Vinicius Castro

Tremenda redundância dizer que o Soundgarden é uma das principais bandas do grunge. Mais redundante ainda seria dizer que eles são uma das melhores bandas que a saudosa década de 90 trouxe de presente.

No início, comparações não faltaram. Led Zeppelin, Black Sabbath, Stooges, MC5. E o Soundgarden era bem isso. Peso, técnica, muita qualidade e atitude. Quase punk. Tinha energia, explosão e urgência, mas o punk era um tanto restrito pra eles. Quase metal. Tinha os riffs descendentes do Black Sabbath, o groove que vinha do Led Zeppelin, os solos de guitarra e muita criatividade. Mas ainda era pouco. O metal não aceitaria qualquer flerte que pudesse rasurar a imagem do estilo e o Soundgarden não parecia ser o tipo de banda que se enquadraria nessa “norma”. As tentativas foram numerosas, mas o Soundgarden queria romper com o glam, o hard rock e com o mainstream da época que a distante Seattle só via de relance.

A cidade não era muito visitada por grandes bandas e suas turnês. A parte boa? Estar fora da rota favoreceu a inquietação criativa de Chris Cornell, Kim Thayil e Hiro Yamamoto e gerou a primeira combinação do que viria a ser o Soundgarden.

A banda nasceu em um período de extrema eloquência criativa. Vimos e ouvimos o nascer de discos que ajudaram a mudara o curso da música, definiram o caráter de muita gente e injetaram criatividade em cada garagem ocupada por essa paixão incontrolável que só a música é capaz causar.

Em 1984 o Hüsker Dü lançou o seu Zen Arcade, o Black Flag veio com My War e o Angelic Upstarts lançou Last Tango In Moscow. Teve também o primeiro do Bathory, Powerslave, do Iron Maiden, e Ride The Lighting, do Metallica. Isso só para citar algumas maravilhas que fizeram daquele 1984 um ano ao qual seremos gratos eternamente.

Ainda no mesmo período, lá em Seattle, outra banda começava a dar seus primeiros acordes. Era o Green River, que contava com Mark Arm e Steven Turner, do Mudhoney, e Stone Gossard e Jeff Ament, do Pearl Jam. Com isso, longe de qualquer receio, podemos dizer que o Soundgarden, ao lado do Green River, foi uma banda seminal para a criação do movimento que ficou mundialmente conhecido como grunge.

O Soundgarden lançou seis discos. O grande encontro entre nós fãs e a banda foi em Ultramega OK, primeiro álbum dos caras. Antes disso, eles tinham lançado dois EPs pela Sub Pop, gravadora de Bruce Pavitt, amigo de longa data do primeiro baixista da banda, Hiro Yamamoto e do guitarrista Kim Thayil. Antes de gravar Ultramega OK, eles foram bastante assediados, mas recusaram todas as ofertas de grandes gravadoras para ficar com a SST, selo de Greg Ginn, do Black Flag. Era o espírito punk falando alto na postura da banda.

Pouco depois, assinaram com a A&M e aí veio o incrível Louder Than Love. Um grande disco, com uma produção mais polida que a de seu antecessor. E aí a coisa deslanchou. Depois disso, Badmotorfinger elevou muito o nível do impacto que eles tiveram no rock alternativo. O reconhecimento ficou ainda mais elástico com a chegada de Superunknown e Down on the Upside que transformaram o Soundgarden em um dos nomes mais queridos da tal cena grunge. Mas, junto com o grande reconhecimento, veio também uma interrupção nas atividades da banda. O cansaço e a ultra exposição não faziam mais parte do que a banda queria. Depois de um hiato, em 2010 o Soundgarden voltou à ativa e depois de 16 anos sem gravar nenhum disco oficial, lançaram King Animal.

É inegável a importância que o Soundgarden tem não só para toda aquela cena de Seattle, como para a música no geral. Por esse motivo, a gente quer convidar vocês para um passeio pela discografia da banda.

Escolhemos uma música de cada disco e comentamos cada uma delas. Também preparamos uma playlist pra você ouvir enquanto lê e mergulha sem medo na viagem de tempos quebrados, riffs pesados e, ao mesmo tempo, marcantes, e da poesia presente nas letras obscuras que ajudaram a construir o universo do Soundgarden. Uma banda que sempre indicou movimentos e direções que iam muito além do metal, do hard rock, do punk ou mesmo do grunge.

“Entering”
Screaming Life (EP)
Sub Pop (1987)

Quando o Soundgarden lançou seu primeiro EP, o grunge ainda não ditava a moda. Screaming Life tem muito daquilo que pouco mais tarde também ouviríamos em Bleach, do Nirvana. Uma sonoridade crua, fresca, com muito do punk feito naquela costa dos EUA, e um aditivo de Melvins.

Entre as faixas, “Entering” é a mais interessante por fugir um pouco dos riffs Black Sabbath e dos andamentos mais, digamos, carregados. É uma música que concentra seu charme no groove e na entrega e potência que só a ingenuidade pode oferecer.

“Kingdom of Come”
Fopp (EP)
Sub Pop (1988)

Mesmo em momentos mais objetivos, o Soundgarden consegue manter em sua sonoridade os elementos que caracterizam suas peculiaridades. É o que ocorre em Fopp e sua proximidade do proto punk do MC5 e de contemporâneos, como o Mudhoney, por exemplo.

Não é das sonoridades mais criativas, mas ainda assim é bem interessante. Ficamos na dúvida entre “Sub Pop Rock City” e “Kingdom of Come” e a última saiu vencedora. Simples, objetiva, mas sem os riffs pesados e de tempos quebrados, uma das principais e mais legais marcas do Soundgarden.

