Existem bandas que se destacam pelo peso. Outras pela atitude e ousadia em procurar sempre algo novo e diferente como direcionamento. Algumas ganham notoriedade pela integridade com que cercam um terreno que requer esforço e tratamento insistente para que renda bons frutos e boas músicas. O Carahter chega aos 15 anos de banda sustentando todos esses requisitos. Entre idas, vindas, tretas, términos, turnês, autoconhecimento e ansiedades mistas, eles sempre reataram com a música em que sempre acreditaram, e essa sinceridade brilha quando a banda faz o que sabe fazer melhor: música com alma.
Fomos até um dos bares mais legais e com os melhores drinks de São Paulo, o FFFront, entrevistar esse grupo de amigos vindos de Minas Gerais, que brigam e se zoam como irmãos e se protegem como um organismo criado sob a legitimidade do punk/hardcore e a lealdade do metal.
Entre carimbos no passaporte para países da Europa e Américas, o Carahter foi uma das primeiras bandas brasileiras a encarar uma turnê internacional no esquema underground. Em 2016 a banda chega com promessa de um novo disco, que logo mais estará por aí, refletindo esse “mínimo somador comum” do pacote que envolve uma convivência mais leve e tranquila, tanto musical como pessoal. Na estrada da boa música, o Carahter não passou ileso, mas sobreviveu com integridade dentro do sucesso que alcançaram. Sim, porque nesse mundo da música marginal, sucesso e dinheiro não convivem. Sucesso é fazer a música em que se acredita.
Reunimos a formação completa para esta entrevista de comemoração. Foi uma conversa cheia de boa vibe, muitas risadas e curiosidades sobre a história de uma das bandas mais respeitadas e competentes do underground do nosso Brasil .
Sounds Like Us: Como tá o Carahter hoje? Como foi o início de tudo?
Renato: A gente começou há longos 15 anos, em 2001. Os caras tinham uma banda, o Ride 4 A Fall. Eu era do Contrataque, que era mais power violence. Aí o Ride 4 a Fall acabou e os caras queriam montar um lance mais pesadão.
Sounds: Em que ano é isso, mais ou menos?
Renato: 2001 mesmo. Os caras me chamaram, mas no início eu relutei porque eu tava empolgado com o Contra-Ataque, mas aí a gente começou e gravamos uma demo rapidão.
Grilo: Eu acho que uma coisa que a gente fez na época, que eu não lembro de ninguém ter feito, foi ter algo gravado antes de a banda existir para os outros. Quase ninguém sabia da banda, e só depois de gravar uma demo que a gente foi fazer o primeiro show. Era uma coisa diferente do que todos nós já havíamos feito e eu acho que foi legal na época.
Renato: Aí em 2002 a gente lançou o Intenso Desespero Sobre a Decadência Humana, pela Liberation.
Sounds: Que foi bem, né? Esse disco teve uma boa repercussão.
Renato: Esgotou. Aí a gente começou a tocar, tocar, tocar. Fomos para a Argentina.
Sounds: Esse foi o disco que levou vocês pra tocar fora do Brasil, certo?
Renato: Tocamos na Argentina, Chile, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Espírito Santo…tocamos bem. Depois a gente foi pra Europa em 2004 e pô, experiência fodassa. E em 2005 a banda acabou pela primeira vez (risos).
Sounds: E como foi esse rolê na Europa? As sensações, experiências e as conquistas musical e pessoalmente falando.
Digo: Pô, foi muito foda, cara. Foi o começo do fim, né (risos). Por minha causa (risos).
Sounds: Por quê?
Digo: O Debarry saiu da banda em março pra tocar em uma outra banda em Los Angeles (EUA). A formação que foi pra Los Angeles era talentosa musicalmente, mas o baixista que eles levaram não era amigo e aí a convivência deu errado. Uma semana antes de a gente ir para a Europa, o PH, que era baterista dessa banda, e o Felipe, que era o vocalista, foram lá em casa e me chamaram. “Cara, você quer ir pra Los Angeles tocar com a gente?” E foi isso, nosso último show na Europa foi em Londres. Eu cheguei antes do show e disse: “galera, amanhã eu tô indo pra Los Angeles”.
Renato: Aí o Carahter continuou depois disso, sem o Digo e o Debarry.
Digo: Depois o Grilo foi para Los Angeles tentar ter o Carahter lá, só que o Renato não pôde ir. Aí a gente ficou naquela busca. Não sabíamos se o Renato ainda era da banda ou não, tentamos até achar um vocalista americano.
