Entrevista: Lennart Bossu Oathbreaker / Amenra / Harlowe

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Durante alguns bons anos a Bélgica foi o país que trouxe à superfície dos bons sons alguns nomes conhecidos. O Front 242, que com sua poderosa “Headhunter” botou todo mundo pra dançar sincronizado nas grandes casas do país. No extremo do requinte barulhento, nomes como Agathocles ou o Hiatus e o seu incrível From Resignation… To Revolt eram mais presentes por essas terras e sempre pareceram ser a tradução da música feita na terra do Van Damme, do Tintin e dos Smurfs.

Mas há algum tempo esse mesmo terreno vem reforçando cada vez mais uma cena musical que parece ter passado um período hibernando, mas de uns anos pra cá, se mostra renovada e nos presenteia com um certo frescor bom de ver e ouvir.

Hoje, o Amenra é o nome forte de uma nova, mas nem tanto, geração de ótimas parte da Church of Ra, um coletivo que agrega bandas como Rise and Fall, Black Heart Rebellion, Oathbreaker, Hessian, e artistas como a dançarina Natalia Pieczuro, a poetisa Sofie Verdoodt, o fotógrafo Stefaan Temmerman e o diretor Tine Guns.

Juntos, essa geração vem traçando um panorama construído por vozes que precisam, e devem, ser ouvidas. Uma delas vozes é a de Lennart Bossu, guitarrista do Oathbreaker, Amenra, Eyes Of Another, Living Gate, e que ainda encontra espaço para o Harlowe, seu projeto mais tranquilo, mas nem por isso menos intenso. Lennart parece ser daqueles que nem sempre estão no foco, mas sem ele a lacuna seria grande.

Nesta entrevista, conversamos com Lennart sobre algumas curiosidades, suas origens, influências e, claro, sobre cada uma de suas três bandas.

Lennart Bossu

Sounds Like Us: Oi Lennart, você poderia contar um pouco da sua história e de como era a vida na sua cidade? Como começou a sua relação com a música pesada, o seu interesse pela guitarra…
Lennart Bossu:
A família em que eu cresci não tinha nenhum interesse especial pela música, então, quando eu era criança, não aprendi a tocar um instrumento e só ouvia o que rolava no rádio. Mas quando eu tinha uns 11 ou 12 anos, o grunge e as guitar bands em geral estavam fazendo sucesso e meus irmãos e irmãs mais velhos me apresentaram aquelas grandes bandas da época: Nirvana, Soundgarden, Sonic Youth, The Cure… Dois anos mais tarde, por meio de alguns amigos de escola, descobri algumas bandas de metal mais pesadas como Death, Entombed e Obituary. Meu irmão começou a tocar guitarra naquela época, e achei aquilo absolutamente a coisa mais legal do mundo e então aprendi também. Tive sorte de ele ter me mostrado o básico, porque eu nunca teria tido a paciência para descobrir isso por mim mesmo.

Sounds: Você acha que a cidade de Ghent [Bélgica] teve alguma influência na sua musicalidade?
Lennart:
Não tanto no meu desenvolvimento inicial como um “músico”, mas acho que, em uma fase posterior, houve alguma influência sim. Por exemplo, o Rise And Fall, que era de Ghent, definitivamente causou um impacto no início do Oathbreaker, tanto musicalmente como na atitude, e de uns anos pra cá tem tido uma forte cena em torno do Amenra e da Church of Ra, o que permite que uma boa vibe criativa opere por ali.

Sounds: É quase inevitável traçar um paralelo entre o Amenra e o Neurosis, mas pra gente isso soa um pouco raso porque o Amenra vai por um caminho um pouco mais soturno. Como você lida com esse tipo de comparação e que semelhanças e diferenças você enxerga em ambas as bandas?
Lennart:
É uma absolutamente um honra que algumas pessoas comparem a gente com eles. Mas de fato, uma vez que você olha de perto as duas bandas, elas não parecem tão similares pra mim. Uma coisa que eu acho semelhante, e pela qual sou grato, é que nenhuma das bandas opera como uma máquina ou uma empresa. Há um monte de bandas por aí que têm que lançar um álbum a cada dois anos e, em seguida, fazer turnês sem fim porque eles dependem da banda para a sua subsistência. Acho que tanto o Neurosis como o Amenra lançam um álbum não porque devem lançá-lo ou por uma necessidade financeira, mas porque é o tempo deles. Essas bandas têm algo que eles precisam colocar pra fora. Quando não têm nada a dizer, preferem permanecer em silêncio.

