Vinicius Castro
Em referência aos discos de vinil, que normalmente são tocados em 33 rpm, no fim dos anos 80 parte dos comentários bem humorados era de que o Sadus, banda formada Califórnia, era o Slayer em 45 rpm. É como se você pegasse o Hell Awaits e dobrasse a velocidade daquelas músicas que, para a época, já eram tocadas de uma forma muito, muito rápida.
Como bem colocado em uma resenha, o Sadus era uma espécie de resposta mais violenta ao thrash metal feito na Bay Area, em São Francisco. E, lembrando da sensação de ouvi-los pela primeira vez, fica difícil de discordar.
A primeira demo tape, Death to Posers, de 1986, foi lançada, causou um estrago considerável até mesmo aos ouvidos já acostumados aos sons mais extremos. Era impossível não se impressionar com aquela avalanche que comportava doses consideráveis de agressividade; jorravam músicas cheias de qualidade e técnica – daí a comparação com o Slayer.
Logo depois, já em 1988, o primeiro disco, Illusions – que também foi lançado com o nome de Chemical Exposure em 1991-, só confirmou o que a banda já havia mostrado até então.
Swallowed in Black, o clássico em questão, foi lançado em 1990, um ano prolífico para a música extrema. O Napalm Death veio com Harmony Corruption, o Death com o Spiritual Healing, e ainda tivemos ótimos discos de nomes como Deicide e Paradise Lost. Em meio a toda aquela efervescência, o Sadus trilhava seu próprio caminho bebendo em referências que ficavam no limiar entre o death e o thrash metal.
Gravado no Fantasy Studios, na Califórnia, e produzido por Michael Rosen, que já trabalhou com nomes como GBH, Testament e Death Angel, Swallowed in Black é o Sadus mostrando que a velocidade apresentada até ali era apenas uma de suas características. Mesmo tirando um pouco o pé do acelerador e investindo em músicas mais voltadas ao peso, o Sadus não perdeu sua assinatura.
Algumas comparações, talvez muito por conta da técnica, com nomes como Atheist e Coroner eram corriqueiras, mas a impressão é de que o Sadus sempre esteve mais para um Dark Angel com uma dose extra de rispidez. Algo mais instantâneo aliado a um conhecimento que não fazia do “tecniquês” a sua linguagem. Sobre isso, ao Invisible Orange, o baixista Steve DiGiorgio contou que, na época, diziam que eles eram “um dos pioneiros da música extrema, até mesmo sendo creditados como parte do começo do black metal, technical death metal e da segunda onda do thrash”.
Darren Travis é um grande guitarrista, dono de um vocal rasgado e bem característico. Ao lado de Rob Moore, ele é o responsável pelos riffs complexos que ajudaram a determinar o estilo da banda. Jon Allen, um baterista cirúrgico, preciso, formava uma das melhores cozinhas do metal extremo em parceria com Steve Di Giorgio. Vale lembrar que Di Giorgio é desde sempre no instrumento. Seu talento e criatividade o levaram também a fazer parte de bandas como Death e Testament, por exemplo.
É da frenética “Black” o papel de inaugurar o disco, mas é com “Man Infestation”, minha preferida, que o Sadus mostra sua capacidade de navegar entre momentos de técnica, peso e brutalidade. Uma música intimidadora e contagiante.
Estruturas nada ortodoxas, andamentos intrincados e alternância de tempo são os pontos de destaque em momentos como “Images” e “Arise”. É preciso destacar também a precisão de “Powers of Hate” e “The Wake” – esta, uma das mais voltadas aos preceitos do thrash, com toques que esbarram nos primeiros álbuns do Testament.
Talvez o ponto baixo seja o fato de que o disco carregue momentos, digamos, mais lineares. E entre contratempos e velocidade, algumas músicas podem soar parecidas entre si, mas nada disso chega a corromper a importância do álbum. O Sadus vivia um momento que parece ser um processo necessário para que a banda encontrasse o seu som, algo que se confirmou no disco seguinte, A Vision of Misery.
Mesmo dividindo o palco com nomes como Obituary, Morbid Angel, Dark Angel e Sepultura, é estranho que o Sadus nunca tenha ultrapassado o status cult e figurado com maior destaque entre os gigantes do metal extremo. DiGiorgio chegou a dizer que algumas pessoas achavam que eles estavam à frente do próprio tempo e que em algum momento o Sadus se tornou uma banda voltada ao thrash que se perdia na pilha do death metal. “Ninguém sabia como nos rotular ou onde nos colocar”, diz o baixista.
De criatividade indiscutível, Swallowed in Black é, em sua totalidade, um disco muito bem delineado pelo estilo do Sadus, algo já conhecido naquele momento, mas que, ainda assim, não nos privou do impacto causado na época.
Se a definição de clássico passa pelos discos que venderam muitas cópias, ou pelos campeões de presença nas listas dos veículos especializados, esqueça. Entendemos como clássicos os álbuns que se misturam com a nossa história. Um registro que ocupa um canto especial em nossas vidas e memórias, caso de Swallowed in Black.