Fvnerals Um disco feito de calma, beleza e texturas que caminham pelas sombras

In Bandas, Discos

Foto: Ake Heiman

Vinicius Castro

Entre uma nota e outra, um verso e o seguinte, há estranheza e inquietação até que você se dê conta que seus pensamentos não estão mais lá. Cada andamento vira um pano de fundo numa tela repleta de estímulos e a música se perde em cores, texturas e camadas de informações.

O Fvnerals faz parte de um grupo de bandas que trabalham em cima de uma espécie de, se é que podemos chamar assim, exaustão sensorial. De forma positiva, usam espaçamento como instrumento para criar uma experiência introspectiva.

Respire fundo. Antes de apertar o play, preparar-se para uma condição letárgica que vai desdobrar suas percepções. Talvez dê pra dizer que o som do Fvnerals é um transe entre o que você quer e o que consegue de fato fazer durante um estado cheio de névoa e muito, muito espaço.

Foto: Ake Heiman

A banda vem de Brighton, um lugar localizado no litoral da Inglaterra e que só em 2001 recebeu o status de cidade. O mistério é, como uma cidade com clima de resort, o que teoricamente significaria ser um lugar caloroso e acolhedor, pode ter gerado uma banda que corre para o lado oposto, usando uma música que entrega muito mais a escuridão do que questões ensolaradas?

O Fvnerals foi formado em 2013. De lá pra cá, Tiffany (vocals/synths/baixo), Syd (guitarra) e Chris (bateria) vêm lançando coisas novas com certa regularidade. Em 2013 soltaram o EP The Hours. Depois veio o disco de estreia, The Light, um outro EP intitulado The Path e em 2016, o melhor registro deles, Wounds.

Se os álbuns anteriores carregavam um pouco na melancolia, Wounds tende a ser mais soturno. Um torpor requintado, de degustação lenta.

Apesar do Fvnerals ser mais opressor e não tão amigável, dá pra dizer que o vocal aveludado e a estética dark aproximam os ingleses de nomes como Chelsea Wolfe, True Widow e Miserable, banda de Kristina Esfandiari, do King Woman.

Não dá pra ser chamado estritamente de doom, mas é lento e sombrio. Um doom com nova roupagem, talvez. Não cabe somente no post-metal, mas pode passear por alguns percursos do estilo. Também não é shoegaze, apesar de eles também beberem um pouco nessa fonte. O interessante é que a banda vive muito bem às margens e acabam por refletir reflete um pouco de cada uma dessas características. E nessa impossibilidade de classificá-los, o mais legal é ver que eles se significam pelo o que fazem.

Embora soe como uma progressão natural do álbum de estreia, Wounds aperfeiçoa a frieza de seu antecessor. Como parte dos instrumentos, a voz de Tiffany é capturada mais ao fundo e evoca um ar etéreo, de isolamento, que dirige as sete faixas do disco.

Em pouco mais de 30 minutos, o Fvnerals delimita um ambiente de poucas bifurcações onde Wounds é forjado sob repetições que, passo a passo, constroem novos motivos sonoros.

Foto: Evertp

Parte dessa característica é reforçada pela música que encerra o disco. “Where” usa uma introdução de piano como suporte para a voz de Tiffany que, em prolongadas vocalizações, dita o caminho enquanto espera a linha de guitarra que só entra lá pela metade da faixa. O piano volta e o fade out leva a música pra longe que, sem uma nota final,  se dissolve sem determinar um corte final de fato.

A música do Fvnerals parece plana, mas ela sobe e desce como quem se afoga e volta à superfície. E entre o desespero e a oportunidade de sobreviver, cada alvéolo presenteado com o ar possível agradece, aproveita e o valoriza ao máximo antes que o oxigênio se perca novamente.

Foto: Divulgação