Em meio a toda agressividade iminente daquela década, o Holocausto foi um dos nomes que botaram o dedo em algumas feridas que ainda ardiam e quase nunca eram pronunciadas. Guerras, armas atômicas, temor e a morte em diferentes escalas serviam de ingredientes para as histórias contatadas sob o prisma do que ficou conhecido como war metal, um termo criado para definir o estilo da banda e que, até então, era muito novo dentro do heavy metal.
O visual e a rigidez eram evidentes. Musicalmente era uma das bandas mais barulhentas. Traziam algo daquela agressividade primitiva dos primeiros discos do Bulldozer e Possessed, somada ao desconforto de temas polêmicos.
Dor, ódio e sofrimento. A equação, que ainda soa atual, naquela época já era expurgada por letras em português, e não haveria como ser de outra forma. A música do Holocausto é para ser entendida, digerida e repensada. O terror é universal, mas a mensagem é na nossa língua. É uma música sem atenuantes porque só assim seria possível representar os horrores e sequelas da guerra.
“Destruição Nuclear” e “Escarro Napalm” são os dois registros gravados pelos fundadores do war metal para a Warfare Noise I, essa coletânea de extrema importância para o metal brasileiro e mundial. Foi sobre isso que a gente conversou com a banda para saber mais sobre passado, presente, e um futuro.
Sounds Like Us: Soubemos que existem planos de fazer um festival para reunir grande parte dos nomes do heavy metal dos anos 80. Como tá isso e quem teve a ideia de realizar esse festival?
Valério Salles: O festival Monsters Of Metal (MOM) tem como proposta celebrar as 3 décadas de nascimento do heavy metal mineiro, homenagear as bandas que fizeram sua história, resgatar o movimento metal de Belo Horizonte e oferecer uma alternativa à má qualidade da arte em geral oferecida pela grande mídia. Parece fácil reunir essas bandas no palco, principalmente porque o show é em nossa cidade, mas isso não é assim tão simples. Os produtores Pedro Cataldo, Elmo e Patrícia Falcão (idealistas do MOM) estão batalhando para que o maior número de bandas de BH dos anos 80 possam se apresentar. A parceria fechada recentemente com o Cine Santa Tereza vai oferecer debates que envolvam o tema heavy metal, documentários e tudo isso somente vem a agregar ao MOM, porque esses eventos acontecerão nos três dias que antecedem o show. Então o evento mesmo começa no dia 7 de junho (quarta) e se encerrará no dia 10 de junho (sábado) com o show. O local será o Stonehange.
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Sounds: Fora as quatro bandas presentes em Warfare Noise I, ainda tem o Sextrash e o Overdose, que está voltando à ativa. Qual vai ser o lineup do festival? Existe a chance de isso virar uma turnê maior?
Valério: As bandas 100% confirmadas são as seguintes: KAMIKAZE, SAGRADO INFERNO, WITCH HAMMER, SEPULCHRAL VOICE, SEXTRASH e HOLOCAUSTO. Assim que o festival se encerrar, vamos nos sentar e conversar sobre a possibilidade de sair em turnê com o MOM.
Sounds: O Holocausto fazia um som que a imprensa e vocês mesmos chamavam de war metal. Com exceção do At War e alguns outros nomes, não foi um estilo muito popularizado. Como surgiu esse direcionamento e o que você queria transmitir com as ideias do Holocausto?
Valério: O war metal do Holocausto está representado nas letras, no visual e no som que une o hardcore e o metal. Quanto à não popularização do estilo, é bom lembrar que, após o Campo de Extermínio (War Metal), eu e Armando Nuclear Soldier (baterista) saímos da banda e o álbum seguinte, Blocked Minds, era crossover. Naquele momento o war metal nacional morria. Quem sabe se a banda continuasse no estilo, hoje não teríamos mais bandas nacionais de war wetal? Ninguém pode afirmar que sim ou não. O war metal do Holocausto se sustentava nesses pilares: letras, visual e influências musicais do hardcore e metal. O Rodrigo Fuher era um aficionado por temas de guerra, principalmente a segunda grande guerra, e começou a compor sobre o assunto; nesse momento, o Iggor Cavalera deu a dica para o Rodrigo sobre o nome Holocausto. Antes a banda tinha o nome de Asmodeu e o Mark, do Chakal, criou o termo war metal pra banda. A proposta da banda, com a formação war metal, sempre foi relatar as histórias da humanidade e as grandes guerras, as guerras frias, os conflitos étnicos, religiosos, etc.
Sounds: Além do difícil acesso, em São Paulo existia também uma dificuldade de locomoção mesmo. Os encontros rolavam na Woodstock ou nos shows na Dynamo, LedSlay, Projeto SP, Dama Xoc (quando eram bandas maiores). Era sempre bem complicado, mas éramos jovens e, no fim das contas, o que a gente queria era passar a noite vendo shows e ouvindo conversas sobre heavy metal. Pensando um pouco por esse lado, como era a cena de vocês na época em que essas quatro bandas gravaram a Warfare Noise I?
Rodrigo Fuher: Também na Belo Horizonte do final da década de 80, o cenário era parecido. Os encontros eram na Cogumelo Records, no centro; no Pop Pastel e Pizza Light, na Savassi; e no Metalic Space Bar, no Alípio de Melo. Os shows basicamente aconteciam nos DCEs das Universidades Federal e Católica, e como ainda não existiam redes sociais, internet e nem ao menos telefone celular, as pessoas se encontravam e celebravam juntas a vida e a música.
Sounds: Quais eram seus sonhos antes do Holocausto? O que a banda e a aquela cena toda trouxeram de aprendizado pra sua vida, musical e pessoalmente falando?
Anderson Guerrilheiro: Na verdade, antes do Holocausto eu me imaginava em um palco tocando ou cantando. Via cada detalhe desse show, então posso dizer que tenho um sonho realizado ao viver a adrenalina de um palco. A vivência dessa fase nos deu o aprendizado da amizade porque a turma era muito grande e ainda hoje há contato. Nos ensinou a sempre buscar a informação e, assim, enriquecer o conhecimento. Talvez seja por isso que diversas pessoas que viveram aquele tempo buscaram estudar cada vez mais, e em sua grande maioria, quem vive o metal hoje tem ensino superior.
Sounds: Hoje, como você enxerga toda aquela cena formada por adolescentes que conquistaram tanto respeito e admiração no Brasil e no mundo?
Nedson Warfare: Como fiz parte daqueles adolescentes, hoje consigo sentir na pele essa admiração e respeito que temos. Na época, o movimento metal nasceu sem nenhuma organização, líder, ou coisa do tipo. Acredito que esse foi o grande sucesso do metal nacional, onde foram criados diversos estilos. Na minha volta à banda eu não tinha ideia do que realmente havia feito no passado. Hoje enxergo claramente isso. Temos fãs por todo o globo e nossos shows internacionais me permitiram ver e sentir isso. É simplesmente “ducaralho” encontrar com pessoas que hoje têm bandas influenciadas por nós, ver publicações com 5 mil acessos em menos de 24hs… enfim, tudo isso funciona comigo como um combustível que permite ir mais longe e agregar mais garra ao nosso trabalho em prol dos nossos fãs e pelo simples prazer de tocar war metal!