Vinicius Castro
É interessante como algumas bandas ou artistas mantêm o passado ativo, não só na lembrança como na conduta que escolheram seguir. Dessa forma, é quase como se o tal passado fosse passado a limpo no presente, onde permanece uma construção diária baseada nos caminhos definidos na mocidade.
Por toda discografia do Carcass existiram passagens pelo splatter death metal, grindcore, metal e até por um ambiente, na fase Swansong, mais death n’roll, seja lá o que isso signifique. O ponto é que antes de formar o Carcass, ali na primeira metade da década de 80, alguns dos seus integrantes já escreviam seu nome no underground tocando em bandas de crust/ punk.
O flerte da música extrema com punk – nesse caso, leia-se grindcore – é fato sabido dentro da arte subterrânea. Os dois universos edificaram sua história repleta de desobediência e ruído sob temáticas sociais por meio de uma musicalidade áspera, ríspida e tão brutal quanto a realidade que ela traduz.
Era 1985 e Bill Steer, o cara que pouco depois seria o responsável pelos riffs monstruosos do Napalm Death e do Carcass, passou antes por um meteoro punk formado em Liverpool, o Disattack.
Além de Steer, a banda contava com o vocalista Pek, o baixista Paul e o baterista Middie. Sujo e punk até o osso, o Disattack vivia a sob os incentivos da cultura do it yourself. Além da música, criou também seu próprio zine, batizado de Phoenix From the Crypt.
Mesmo durando pouquíssimo tempo, o Disattack deixou seu barulho registrado em uma demo-tape, A Bomb Drops, lançada em 1986. Existe também uma gravação de um ensaio do Carcass com algumas músicas que eram do Disattack e covers de bandas como S.O.D e Onslaught. A qualidade da gravação é precária e, ainda que seja quase inaudível, o que vale neste caso é o contexto histórico de um registro pré-Carcass.
Pouco tempo depois, Bill Steer deixaria a banda para tocar no Carcass e no Napalm Death, onde gravaria apenas três discos: Scum, um marco na história do grind, From Enslavememt To Obliteration e o EP Mentaly Murdered. Depois disso, ele largaria o Napalm Deathm para se dedicar somente ao Carcass.
Além de Steer, outro integrante original que antes de formar o Carcass conviveu com o punk dos anos 80 foi o jovem Jeff Walker, que passou por uma das bandas prediletas aqui da casa, o Electro Hippies.
Ao Westword, Walker disse que cresceu em meio ao rock mais clássico, mas também mergulhou no Sex Pistols. Quando entrou para o Electro Hippies, Walker tinha por volta de 15 ou 16 anos. “Era uma banda de crossover fortemente influenciada por Siege, D.R.I e M.D.C. e por bandas de thrash metal como Slayer”.
Na foto abaixo, tirada em 1986, dá pra ver a formação do Electro Hippies com Jeff Walker. Também na foto, o jovem Richard David James, que ficou mundialmente conhecido como Aphex Twin, grande fã do Electro Hippies, no canto superior direito.
Em sua essência, o Electro Hippies era uma banda punk com letras sobre vegetarianismo e o direito dos animais, posicionamento que Walker ainda defende em entrevistas. Musicalmente, o que sempre chamou nossa atenção é a versatilidade criativa com que o Electro Hippies compunha seu próprio barulho cheio de referências ao grind, metal e ao punk, claro.
Ao contrário do grindcore esporrento pelo qual ficou conhecido, na virada da década de 80 para a de 90, o Carcass deu uma refinada na sua musicalidade e para a gravação de Necroticism – Descanting the Insalubrious convocou um segundo guitarrista, Michael Amott, um sueco que, adivinhem, também vinha do cenário punk.
O Disaccord foi formado em Halmstad, na Suécia. A banda fez alguns shows pela Suécia ao lado de nomes conhecidos do movimento punk/ crust como Rövsvett e G-anx, por exemplo. Amott ficou na banda entre nos anos de 1983/ 1984 e 1986/ 1988.
Com o fim do Disaccord os irmãos Novak montaram o Smooth & Greedy. A sonoridade ainda era o punk, mas o nível de barulho era mais brando. O Smooth & Greedy seguia uma linha mais próxima do Social Distortion e Ramones.
Com o fim do Disaccord, Amott integrou o Carnage, um dos grandes nomes que ajudaram a dar início ao death metal sueco. Depois disso foi para o Carcass, claro, e hoje se mantém na ativa com o Arch Enemy, referência no assim chamado death metal melódico(?), mesmo que as palavras death metal e melódico não convivam muito bem.
Ainda que Jeff Walker, Bill Steer e Michael Amott tenham ganhado destaque trafegando em ramificações do metal, não nos surpreende que os três tenham construído suas identidades por meio do punk. Na verdade até nos torna ainda mais admiradores do barulho que eles construíram por todos esses anos dedicados ao lado extremo da arte.
Pode parecer estranho, mas até que cabe um toque de Carlos Drummond de Andrade para ajudar a ilustrar a história do Carcass antes do Carcass. Ao final de “Ano Passado”, o poeta escreveu: “não consigo evacuar o ano passado”. Tão escatológico quanto o Carcass. Tão intenso quanto o passado.