Discografia faixa a faixa Corrosion of Conformity

In Bandas, Discos, Especiais
Vinicius Castro

Parece distante, mas há pouco tempo, o convívio com o diferente falava mais alto do que o conforto de estar entre os que conversavam na mesma língua. Tempos em que algumas fronteiras se transformaram em um fraco borrão e aproximaram expressões distintas, dando a elas o privilégio de aprenderem uma com a outra e, a partir daí, construir algo novo. O novo que só existe a partir do aprendizado com o não igual. O crossover.

No mesmo ano em que Billy Milano convocava as tropas headbangers e punks em “United Forces”, sob os riffs matadores de Scott Ian no S.O.D, o D.R.I também extrapolava a velocidade em ritmo de taquicardia com seu Dealing With It! Na outra ponta, Slayer, Metallica e Megadeth ostentavam adesivos em seus instrumentos e usavam camisetas do Dead Kennedys, TSOL, GBH, Misfits e Discharge. Tudo estava literalmente junto e misturado. E no meio disso tudo estava o Corrosion of Conformity.

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Com a espontaneidade criativa, a fúria, o conteúdo e de mãos dadas com o metal e o punk/hardcore da época, o C.O.C ajudou a criar e a fortalecer as raízes do crossover americano que, no meio da década de 80, passaram a ser o novo direcionamento da música pesada. Mais que isso, construíram um movimento que sobreviveu mesmo ao constatar que esses mesmos sonhos já não eram tão sonháveis, mas era possível transformá-los na arte que favoreceu toda essa combustão.

O Corrosion of Conformity nasceu em 82, em Raleigh, na Carolina do Norte (EUA). Era cria legítima do punk americano e do pesadelo de ter vivido a juventude sob a guerra fria, o governo de Ronald Reagan e o início do sonho americano como moeda de troca.

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Foto: Patrick Barber

Eye For An Eye foi o primeiro disco. Gravado em 83, mas lançado só em 84, dividia a fúria adolescente com nomes como Broken Bones, Agnostic Front, Minor Threat, Black Flag e Suicidal Tendencies, entre outros grandes nomes do punk/hardcore daqueles dias. Com Animosity, de 85, eles já começavam a somar, à sua maneira, fortes doses de crossover e thrash metal. Na verdade, o C.O.C nunca foi uma banda contente em estar na sua zona de conforto. Um disco sempre foi diferente do outro,  mesmo que estivessem no mesmo recorte.

Depois do EP Technocracy, o C.O.C invadiu os anos 90 com um disco ainda mais incrível: Blind. Não só a década, mas a proposta também já era outra. Blind é o primeiro registro com o vocalista Karl Agell e Pepper Keenan, que também assumiu parte dos vocais e a guitarra. Como quarteto, o C.O.C grava mais quatro discos – Deliverance, Wiseblood, America’s Volume Dealer e In The Arms Of God – todos eles inseridos mais no stoner metal do que no crossover dos dois primeiros lançamentos.

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Foto: Divulgação

Em 2006 a banda deu uma parada, e em 2010, resolveu retomar as atividades mesmo sem Pepper, que na época estava em turnê com o Down. Nessa configuração, lançaram um disco homônimo em 2012 e o álbum IX. A boa notícia é que Pepper está de volta e a banda acaba de lançar o disco No Cross No Crown (2018).

Muito mais que escolher essa ou aquela música, a beleza do faixa a faixa é poder transitar pela discografia de uma banda e entender, por meio da música, suas escolhas, direcionamentos, mudanças, riscos e o que resultou disso tudo. Tá feito o convite; agora, é apertar o play e desfrutar da viagem cheia de som, fúria e peso oferecidos por essa grande banda.

“College Town”
Eye For An Eye
(No Core/ Toxic Shock/ Caroline – 1984)

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Mesmo em meio a todo hardcore desenfreado de Eye For Eye, o Corrosion of Conformity já dava indícios de suas referências metal/sludge/stoner que viriam a ser ressaltadas alguns anos depois. O riff inicial de “College Town” é praticamente o de “Cornucopia”, do Black Sabbath, como mencionado no texto que acompanha a reedição em vinil, de 2012.