Oathbreaker. Foto: Divulgação

Sounds: Olhando para o Oathbreaker, como foi o início da banda? Vocês já eram amigos na época, estudaram juntos ou algo assim?
Lennart: Eu conheci a Caro (vocal) e o Gilles (baixo) por meio de amigos em comum nos shows de hardcore em um tempo que eu não estava tocando em nenhuma banda. Acho que rolou uma conexão entre a gente tanto no som que a gente amava, como na noção de como uma banda deveria ser, e aí começamos a tocar juntos. Eu já sabia que o Ivo era um grande baterista, que ele já tocava em outras bandas e para nossa sorte, ele quis dar uma chance para o Oathbreaker.

Sounds: Vocês começaram em 2008, certo? Existe uma grande urgência nas músicas do primeiro disco, talvez por causa da idade da banda e de vocês. Traçando uma linha do tempo, mesmo que curta pelo tempo de carreira, existe uma evolução musical e lírica evidente; mas ainda assim, podemos sentir o mesmo frescor lá do começo. Você concorda com isso?
Lennart: Isso! Esse é um elogio muito legal, muito obrigado. Definitivamente a gente também se sente assim e ouso dizer que agora estamos trabalhando em nossas novas músicas ainda mais impulsionados do que quando estávamos escrevendo as primeiras canções. Acho que, com o passar dos anos, temos ganhado mais confiança em nós mesmos e também na banda. Crescemos de diversas formas e acredito que isso reflita na nossa música e torna as composições mais interessantes. De onde vem essa energia… Não sei se é o mesmo sentimento para todos na banda, mas o Oathbreaker significa o mundo para mim, então é lógico que eu dou tudo de mim quando faço as coisas com a banda.

Sounds: Por aqui costumamos dizer que influência é como um sintoma quase involuntário que aparece na forma como alguém compõe. Referência, por outro lado, seriam as bandas que têm uma identidade com a música que você faz. Nesse caso, quais seriam as suas referências e influências?
Lennart: Acho que essas influências e referências têm evoluído ao longo dos anos. Quando começamos, bandas como Converge, Cursed e o Rise and Fall foram definitivamente uma grande influência. O Converge ainda é, não só pela música, mas também, em geral, pela maneira que eles vêm fazendo a banda ser relevante ao longo de tantos anos. Mais tarde, nós tivemos mais influências de bandas como Celtic Frost e Satyricon, e para nossas novas composições, ampliamos nossos horizontes para outras bandas como Swans e PJ Harvey.

Sounds: “The Abyss Looks Into Me”, “Agartha” e até mesmo músicas mais diretas como “Glimpse of the Unseen” são muito poderosas. Dentro do Oathbreaker, parece que você tem mais liberdade para explorar os riffs dissonantes. O que mais te inspira? Você já compôs alguma coisa simples que você queria e sentiu que precisava tornar aquilo mais complexo para que coubesse dentro do seu estilo de tocar?
Lennart: Por um lado, o que me inspira é a música que eu escuto. Às vezes eu ouço coisas que me transmitem um clima ou mesmo algumas partes específicas que me fazem pensar: “o que aconteceria se eu usasse uma abordagem similar em uma música nossa?”. Por outro lado, e talvez o mais importante, é trabalhar com outras pessoas. O ato de colaborar contém uma energia muito inspiradora pra mim. Estou cercado por músicos incrivelmente talentosos e interessantes e tenho sido capaz de aprender muito com eles.

Sounds: As capas e os títulos dos discos também trazem alguns conceitos interessantes. De onde veio a inspiração para Mælstrøm e Eros | Anteros (Oathbreaker)?
Lennart: Mælstrøm é um disco que tratou muito do desespero e do sentimento de impotência, como quando você não tem impacto sobre o mundo ao seu redor e é sugado por um redemoinho. Na arte isso é representado pelo cabelo da Caro, nossa vocalista, que está seco de um lado da capa do LP e molhado no outro. Já o Eros | Anteros traz uma abordagem sobre as mudanças de vida, mas aceitando e abraçando-as. Na arte do disco isso é simbolizado por um mastro para celebrar essas mudanças.

