WILLIS EARL BEAL: a força lo-fi de ‘Acousmatic Sorcecy’

In Discos

Foto: Jamie-James Medina

Entre alguns dos lançamentos recentes, o lo-fi parece ter perdido um pouco sua literalidade. Ainda assim, há por aí pérolas que conseguiram ir além da despretensão que o estilo promete, e o primeiro disco de Willis Earl Beal é exemplo disso.

Hoje, não raramente Willis Earl Beal é citado em veículos de grande alcance, mas em 2012 ele era uma novidade batizada por um nome de pronúncia enrolada e portador de um vozeirão negro, forte e marcante, carregado de identidade.

Naquele mesmo ano, Willis Earl Beal era um jovem de 27 anos que poucas pessoas fora de Chicago tinham ouvido falar. Tudo bem, poderia ser só mais um cara talentoso com uma voz incrível, mas sabe quando você escuta algo que instala em você uma vontade de saber, ouvir e ter mais daquilo? Pois é, procuramos, procuramos, procuramos e não encontramos a matéria onde havíamos lido sobre Willis Earl Beal.

A única memória que a gente tinha era a capa do disco. Um lance meio rabiscado em preto e branco, que retratava um quarto onde havia um desenho de Bob Dylan na parede. Só isso. Poucas referências e uma vontade grande de ouvir aquilo de novo. “Como chama daquele cantor com nome estranho?” Nada, nem no Google. Sem essa informação preciosa a batalha era quase perdida. Quase.

Mas a vida é caprichosa e, em uma de nossas visitas a lojas de discos,  lá estava o LP. Um tanto deslocado numa prateleira de usados. Protegido por um plástico gasto pela passagem de mãos apressadas, ou que simplesmente ignoravam o que havia registrado naquele álbum. A gente se olhou e “é nosso!” O LP que passamos alguns anos procurando estava lá. É ele, certeza que é!”. Trouxemos o Willis Earl Beal pra casa.

Foto: Sounds Like Us

Aos 23 anos de idade e depois de cair em depressão por ter sido demitido do Exército por razões médicas, Willis saiu de Chicago e foi para o deserto do Novo México. Escreveu muitas músicas, gravou algumas e deixou essas gravações em lugares aleatórios. Como falamos no início, em uma divulgação também lo-fi, Willis imprimiu seu número de telefone em panfletos e convidava as pessoas a chamá-lo para cantar. Ele não tinha MySpace, Bandcamp ou algo do tipo. As plataformas eram as do metrô da cidade.

Segundo artigo do Guardian, até 2011 Willis nunca havia se apresentado ao vivo e nem lançado nenhuma música. No entanto, apareceu na capa de várias revistas e despertou o interesse de Damon Albarn (Blur), que queria trabalhar com ele, e de Mos Def, que queria fazer um filme sobre a história do cantor.

Willis é de uma sonoridade que leva a música para um lado doído, melancólico. É magia da raça negra, parente em primeiro grau do gospel, e que fala de sentimentos plantados em uma região fertilizada por Dylan e Tom Waits. É música para ouvir com pés descalços em um gramado de dia, de noite, à tarde. Fazendo um jantar numa quinta-feira ou na preparação do almoço de domingo. É pra ouvir na volta para casa depois de um dia estressante ou simplesmente escutar enquanto observa a paisagem pela janela do trem, carro, ônibus ou avião. A música de Willis é um potente vetor de sentimentos.

Talvez por ter sido registrada de forma tão genuína. Willis sussurra, sobe o tom, deixa a emoção falar quando usa sua voz como instrumento. Desafina sem medo, da mesma forma que contorce o que sente.

Foto: The Fader

Acousmatic Sorcecy é uma bela estreia, ao mesmo tempo em que é também um campo inseguro para quem se despe na música que compõe. Em um artigo, o autor escreveu que, de olhos fechados, dá pra imaginar a cena de Willis em sua casa às 2h da manhã. E o clima é esse. Luz amarela, quente, paredes de madeira descascadas pelo tempo e um violão, que por vezes até soa gasto, reverberando as canções do disco lançado em 2012, pela XL Recordings.

“Take me Away” é um lamento ruidoso: In remission of a mind, watch and listen to find / The position behind this illusion of time / Got me counting my dimes so on the bus I can ride / I’m even doubting the rhyme, I’m in no rush I can hide.

“Sambo Joe From the Rainbow”, “Monotony” e “Evening’s Kiss” são todas cantadas mais quietamente, sob um looping de acordes. Parecem ser as primeiras versões gravadas com urgência para que a inspiração não desgarrasse dos pensamentos.

“Ghost Robot” e “Swing On Low” anunciam uma tentativa de rimas que encantam ao fugir um pouco da lamúria, e trazerem um pouco mais de garganta e força.

Se Acoustmatic Sorcery trouxe o minimalismo da música registrada de forma caseira, o impacto, de mínimo, não teve nada.

A voz negra, forte e de grandes dimensões merece uma atenção especial. E se hoje Willis Earl Beal já é um nome mais conhecido, para nós, sua gênese ainda será contada de forma entregue e despretensiosa, de quem ainda está lá, dentro de um quarto, compondo e registrando sua necessidade de se expressar. Como extensão do que se sente. Como uma emoção pronta para explodir.