É uma música perfeita para iniciar nosso faixa a faixa porque “College Town” já assinala as intenções de um espírito punk contaminado, no melhor sentido, pelos ensinamentos de Iommi e sua turma.

“Consumed”
Animosity
(Metal Blade – 1985)

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Este é um dos discos seminais do crossover americano dos anos 80. Aqui, o hardcore e o thrash metal se encontraram em uma fusão sob medida, que fez de Animosity um clássico do estilo.

Entre as músicas, “Consumed” foi a nossa eleita. Tem a energia que resume bem toda estética em que o C.O.C se encontrava naquele período. Uma mistura caótica e o desbravamento de um novo universo urgente, a ponto de explodir, e que rendeu discos incríveis de nomes como S.O.D, Excel, D.R.I e Attitude Adjustment, além do próprio Corrosion of Conformity.

“Vote With A Bullet”
Blind
(Relativity – 1991)

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Esse é o único registro sem o baixista Mike Dean. O disco também conta o Karl Agell, que dividiu os vocais com Pepper Keenan.

“Dance of Dead” sempre foi uma das preferidas por aqui. Uma música com uma construção ótima, mas não há como negar a importância de “Vote With A Bullet” para a configuração que o metal buscava no início da década de 90. Uma livre troca de referências que abraçava diferentes estilos e alimentava um bem vindo frescor para aquele momento.

Fudge Tunel, Prong, White Zombie e Helmet foram bandas que, junto ao C.O.C, implantaram um novo jeito de fazer, pensar e enxergar o heavy metal que a partir dali, ganhava novas possibilidades. Mas ao mesmo tempo em que Blind olhava adiante, músicas como “Vote With A Bullet” mantinha a ética punk da banda.

“Albatross”
Deliverance
(Columbia – 1994)

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Deliverance é o House of The Holly do Corrosion of Conformity. O Powerslave, o Master of Puppets de uma banda que há algum tempo vinha procurando um canto na música para chamar de seu.

Deliverance é a bíblia daquilo que a gente entende como stoner metal. O princípio de tudo está ali. É cheio de grandes momentos e, entre eles, a forte abertura com “Heavens’s Not Overflowing”, o groove de “Senior Limpo”, o sludge(?) de “Broken Man” e o acesso hard rock dos anos 70 de “My Grain”. Mas calma, apesar de toda essa riqueza, nenhuma delas é a nossa eleita porque no recorte das músicas perfeitas, o C.O.C conquistou seu lugar quando compôs “Albatross”. É ela quem rouba a cena refletindo uma compreensão perfeita entre músicos e obra. Pepper dá uma aula de feeling vocal enquanto a cozinha viaja sob um dos riffs mais lindos do stoner metal.

Uma curiosidade. Reparem na bateria no início da música. Coincidência ou não, a virada inicial de “Albatross” é a muito semelhante a do início de “Balls to the Wall”, clássico do Accept.

“Wiseblood”
Wiseblood
(Columbia – 1996)

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Wiseblood deu um cacoete mais radiofônico aos refrãos de Deliverance, aos riffs de Blind e trouxe algumas composições para o blues que seria ressaltado em America’s Volume Dealer.

O C.O.C manteve a criatividade aguçada em andamentos cativantes, daqueles que você sem perceber já faz um air guitar pra acompanhar cada nota.

Dito isso, a faixa-título, é a nossa escolhida. E em uma dessas coincidências que só a música proporciona, “Wiseblood” tem um refrão nos lembra um pouco “Foxy Lady”, do Jimi Hendrix. Há quem diga que Wiseblood é a continuidade óbvia de Deliverance, mas isso tira a individualidade de um álbum que caminha com os próprios riffs.