Sounds: Isso já é na época do Civilian?
Digo: Não.
Renato: O Carahter é cheio de idas e vindas. A história é complexa (risos). Em 2005 os caras foram pra LA e eu dei pra trás. Enfim, brigamos, aquela história. Na verdade foi 2006, né cara?
Grilo: Na verdade isso já é 2006, porque a gente foi no fim de 2005.
Renato: Depois, quando todo mundo voltou para Belo Horizonte, a gente falou de voltar e foi quando lançamos aquelas músicas: “Jackpine Gypsy, “Time in Hell”, “Your Saints My Demons” e em 2011 fizemos uma porrada de show legal.
Sounds: Foi nessa época que vocês decidiram redirecionar o som da banda?
Renato: Foi.
Sounds: No começo a banda passeava mais pelo hardcore com sinais de metal, né?
Digo: Eu acho que a mudada foi em Los Angeles, cara.
Sounds: Por causa das referências e novidades a que vocês foram expostos lá?
Digo: Pelo que a gente tava vendo lá. A gente viu uma cena toda começando. O primeiro show que vi lá foi o Mastodon tocando o Leviathan. Foi uma tapa na minha cara. Aí eu falei “nuuu, existe isso!”. Eu fiquei impressionado. Aí essas bandas eram mais progressivas, né.
Renato: Neurosis a gente sempre foi fã.
Digo: É.
Sounds: Mas não refletia muito no som, né?
Digo: Tipo o Dillinger Escape Plan, que eu tinha um preconceito. Foi o segundo show que eu fui lá (nos EUA) e foi tipo: “o que é isso que esses caras tão fazendo!!!”, sabe? A performance visceral, a precisão norte-americana, aquilo me espantou.
Renato: E tudo isso influenciou as músicas de 2011. Fizemos uma porrada de show legal: as Verduradas, com o Heaven Shall Burn, Ratos de Porão, Krisiun, Bring me the Horizon, As I Lay Diying. A gente voltou com tudo e em 2012 a gente ia gravar o segundo disco, que estamos gravando agora, mas deu ruim (RISOS).
Sounds: O que deu ruim desta vez?
Renato: Fui eu (RISOS). Ah cara, a gente ficou um tempão sem tocar, já entrou direto em estúdio, eu também tava numa fase confusa da minha vida e acabamos tretando. Foi nessa época que eles montaram o Civilian. Foi meio traumático. Logo depois o Debarry casou (risos). Vai vendo a novela (risos). Porque é isso, banda é a vida, são vidas entrelaçadas. Não é simplesmente chegar e tocar. A gente é irmão mesmo.
Sounds: E irmão briga, né.
Renato: Eu e o Grilo somos amigos há 20 anos. Conheci o Digo em 96 e o Debarry em 97. O Pudi é irmão do Digo, ele ia nos ensaios do Carahter quando ainda era uma criança.
Digo: A diferença de idade entre a gente são uns sete anos. Quando fomos pra Europa, tiramos uma foto no aeroporto e o Pudi tava com 12 anos, cara.
Renato: Aí eu saí da banda. Fui saído (risos), briguei com os caras e foi um período muito ruim porque po, irmão né, brigar é uma merda. No casamento do Debarry ele fez questão de me convidar, fez questão que eu fosse mesmo.
Digo: O casamento não foi em BH.
Renato: Foi numa cidade no interior de Minas Gerais, chamada Ponte Nova. Foi aí que o Carahter voltou.
Debarry: O Grilo voltou a beber (risos). Convidaram a gente pra fazer o Exhale the Sound, que seria um show de reunião. A gente topou, o show foi muito legal e acho que, naturalmente, a gente foi voltando.
Renato: Na verdade, como sempre, a gente enrolou. Tocamos e “vamos voltar e tal”, e ficamos um ano sem fazer porra nenhuma (risos).
Grilo: Mas definitivamente esse show do Exhale the Sound foi o ponto-chave. A gente tinha voltado a ser amigo, mas não tinha conversa de banda. Rolou esse convite, foi muito interessante para a banda e deu uma reanimada. Nesta segunda fase (2011) a gente não tocava nenhuma música antiga. Nem do disco, nem da demo. A gente tava em outra onda. E nesse show pensamos “se alguém vai pra ver um show de reunião, não faz sentido tocar músicas que ninguém conhece. Vamos tocar as músicas velhas”.
