HC Escandinávia – parte 3 10 discos para entender o punk/hardcore feito por lá

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Pois é, nem só de vikings e black metal vive a cultura e a arte produzidas na parte norte da Europa. Como já falamos na primeira parte desse nosso especial, existe uma convergência gigante entre a cena punk/hardcore que surgiu na década de 80 por lá e a nossa rica cena brasileira da mesma época.

Os hinos escritos e registrados pelas bandas que ajudaram a edificar esse movimento são grandes responsáveis por no aproximar das mensagens que o punk sempre transmitiu. A relação próxima dos cenários escandinavo e brasileiro criou um diálogo entre os dois universos.

As bandas brasileiras destilavam a raiva urgente de uma música que gritava sobre a periferia e que, no início dos anos 80, sobrevivia em um Brasil que se recusava a optar por eleições diretas. Tempo de uma sociedade intolerante, cega por um tal milagre econômico e afundada em uma inflação descontrolada. O punk daqui era violentamente urgente e objetivo e, nisso, conversava de igual pra igual com o escandinavo. Se aqui tínhamos o Olho Seco, Cólera, Armagedom, Ratos de Porão e Lobotomia, por lá o Rattus, Kaaos, Lama e tantas outras transmitiam seu imediatismo de forma contemporânea.

Dito isso, é hora da música falar por si. É hora de ouvir e reconhecer, em cada um dos discos que listamos a seguir, o contexto histórico e tão importante para a sustentação de um movimento que nada deixa para depois. Porque o punk é sobre o agora. É pra já!

Leia também:
HC Escandinávia – Parte 1
HC Escandinávia – Parte 2

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I Hate Ya / I Want Ya Back (Finlândia)


Esse foi um dos primeiros registros em vinil lançado por lá, no ano de 1977. O single I Hate Ya / I Want Ya Back era mais para o punk rock do que para o hardcore, mas sua importância como precursor na construção daquela então nova cena é inquestionável. A primeira música é um punkão básico e a segunda é meio que uma balada. No ano seguinte eles lançaram outro compacto, abandonando esse lado mais tranquilo, e pisaram um pouco mais fundo no acelerador nas músicas “Fuck the Army” e “Product of the TV Generation”.

O curioso deste disco é que o baixo ficou por conta de outro músico, um tal de Timo Huovinen, já que Ilkka estava servindo o exército. Ou seja, fuck the army em dose dupla. Temos aí o início do movimento na Finlândia e o registro de uma das primeiras banda punk daquele país.

CadgersDemo 81 (Finlândia)

É apertar o play e pensar “Pqp, como isso é lindo!” O Cadgers durou pouco com esse nome, já que mais tarde eles viriam a ser o que hoje a gente conhece por Riistetyti.

Há poucos registros e, entre eles, os mais conhecidos são uma demo e um split com o Kaaos, lançados em 1981. É a essência daquilo que entendemos por uma banda punk vinda daquela parte do mundo. É ríspido e tem aquele magnetismo pertencente às grandes bandas que já te conquistam na primeira audição. E aí, amigos e amigas, vira um sério e duradouro caso de amor. Experimente!

RattusUskonto on Vaara (Finlândia)

Dentro do punk e do hardcore da década de 80, duas capas se tornaram emblemáticas e vêm na memória sem muito esforço quando o assunto é relembrar aquela época: Let’s Start a War, do Exploited, e Uskonto on vaara, do Rattus. Ambas têm o poder de levar a gente de volta para aqueles dias, traduzindo tempo e espaço em um punk musicalmente forte e contundente.

O Rattus é uma banda bem importante para a cena nórdica e brasileira. Formado em 1978, os primeiros lançamentos chegaram por aqui com certo delay, mas ainda assim pegou forte entre os fãs com músicas intensas e dedicadas aos princípios de um punk que ainda se mantém ativo nos dias de hoje. Vida longa!

Terveet Kädet ‎- Ääretön Joulu (Finlândia)

Salve New Face Records! Não fosse este selo, a história por aqui poderia ter um recorte com menos alicerces. O New Face foi um selo pioneiro criado na metade dos anos 80 que lançou importantes discos por aqui como Rajoitettu Ydinsota, o Uskonto on Vaara e o Stolen Life, do Rattus.

Para alegria dos brasileiros eles ainda lançaram o maravilhoso Black God, do Terveet Kadet, isso sem falar em pérolas nacionais como Olho Seco e Lobotomia. Visto por esse cenário, claro que o Black God tem um canto especial na nossa memória. A prensagem nacional comprada na saudosa André Discos, loja especializada em punk e metal que ficava na Zona Leste de São Paulo, ainda vive na nossa estante, mas o Ep Ääretön Joulu com certeza foi um dos divisores de águas na cena escandinava. Importantíssimo!