Sounds: Atualmente existem algumas bandas que colocam tanta alma em suas canções supostamente tradicionais que, de certa forma, ultrapassam os limites do que seria realmente “inovador”. O Oathbreaker se preocupa em soar inovador?
Lennart:
Até agora tem ocorrido uma evolução no sentido de uma maior complexidade e inovação que resultou em todos os nossos lançamentos soando um pouco diferente.

Sounds: Há de fato uma diferença estética nas composições entre o primeiro e o segundo disco.
Lennart: Acho que isso não é tanto de propósito. É mais devido ao fato de que Caro e Gilles eram ainda muito jovens na época do nosso primeiro lançamento e eles têm experimentado um processo grande de crescimento como músicos. Mesmo que definitivamente não seja o nosso objetivo final, nós encontramos satisfação na tentativa de achar novas estruturas musicais e novas abordagens para as nossas composições. Embora muitas vezes eu não me importe de ouvir uma boa banda se repetindo, fico feliz de não estarmos nesse ponto ainda.

Sounds: Você lançou recentemente o seu projeto paralelo, Harlowe, com alguns os membros da Amenra e do The Black Heart Rebellion. É um projeto que mostra você desprovidos de pedais e todo aquele aparato que geralmente segue as suas composições mais pesadas. Você é um cara inquieto, musicalmente falando? O que há do Harlowe por vir?
Lennart: O Harlowe foi basicamente uma criação do Colin [vocalista do Amenra]. Eu não vejo nada acontecendo em um futuro próximo já que um dos principais contribuintes mudou de país e Colin está atualmente muito ocupado com o seu projeto solo, o CHVE. Ele acabou de lançar um álbum interessante que definitivamente vale a pena conferir. Acho que sou inquieto no sentido de que uma banda ou projeto musical provavelmente nunca será suficiente para mim.

Sounds: Além do Amenra e Oathbreaker, nós também gostamos muito do Rise and Fall. Você acha que a cena que nasceu e vem se fortalecendo na Bélgica tem com base essa música mais extrema? Você poderia nos recomendar algumas outras bandas daí?
Lennart: Como mencionei antes, o Rise and Fall definitivamente sacudiu os alicerces da cena belga. Eles eram uma grande influência para um monte de bandas. Mas acho que muitas dessas bandas já deixaram de existir e não estou inteiramente certo se os mais jovens, que estão começando bandas agora, ainda os enxergam como um ponto de referência. No entanto, todos eles fizeram projetos que merecem a atenção de vocês, como o Supergenius, Partisan e o White Jazz, por exemplo.

Sounds: E como estão as composições para o novo álbum? O que podemos esperar considerando música, conceito e arte visual?
Lennart:
Prefiro não entregar nenhuma informação do conceito e da arte visual do novo disco, mas musicalmente eu diria que daremos um novo salto, principalmente em uma direção que será óbvia para quem percebeu o salto anterior. Estamos tendo mais e mais problemas para encaixar tudo que queremos expressar em uma música de três minutos, então vocês podem esperar faixas mais longas com arranjos mais complexos. Agora, como elas vão soar, prefiro deixar por conta da imaginação do público.

Sounds: Voltando um pouco na história, como surgiu a ideia da Church of Ra?
Lennart: O conceito do Church Of Ra já havia sido estabelecido pelos membros fundadores do Amenra antes de eu entrar na banda, mas tenho quase certeza de que não foi concebido apenas como uma plataforma de lançamento para os nossos próprios esforços musicais. É sobre ser mais forte quando trabalhamos juntos, criando um clima artístico fértil, trocando ideias e pontos de vista com os outros e dando algo de volta para as pessoas que nos apoiam.

Sounds: Para quando podemos esperar os novos discos do Oathbreaker e do Amenra?
Lennart:
Estamos no processo de preparação para um novo álbum de ambas as bandas. Se tudo correr bem, acho que deve rolar um disco do Oathbreaker no final de 2016 e um do Amenra início de 2017. Antes disso, pode haver lançamentos menores de ambas as bandas. Tocar ao vivo será menos frequente até que as gravações estejam finalizadas. Com o Amenra, vamos ter uma dupla performance no Roadburn 2016 (acústico e pesado), pelo qual estamos bastante ansiosos.