Renato: Esse reencontro com as raízes foi foda!
Grilo: Deu mó trampo, a gente nem lembrava como tocava e tivemos que reaprender as músicas mesmo. Foi legal porque a gente tinha meio que as renegado e aí a gente falou “cara, essas músicas são legais!”.
Renato: Hoje a gente toca tudo. De coisas antigas até as músicas que vão sair agora. E o legal, acho que os caras concordam comigo, é que o processo para o show do Exhale the Sound foi muito foda. Os ensaios, as reuniões…
Grilo: O fato de TER banda de novo, sabe?
Renato: Era uma energia fudida nos ensaios.
Debarry: Na volta, em 2011, a gente se levou muito a sério e eu acho que essa ansiedade atrapalhou, trouxe essas brigas e muita expectativa também. Na época do Exhale the Sound, foi tudo muito suave, a gente tava muito mais tranquilo e acho que isso ajudou a gente a ficar mais afim de tocar mesmo.
Sounds: Nessa volta rolou tocar com o Cannibal Corpse e o show com o Testament. Vocês acham que a banda estava mais preparada, mais madura para viver tudo isso? Hoje, como vocês enxergam o Carahter?
Digo: A gente tá menos ansioso. Em 2011 eu era muito reprimido e queria fazer o trem do meu jeito. Só que o Renato tinha o jeito dele e cada um tinha o seu. Depois que a banda acabou pela vigésima vez, de 2011 até 2014, o trem ficou mais leve.
Sounds: Se a gente parar pra pensar, essas fases refletiram bastante na música de vocês. O Carahter do início fazia um hardcore mais urgente e “na cara”. Com o tempo vem uma maturidade que também encontra reflexos em um som com mais ambiência, camadas, mais trabalhado e mais solto.
Debarry: É, eu não tinha pensado nisso.
Sounds: Coincide com a maturidade mesmo, talvez. Com quantos anos vocês estão agora?
Renato: Tirando o Pudi, todo mundo tem entre 33 e 35 anos. E isso reflete total, cara. Antes a gente tinha aquele sonho de viver de banda.
Pudi: Hoje eu sinto mais essa questão da maturidade. Uma leveza mesmo na hora de tocar e com o decorrer desse tempo nós nos tornamos melhores músicos também.
Sounds: Dá pra dizer que tudo isso que rolou deixou a banda mais forte.
Renato: Eu falei isso com o Debarry. A gente tava indo para o show com o Testament. Falei “porra cara, eu sinto nesses shows de agora um tesão maior”. Acabou o show e eu tive um sentimento que eu não sentia em 2011. Que é aquele “PORRA, FOI FODA!”. Em 2011 era foda, mas eu sentia que era meio na trave e a gente tava desconfortável com nós mesmos.
Debarry: O próprio disco ter saído é uma prova disso. Antes era aquela coisa “vamos fazer três músicas”. Aí depois “vamos gravar mais quatro”. Hoje tá lá, tá gravado e esse fato de ter relaxado ajudou muito.
Sounds: E nesse tempo todo, desde o comecinho até 2011, as tretas, mudou o objetivo de vocês com a banda?
Renato: Quando a gente foi pra Europa, querendo ou não, todo mundo tinha o sonho de viver de banda.
Grilo: O lance de ir pra Los Angeles era isso. A gente foi pra Europa, tocávamos dez shows seguidos, descansávamos um, fazíamos mais quatro e descansávamos mais um.
Sounds: Vocês e o Point of No Return foram uma das primeiras bandas a fazer isso.
Renato: O Point of No Return foi a primeira.
Grilo: O que aconteceu foi que ficamos muito tempo lá. As outras bandas ficavam no máximo um mês, a gente ficou mais de dois meses tocando e alucinados com aquele negócio.
Digo: Cara, 22 anos e fazendo turnê na Europa.
Grilo: Todo mundo largou emprego, faculdade e com esse lance de ter show todo dia, a gente tava muito cansado. Muda de cidade, pega a van, viaja, toca. Não ia ter show em um certo dia. Uns dias antes tava todo mundo “nóóó, podia chegar esse dia logo pra gente dar uma descansada”. Mas um dia antes do show a gente já tava “porra, será que a gente não consegue arrumar um show pra amanhã?”(risos). “Que merda não tocar amanhã”, sabe. Esse sentimento continuou quando a gente voltou. A gente queria tocar todo dia. No Brasil não dá pra fazer isso? Não, mas nos EUA dá. Porra, então vamos pra lá. O Digo e o Debarry já estavam lá, a gente conversou, chamaram e a gente foi. Nessa época a expectativa era gigantesca. A gente tinha muito sonho e hoje em dia a gente não tem mais essa expectativa. Não quer dizer que a gente goste menos, só estamos colocando ela (a expectativa) dentro da realidade de cada um.