“Diablo Blvd”
America’s Volume Dealer
(Sanctuary – 2000)

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A segunda metade dos anos 90 conspirou para que algumas bandas produzissem seus equivalentes ao Load e Reload, do Metallica. Não que sejam discos ruins, mas ficam devendo em criatividade. America’s Volume Dealer é um desses casos. Passa a impressão de ser um misto de tentativa radiofônica noventona com um resquício de tudo o que o C.O.C já havia produzido até ali.

A faixa “Congratulations Song”, por exemplo. Como em um passe de mágica, é quase impossível que a sua mente não seja invadida pela imagem de Scott Weiland, do Stone Temple Pilots, cantando “Sexy Type Thing”. “Stare Too Long” parece ter saído de um disco do Lynyrd Skynyrd. Entre todas elas, é em “Diablo Blvd” e na última faixa do disco, “Gittin’ It On”, que a gente aposta nossas fichas. Mas, como a ideia é escolher apenas uma, ficamos com a primeira opção.

“Paranoid Opioid”
In the Arms of God
(Sanctuary – 2005)

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In the Arms of God tem seus grandes momentos e “Paranoid Opioid” com certeza é um deles. A menção ao Black Sabbath não fica só no nome da música; ela está também em algumas linhas vocais. E mesmo com tanta menção ao Black Sabbath, o C.O.C conseguiu manter sua identidade.

“Paranoid Opioid” é a faixa mais legal de In the Arms of God. E quando você acha que ela terminou, entra outro riff lindo e, depois desse, outro; aí vem o final, com uma levada de bateria pesada. É aí que você solta aquele sorriso rendido enquanto pensa: “Que banda! Que música!”.

“River Of Stone”
Corrosion of Conformity
(Candlelight Records – 2012)

Pode parecer improvável, mas reparem como, guardadas as devidas proporções, “River Of Stone” tem certa proximidade com os últimos lançamentos do Mastodon. Principalmente na forma como Mike Dean encaixa as melodias dos vocais no refrão.

Corrosion of Conformity, o disco, é um registro com o mesmo line up de Animosity: Mike Dean (baixo e vocal), Woodroe Weatherman (guitarra) e Reed Mullin (bateria). Porém, apesar do mesmo espírito cru, é mais ousado e diverso. É saudável olhar o C.O.C como duas bandas diferentes que vivem em um só corpo. De um lado, o trio que gravou o Animosity. Do outro, o quarteto que gravou discos cheios de groove e riffs sabáticos.

“River Of Stone” é cheia de charme, com um Mike por oras descompassado em seu canto que vem do estômago e, ao mesmo tempo, de uma sensibilidade inspirada.

Um dos encantos de todo disco é fazer rolar ladeira abaixo os dizeres de quem acredita que o C.O.C. é apenas crossover ou stoner. Eles vão muito além disso, e dá um imenso prazer olhar, e ouvir, toda linha do tempo de uma das grandes bandas da nossa música.

“Trucker”
IX
(Candlelight Records – 2014)

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Tá aí um disco de guitarra alta. A capa, as músicas, os timbres, os vocais, o som vivo da bateria. Tudo aqui parece ter reencontrado o mesmo vigor que explodia em Animosity, Deliverance e Blind. IX é um disco valvulado.

Ouvindo músicas como a incrível “Trucker”, você tem a certeza de que esse é um reencontro com os riffs setentões e o peso que marcou a carreira dos caras. Mas, é com “The Nectar” que você conclui que IX é também um disco que acentua momentos mais acelerados.

Mike pode não ter o mesmo carisma da voz de Peeper, mas como a arte sempre opta por possibilidades, seu estilo de cantar traz um ar mais solto para as músicas. Dean é mais punk! Mas é ouvindo a nossa escolhida, “Trucker”, que você vai entender que nem tudo é 8 ou 80, e, nesse caso, a arte imita a vida sem qualquer constrangimento.

“Trucker” é puxada por um riff altamente sabático e chega a lembrar um pouco os tempos de Blind.

IX, no mais literal dos sentidos, é um grande álbum, carregado do que há de melhor em uma banda como o C.O.C, e deve recebido como tal.

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