“Flower”
Ultramega OK
SST (1988)

Na contramão do que ouviríamos nos álbuns seguintes, “Flower” é uma música com toques psicodélicos principalmente na linha vocal de Chris Cornell. Nada dos gritos e tons lá em cima. É um Cornell envolvido em melodias estendidas sob riffs lineares e é aí que está a graça. É a primeira música do primeiro disco. A impressão é que, por soar um pouco diferente de todo o resto, “Flower” talvez tenha sido composta nos momentos finais. Não sabemos. O certo é que Ultramega OK é um grande disco e “Flower” sintetiza muito bem aquele período.

“Gun”
Louder Than Love
A&M (1989)

Rolou uma dúvida por aqui. A memória afetiva em relação a “Full On Kevin’s Mom” ou a representatividade que “Gun” dava àquele período em que a banda se encontrava? A primeira entra na cota das músicas mais aceleradas que transitam por cada um dos discos. Mas “Gun” é forte, dona de um riff poderoso, no melhor estilo Black Sabbath, que nesse disco começou a botar as manguinhas de fora.

Se em Ultramega OK o Soundgarden ainda tentava se encontrar dentro de todas as suas possibilidades, em Louder Than Love a coisa começou a se encaixar de vez. “Gun” é uma boa comprovação de que, naquele já longínquo 1989, era possível seguir por uma trilha que hoje sofre com a superexposição, mas que no final da década de 80 ainda era um tanto nova.

“Jesus Christ Pose”
Badmotorfinger
A& M (1991)

Não é exagero dizer que, musicalmente, 1991 foi um dos anos mais produtivos. Badmotorfinger foi uma das pílulas responsáveis por toda aquela efervescência cultural, musical e social. E se nos dois primeiros discos eles colocavam Stooges e o Led Zeppelin pra dançar no mesmo baile, em Badmotorfinger o Soundgarden trouxe mais do Black Sabbath e do Killing Joke pra deixar tudo ainda mais pesado e sombrio.

Muitos pontos podem justificar o fato de Badmotorfinger ser o melhor disco da banda, mas está em “Jesus Christ Pose” o poder da onipresença. Embora outras pérolas como “Slaves & Bulldozers” e “Rust in Cage” sejam incríveis, foi realmente diferente o impacto de “Jesus Christ Pose”. Uma sensação de paralisia diante do andamento tenso e dos elementos que despontavam em doses homeopáticas de cada instante da música. Naquele momento, mesmo ofuscado pelo sucesso de Nevermind, Badmotorfinger era vital, e “Jesus Christ Pose” é uma música que ainda soa poderosa. Vence os limites de tempo e espaço com a mesma facilidade com que Kim e Cornell parecem criar riffs atemporais.

“The Day I Tried to Live”
Superunknown
A&M (1994)

O Soundgarden sempre mostrou grande facilidade em fazer com que andamentos complexos e intrincados soassem agradáveis aos ouvidos. Facilidade que você pode encontrar em “My Wave”, “Spoonman” e na maravilhosa “The Day I Tried to Live”, nossa queridinha do disco, embora, vale lembrar, ela dispute a posição acirrada com “Head Down”.

“The Day I Tried to Live” é um hit completo que fala sobre fracasso e derrota. Parte dela diz The lives we make / Never seem to ever get us anywhere / But dead. De causar inveja até em Robert Smith (The Cure), né?

“Blow Up The Outside World”
Down On The Upside
A&M (1996)

Down On The Upside é um disco bem dividido. Um lado caminha para coisas mais melodiosas, enquanto o outro pende para as experimentações e o uso de instrumentos diferentes, como banjo em “Ty Cob”, por exemplo.

Era um tempo propício para tentar renovar um grunge já cansado e perto do final do seu ciclo. O Pearl Jam fez bonito com o introspectivo No Code; o Stone Temple Pilots, contemporâneo das bandas de Seattle, arrebentou com Tiny Music… e, um ano antes, o Smashing Pumpkins ultrapassou todos os limites com o mega Mellon Collie and the Infinite Sadness. As rádios refletiam o domínio e a chegada do nu-metal e do pós grunge do Creed, Dishwalla e Nixons, que dominavam as FMs fazendo o Soundgarden soar, para alguns, como “coisa do passado”.

A tentativa de se manter relevante era refletida na maturidade despreocupada com o que fossem ou não pensar. Down On The Upside é um disco sereno e “Blow Up The Outside World” reflete o humor da banda frente a dualidade de estarem longe de ser uma novidade e de não se enquadrarem entre os gigantes do rock/ metal, porém, de serem uma banda com assinatura inigualável.

“Blood On The Valley Floor”
King Animal
Seven Four Entertainment / Republic (2012)

Mais de uma década depois do último disco e o Soundgarden fez o que se espera de uma grande banda de rock. Lançou um novo álbum como se nada tivesse acontecido. Fizeram pouco caso do desgaste e sapatearam em cima de alguns dizeres que tentaram derramar algum tipo de dúvida sobre sua relevância.

King Animal é um grande disco. Uma sequência de Down On The Upside sem o menor sinal de outro interesse que não a música. “By Crooked Steps” é incrível, “Bones of Birds” também, mas “Blood On The Valley Floor” mostra o quanto o Soundgarden ainda soava como Soundgarden. É quase uma profecia: uma vez em contato com o vírus Black Sabbath, nunca mais se livrarás dele.

“Blood On The Valley Floor” é construída em cima de um riff pesadão e um bridge etéreo. Perfeita para finalizar nossa lista e reforçar que, quando a música acena, seu chamado é irrevogável e o Soundgarden sempre seguirá vivo em sua forma mais plena, de um jeito lindo, dando vida a algo que nem o tempo pode apagar: a música.