que não existe humano ilegal. O Carl cantar essa faixa é muito significativo, porque ele é norte americano com traços asiáticos. Ele é meio imigrante também, morou em vários países.

Pablo gravando as guitarras

“ATO DE OUSAR”

Sounds: E a história dessa música?
Pablo: Essa é completamente inspirada nos meninos e meninas que ocuparam as escolas quando o Geraldo Alckmin quis mudar os esquemas de um jeito muito autoritário, em 2015. É uma coisa que, confesso, na época, fiquei muito chocado. Crianças de 15 ou 16 anos falando que estavam dispostas a dormir na escola, cozinhar, limpar, enquanto não mudassem aquela lei. Com essa idade eu só queria saber de ir em show, dar rolê. Éramos muito menos conscientes. A molecada foi lá, ocupou a porra toda, segurou um puta de um rojão, e conseguiram mudar a lei. O governo recuou.

Sounds: Dá uma esperança?
Pablo: Dá! Por mais que o horizonte pareça bem ruim, tem essas coisas que nos fazem lembrar que não tem só desgraça. É a coisa da mobilização. Funciona! Se você junta pessoas em torno de um propósito, dá certo.

“VETERANOS”

Sounds: Essa música tem a participação do Ariel, do Invasores de Cérebro. Como é olhar para um cara como ele hoje em dia? Ele e a Tina ainda são uma inspiração pra vocês?
Pablo: O Ariel é do comecinho do Inocentes, que é parte da nossa história. A gente tinha uns 16 anos e o Clemente colava no nosso bairro pra falar de rock, na Casa de Cultura. Ele foi um incentivador. O primeiro cara a falar “meu, vocês cantam em inglês, vão pra Europa!”. O legal é que o Inocentes agora foi para a primeira turnê pela Europa. Estamos orgulhosíssimos disso.
Helio: Sempre que lançávamos um disco, íamos no Showlivre e o Clemente falava “porra, de novo vocês vão pra Europa. Eu nunca fui pra essa porra de Europa aí”. E cara, o mundo inteiro conhece o Inocentes. A [revista] Maximum Rock n’ Roll falava do Inocentes desde a década de 80. É uma banda que merecia muito!  

Danilo de Souza e Fernando Uehara

Sounds: É significativo ter o Clemente, por conta do cover que vocês gravaram, e o Ariel no disco, né? Os dois meio que equilibram alguns sentidos do punk. O Ariel um poeta mais duro, da rua, de arranhar a sociedade. E o Clemente tinha uma escrita mais refinada, mais poética mesmo.
Pablo: Faz total sentido. Eles representam uma geração antes da nossa que tava falando das coisas em que a gente acredita.
Helio: É uma forma de homenagem mesmo.Se não fosse por eles nem estaríamos aqui conversando.

Sounds: O Brasil não tem o costume de valorizar a sua cena, no sentido de um movimento mesmo. Nos EUA e Europa tem mais isso, de registrar e gerar conteúdos sobre essas histórias.
Helio: Somos um país sem história. Não temos nada registrado. Ainda bem que recentemente o João Gordo fez a biografia dele, o Clemente escreveu um livro em parceria com o Marcelo Rubens Paiva – leia aqui], mas o que temos dos anos 80? Nada.

Arrrgghhh

Sounds: A fala do Ariel é um poema do documentário dele, o Ariel, Sempre Pelas Ruas (assista aqui), certo?
Pablo: Sim. Ele basicamente fala esse poema. Achamos que caberia na música. O Edu falou com ele e pediu também uma letra. Então tem as duas coisas. O poema declamado e a letra dele.

“APRENDI A ODIAR” (INOCENTES)

Sounds: Cover do Inocentes, um clássico. De onde veio a ideia de regravar essa música?
Pablo: O Inocentes é uma das bandas de referência pra gente. E a pegada do começo da banda era bem punk.