ShitlickersS/T (Suécia)

Junto com o Anti-Cimex, o Shitlickers é a definição da pura brutalidade do hardcore sueco. Poderíamos terminar nossas impressões aqui, mas não seria justo. Foi em uma fita k7 que ouvimos pela primeira vez uma gravação do Shitlickers. Como já era uma gravação da gravação de outra gravação, a qualidade não ajudava muito. Mas como na adolescência uma das coisas mais importantes é a brutalidade e a atitude desafiadora, o Shitlickers caiu como uma luva. De um lado, Chaos UK, de outro, o primeiro EP desses caras e o ruído que brotava das caixas era impressionante.

Tempos depois, já na era do Youtube e com uma gravação melhorzinha, foi uma alegria constatar que nossas impressões ainda eram as mesmas. O Shitlickers ainda soa brutal, sujo e com uma forte marca no punk/hardcore mundial.

Kaaos – Totaalinen Kaaos (Finlândia)

Por algum tempo nossa admiração por essas bandas vinha do tanto que elas desafiavam a sua zona de conforto. Ou da pré-disposição de cada um de nós em se deixar levar por uma agressividade da qual você se apropria para expurgar, pela via musical, o que vive dentro de você. Com o Kaaos foi assim. Comparando um pouco, a sensação é que eles devem ter causado a mesma impressão nas outras bandas da Finlândia que o Bad Brains causou nas de Washington. Eram a uma espécie de referência daquele movimento.

Muita honestidade, vigor e velocidade extrema. o Kaaos têm um tipo de raiva peculiar transmitem isso de uma forma contagiante. Totaalinen Kaaos traz nove hinos empolgantes e demonstrativos de como esta é uma banda impetuosa.

RiistetytSkitsofrenia (Finlândia)

Um dos prediletos da casa. O Riistetyt é áspero, intransigente e delineado sob o maravilhoso tempo do D-Beat. Com certeza foi uma das bandas mais importantes do punk nórdico e do hardcore a levar a musicalidade daquele cenário a consequências mais imediatas.

A mistura de referências no som dos suecos era perfeita. Puxava para algumas bandas inglesas como Disorder e o Chaos UK e para os finlandeses do Lama. Isso fazia com que do som do Riistetyt brotasse uma energia diferente. Toneladas de riffs cativantes e crus que vão fazer você querer ouvir mais e mais.

LamaS/T (Finlândia)

Esse é um nome com que não tivemos muita proximidade na época da explosão do punk/hardcore finlandês por aqui, mas que sempre esteve presente no ambiente e no imaginário de quem se identificava com o movimento.

O Lama apareceu em algumas coletâneas que o Fábio, da Punk Rock Discos, fazia e que depois corriam por mão sedentas pelo novo barulho que vinha sendo feito do outro lado do mundo. Uma banda muito respeitada e o disco autointitulado ainda é um dos mais cultuados ao redor do mundo.

Svart Framtid – (Noruega)

Tem algo de Dead Kennedys, principalmente na música que abre o disco. Aí você soma a fúria no modo de cantar, que virou uma marca dessa geração de bandas, e pronto, temos o som dos noruegueses do Svart Framtid.

Os caras formaram a banda em 1982, em Oslo, e esse EP foi lançado em 1984, sendo o único registro da banda antes que ela se dissolvesse. Honestamente, ninguém aqui é expert em norueguês, mas a intensidade em cada uma das músicas é grande parte do que a gente precisa pra constatar a importância do Svart Framtid na cena punk/hardcore.

Totalitär (Suécia)

Nsse EP os suecos conversam de perto com Extreme Noise Terror, Doom e outros nomes do crust que a gente tanto gosta. Nosso primeiro contato foi no início dos anos 2000 quando o Ratos de Porão lançou o EP Guerra Civil Canibal. Em alguma entrevista o RDP mencionou o Totalitär e fomos atrás para tentar descobrir do que se tratava aquela banda e assim chegamos a Sin Egen Motståndare. Com o tempo, e conhecendo mais sobre a história da banda não há como negar: o primeiro EP dos caras foi muito importante para ajudar a pavimentar de forma consistente a estrada do punk/hardcore sueco.

Um registro bem legal que vale ser lembrado aqui é a coletânea Punk Ja Yäk! – Suomipunk 1977-1987, um apanhado com um monte de bandas do punk/hardcore da Escandinávia. É um box com quatro CDs, lançado em 2009 pelo selo Stupido Records. Tem de tudo, desde as pioneiras até nomes como Ratsia, Vaavi, Bastards, Appendix e outros que vão ajudar você a entender a cronologia e a evolução do punk que rolou por lá. Vale muito!