Renato: Viver de banda é quase uma ilusão.
Digo: Ainda mais tocando o tipo de música que a gente faz.
Grilo: Que é muito específico. Não chega a ser um hardcore, punk, metal. Se fosse metal tradicional talvez rolasse.
Renato: Antes a gente queria viver disso. Hoje, eu vivo pra fazer isso de um jeito do caralho.
Sounds: Um lance interessante é que, em uma entrevista com o Ian MacKaye, perguntamos por que as pessoas acabam largando o hardcore. E ele disse que as pessoas acabam abandonando algo porque possivelmente tiveram uma relação pouco saudável com aquilo. Por toda a transição do Carahter, isso encaixa um pouco contexto, até porque vocês têm essa raiz hardcore. Como vocês se enxergam pessoal e musicalmente nesse espectro que ele citou? O hardcore saiu de vocês?
Grilo: Eu acho que você sai do punk, mas o punk não sai ou não deveria sair de você. Tudo que sou veio disso, o que eu penso veio disso e eu acho essa declaração dele muito sintomática. Porque eu vejo isso demais. Quando as pessoas têm um problema, elas remetem a uma fase da vida que deu algo errado e a tendência é fugir daquilo. Quando chega a vida adulta você tem outras preocupações. Eu acho normal sua vida não ser mais 100% o que era quando adolescente voltado para o punk/hardcore. Mas o que aconteceu comigo, e algumas pessoas que eu sou mais próximo, é que elas não só não abandonaram, como voltaram e isso tá dentro delas pra sempre. Acho que isso vale para a vida pessoal e musical.
Sounds: Para quem vem do punk e hardcore, é difícil separar o pessoal do musical.
Grilo: A gente deu essa afastada do hardcore mais metal ou metalcore, e isso tem muita relação com expectativa que a gente criou e não foi alcançada. Uns shows que a gente tocou, por mais legal que tenham sido, não eram com um público com que a gente se identificava.
Debarry: Quando a gente tava mais ligado no hardcore, achava que tinha um mundo muito maior do que aquilo. Mas quando tocamos com bandas mais de metal, a gente ficou um pouco fora de lugar também.
Renato: A gente é uma banda meio sem lugar (risos).
Debarry: Mas mesmo sendo sem lugar, a gente sempre volta pro punk/hardcore.
Renato: Tipo as músicas do disco novo. Elas estão mais complexas e tal. Só que quando fomos gravar, ficou punk (risos).
Sounds: Esse desconforto pode ser uma espécie de combustível para o Carahter também, vocês não acham? Porque olhando por um certo prisma, vocês acabam criando uma identidade mais forte e não caem no estigma de ser uma banda parecida com alguma outra.
Grilo: Eu entendo, mas pra mim não dá certo não, cara.
Sounds: Intimida?
Grilo: Não, é de não me enxergar naquele lugar.
Renato: Eu acho que a pergunta é se isso te dá um tesão a mais pra continuar banda.
Grilo: Acho que me dá um gás pra eu tentar achar o meu lugar de verdade (risos)
Renato: Mas eu acho que esse lance de se descobrir é muito legal, cara. Hoje a gente sabe quem a gente é.
Digo: Quando eu voltei dos EUA, pra mim, aquela coisa americana era a minha referência. Mas eu precisei de mais tempo para entender que a gente nunca foi aquilo e nunca iria ser. A gente não precisava ser aquilo pra ser bom. Só precisávamos continuar sendo o que a gente era. Às vezes precisamos do tempo pra curar essas coisas.
Sounds: Talvez nesse tempo você tenha pensando em o que você queria ser que acabou esquecendo quem você realmente era.
Digo: Isso
Renato: Exato
Digo: A última parada que a banda deu, pra mim, foi transformadora.
Renato: E o processo do disco novo tá foda. A gente pegou dezembro e janeiro e fizemos uma imersão. A gente se encontrou todos os dias na casa do Digo, fizemos a pré lá. De 20 de dezembro até 20 de janeiro a gente se encontrou todos os dias.
Sounds: E como está esse disco novo? É um full mesmo?