Sounds: Você ouviram muito o Miséria e Fome na época?
Helio: Sempre ouvi Inocentes pra caralho. Todas as fases mesmo.
Pablo: Quando estávamos gravando lembro do Danilo e o Fernando falando “mano, essa é diferente, né? Não tem melodia, as palhetadas são todas pra baixo, que porra é essa?”. Eles não conheciam, porque é outra geração. Aí falei que esse é o começo, a semente, é de onde viemos.
Helio: Fizemos um disco de covers pra homenagear nossas influências. Isso foi em 2012 ou 2013. Gravamos toda parte instrumental, mas o Edu não gravou nenhum vocal. Tá lá guardado (risos). Na primeira versão, o Pablo cantava.
Pablo: Verdade. Gravei o vocal pra ter de referência e nunca mais mexemos.

Sounds: E sobre a masterização do Alan Douches, o que vocês sentiram de diferente no Libertatem!?
Helio: Fizemos dois trampos antes com o Paul Miner, da Califórnia, que tocava no Death By Stereo e masterizou bandas como Pulley e Strung Out. Foi o Push Out of Society e a música “Lutar”. A masterização lá de fora é melhor. Não sei qual é a mágica, mas depois dos dois trampos que fizemos na gringa resolvemos que a cada novo disco iríamos tentar fazer a masterização fora do Brasil. Para o disco novo pensamos em chamar uma pessoa nova também para a masterização. Comecei a pesquisar e a primeira ideia seria fazer no Blast Room, mas tava caro pra caralho. O segundo era o Alan. Ele masterizou o Wake the Dead, do Comeback Kid, que tem um puta som, volumão, pressão.

Pablo no estúdio Toth

Sounds: Tem um puta som mesmo. Tudo é muito alto no Wake the Dead, mas sem estourar o interferir no som da banda.
Helio: Exato! Eu ouvia muito e pensava “esse disco é fudido!”. Fui olhar a ficha técnica e vi o nome do Alan lá. Mandei um e-mail e ele respondeu no mesmo dia. Aí falei que a referência era o disco do Comeback Kid e ele disse que gostava muito dele também. E tá aí, foi o que saiu. Na minha opinião é o melhor disco do Questions.

Sounds: Olha aí, por isso que a gente defende a ficha técnica nos discos, é importante! (risos)
Pablo: O disco é o registro de um momento da banda, e também de todo mundo que fez aquele registro acontecer. A banda é quem tocou. O som aconteceu daquele jeito porque outras pessoas trabalharam nele.

Edu e Helio entre uma gravação e outra

Sounds: A música tem um lance de transmissão curioso que deixa claro quando uma banda tá feliz gravando um disco. É inexplicável, mas dá pra sentir quando determinado álbum foi feito por uma banda satisfeita com cada nota, acorde, batida, execução…
Helio: Tem aquela coisa de que o último disco é sempre o melhor, mas eu sempre achei que a gente poderia ir mais além, que poderia melhorar. Com Libertatem! a gente chegou nisso!
Pablo: Concordo com o Helinho. Esse é um disco diferente. Colocamos várias coisas novas no som e tal. A gente tá ali. Ainda é o Questions.

Sounds: E quais os próximos passos da banda? Tem essa turnê no México agora, né?
Helio: Quase todo ano nós vamos pra Europa, mas dessa vez pensamos melhor, e como já tínhamos ido seis vezes, traçamos uma coisa nova. Faz anos que eu to batendo na tecla do México, por exemplo. E vai rolar. Tem um festival lá que chama Off Limits. Até o Ratos de Porão tocou lá no ano passado. Entrei em contato e marcamos. Vão ser sete shows no México.

Cartaz com o line up do festival Off Limits, que vai acontecer no Mexico

Sounds: Vocês não parecem ter levado as coisas que envolvem o Questions para um lado profissional, no sentido de perder o encantamento com o que envolve a banda.
Pablo: Fazemos questão de manter não profissional. Ainda é um lance amador, no sentido de quem ama mesmo.
Helio: O João Gordo diz que ele é um profissional do barulho. Acho que isso serve bem. Somos amigos, moramos no mesmo bairro até hoje e por isso essa questão do profissional fica um pouco de lado. Não temos a obrigação de ter que ficar fazendo disco, tocando. Todo mundo sabe que no Brasil ninguém vai viver de banda. A gente coloca o profissionalismo nos registros, na qualidade do show, artes. Temos um compromisso com a banda!

Sounds: O que é o Questions pra vocês?
Pablo: A alegria de estar entre amigos, fazendo o que gosta.