Grilo: A gente gravou dez músicas em quatro dias. Chegamos no estúdio já sabendo o que a gente queria fazer. No disco, de 2002 (O Intenso Desespero Sobre A Decadência Humana), a gente gravou tudo ao vivo. Quando começamos a gravar as outras músicas, tava tudo pensado e certinho demais.
Sounds: Mas é um pouco a fase, né? É uma época em que quase todas as bandas estavam um pouco nessa pegada.
Grilo: Isso. Aí a gente conversou e falou “cara, vamos fazer pelo menos guitarra e bateria ao vivo? Se a gente conseguir pegar a energia disso já tá legal”. E aí a coisa andou muito rápido. Da outra vez a gente ficou meses indo pro estúdio e o treco não ficou pronto. E eram sete músicas. Dessa vez a gente fez dez músicas em quatro dias. Sem ficar pirando, mais cru.
Sounds: Não sei se é um lance da idade, mas parece que ela traz esse “mea culpa” de entender os mais velhos. O Led Zeppelin grava ao vivo, o Deep Purple, Black Sabbath.
Renato: Isso. Sem contar a sonoridade fudida que tem a ver com a gente. O encaixe de letra tá muito mais maduro também. Antes, os caras faziam as músicas, eu chegava lá e UUUUAAARRRGHHH. Berrava e pronto (risos). Hoje em dia a gente mudou o processo de composição, o que me fez crescer muito. Agora eu tenho um rascunho que levo comigo. Aí a gente vai lá pra casa do Digo, fica ouvindo várias vezes as músicas. Eu, o Debarry e o Grilo ficamos viajando nas letras e em como colocar as vozes. Hoje é um lance mais coletivo.
Sounds: Vocês se enxergam ainda ligados ao movimento Straight Edge?
Renato: Faz parte da nossa vida. Foi muito foda na minha vida e eu tenho orgulho pra caralho.
Debarry: Nessa pré-produção a gente ficava falando muito de Earth Crisis, das vozes, das letras, de tudo. Tem algo no som mesmo. Eu e o Digo, quando a gente montou a banda, tínhamos muito disso mesmo, esse metal nosso veio desse SxE. É eterno. A gente faz uns riffs nessa onda.
Renato: Isso é verdade. A gente falava “cara, o Destroy the Machine é brutal”(risos). Aí pegava o encarte e ficava olhando as letras.
Digo: Essa coisa do Do It Yourself é muito a gente ainda.
Sounds: Vocês trabalharam a mais, juntaram grana pra gravar esse novo disco?
Digo: Não, até agora foi 0800 (risos). No processo de composição o mais importante é ter tempo. As bandas vão ensaiar e ensaiam umas duas ou três horas. Só que a inspiração não tem hora pra chegar. O legal desse processo de compor lá em casa é que o pessoal ia pra lá às 11h e saía às 20h. No meio disso a gente comia, conversava, trocava ideia.
Grilo: Era um processo dinâmico. E na hora de fechar as músicas, o Digo, o Debarry e o Pudi acertavam as músicas. Quando a gente foi gravar elas estavam muito prontas. Eles estavam muito imersos e isso contribuiu muito para o processo.
Pudi: Foi muito importante amadurecer as músicas. São músicas difíceis.
Sounds: Quando vocês pretendem lançar o disco?
Grilo: O plano é sempre o mais breve possível. Agora rolou uma série de shows então demos uma brecada. Falta gravar as vozes que é um pouco mais trabalhoso.
Sounds: Vocês falaram uma questão interessante de que tocando na Verdurada, vocês se sentiam pertencendo mais ao metal e tocando com o Testament sentiam um lance de pertencer mais ao hardcore. Antes tinha um lance mais demarcado e hoje tem espaço para o cara que gosta de thrash ir em um show de stoner ou um cara de hardcore ir em um show de metal. Vocês sentem que isso chegou até vocês? Que hoje há mais público para o Carahter, para o som que vocês querem fazer?
Renato: Uai…
Sounds: Cara, esse uai foi puxado, vai ficar legal. (RISOS) Eu escuto isso o dia inteiro, tá tranquilo [Vina falando].
Renato: Você é mineira também?
Sounds: Sim [Amanda falando]
Renato: Aeeee. Soquinho, soquinho (RISOS).
Renato: A gente tocou com o Bring Me the Horizon, cara. Tem muita gente disposta a ouvir.
Sounds: Mas é uma batalha deixar de usar aquela porra daquela frase de “ahhh, mas na minha época era melhor”. Pô, nos anos 80 você ouvia Venom, Wasp, Def Leppard e era tudo metal. Não tinha essa de isso é black metal, isso é thrash, isso é hard rock, isso é death. Aí nos anos 90 começam a segmentar mais e nos 2000 já entra esse lance de ter uma efervescência de bandas híbridas mesmo, com diferentes influências e que geraram um som novo em que você precisa de mais de quatro rótulos para criar um quinto.
Pudi: É, quando perguntam como é o nosso som, eu falo que é metal. Metalcore? Não sei. Como eu nunca fiz parte dessa cena, eu não sinto tanta diferença em tocar na Verdurada ou com o Bring Me the Horizon. Eu gosto é de tocar. Eu acho legal esse alcance, apresentar nosso som e poder tocar pra qualquer tipo de público.
Renato: O Pudi não veio da cena hardcore igual nós quatro viemos.
Digo: Mas o que eu acho mais legal de não ter um público “certo”, é que você deixa as possibilidades abertas. Um exemplo é o que rolou no show com o Cannibal Corpse. Vieram três moleques e disseram que o NOSSO show tinha mudado a vida deles. Isso me marcou, foi a primeira vez que aconteceu isso.
Sounds: Olha aí! Os meninos não estavam no Bring Me the Horizon e sim no Cannibal Corpse.
Digo: O legal do público mais jovem é que você vai tocar o coração deles de uma forma diferente.
Renato: Estavam emocionados, cara. E os moleques perguntaram que som era aquele que a gente fazia e pediram autógrafo. Aí eu “não, autógrafo não, a gente pode tirar uma foto” (risos). Eu falei “cara, vai em show undeground”. Aí você vê que tá mudando a vida daquele moleque porque você já foi ele.
Digo: Eu já fui esse moleque. Meu primeiro show foi Ratos de Porão com o Shelter em 96. Eu fiquei na grade e dei um high five no Roy Mayorga, batera do Shelter, e aquilo foi do caralho. Eu pensei “nó véi, o cara é humano”.
Renato: Os shows de BH. Esse e o do Sepultura e Ramones.
Digo: Esse minha mãe não deixou eu ir. Tinha 13 anos.
Sounds: E o que vocês queriam realizar lá em 2001, o que vocês conseguiram e o que querem realizar ainda?
Digo: Eu quero tocar, bicho. Nunca tive esse lance de sucesso, ganhar dinheiro. Eu quero tocar. Que o som esteja bom. Aquele lance de subir no palco e escutar tudo.
Renato: Pra mim a banda é fundamental para que eu seja um cara são, cara (risos). As vezes em que o Carahter acabou a minha vida só desandou. É a minha terapia, uma energia brutal. Hoje eu sinto que a banda é fundamental para minha existência.
Digo: A gente nunca foi a turma do futebol. A banda não é hobby, é um jeito de eu colocar todas as minhas frustações em um investimento intelectual.
Sounds: Vocês têm origem no hardcore e no punk, pra vocês nunca vai ser só hobby.
Digo: Rola aquele lance “toca um Rolling Stones aí”. Cara, eu só sei tocar as músicas da minha banda.
Renato: O Debarry vive de música, eu imagino que seja bem diferente essa relação.
Debarry: Eu tenho amigos músicos, mas é uma relação diferente. De bater cartão. É uma relação pragmática.
Grilo: Eu trabalho com música, em estúdio. Nem sempre o conteúdo que tá ali é o que mais me agrada, com que mais me identifico, mas é música. É o que eu gosto. Prefiro um milhão de vezes gravar uma banda de pagode do que ficar em um escritório de terno e gravata. Mas a relação de trabalhar com música e a sua música com a banda é completamente diferente.
Sounds: O último show d’A Obra foi matador. Pra finalizar, vocês não imaginam acabar com a banda de novo não né?
(RISOS)
Renato: Uma banda em que eu me espelho é o Neurosis. Os caras estão fazendo 30 anos e não estão nem aí se vivem ou não disso. É uma tribo, um organismo mesmo. Você não vê turnê dos caras com 40 shows. Eles tocam quando eles querem e foda-se! Tem uma integridade. Por isso me espelho no Neurosis.
É essa integridade é o que vocês buscam com o Carahter?
Renato: Sim. Fazer um lance da gente, pra gente.
Digo: Verdadeiro pra gente. O resto é consequência disso.