Morrissey Citibank Hall - 21 de novembro de 2015

In Shows

Fotos: Sounds Like Us

Morrissey e sua banda tomaram o palco de assalto por volta das 22h30, mas o show começou por volta das 22h. Explico. É que antes da banda subir ao palco, uma coletânea com vídeos de bandas, poesias, discursos ou dançarinos é exibido como forma democrática e interessante de dividir com o público algumas de suas influências e referências. Talvez pela longa duração, boa parte do público dominado pela ansiedade não prestou muito atenção ao conteúdo. Exibidos em uma espécie de cortina branca, o primeiro da lista foi uma apresentação do Ramones tocando a incrível “Loudmouth”. Depois vieram Ike e Tina Tuner, New York Dolls, um trecho de uma entrevista com Edith Sitwell, uma declaração do lindíssimo poema “Wanting to Die”, de Anne Sexton, uma apresentação de um dos principais cantores da França, Charles Aznavour, entre outros. Morrissey parece querer montar seu quebra cabeça de influências musicais e estéticas. E consegue. Assim como consegue também irritar um público inquieto, mas é o modo Moz de dar de ombros e homenagear suas inspirações seguindo fiel à sua arte. Morrissey sendo Morrissey.

MorrisseyMas para o público ansioso por ouvir “How Soon is Now”, aquilo parecia ser fora dos limites da tolerância e os assobios e gritos de “Morrissey, Morrissey” já ecoavam por um Citibank Hall impaciente.

Grande parte do set list foi baseado no último disco, World Peace Is None of Your Business, mas quando cai a cortina onde foram projetados os vídeos é “Suedehead”, clássico radiofônico de Viva Hate (88), que dá início a um espetáculo impecável. Som perfeito, coisa difícil de acontecer logo de início e público cantando alto, mas muito alto o refrão dessa que tocou bastante nas rádios. A linda e elegante “Alma Matters” veio na sequência e teve o poder de causar certo silêncio. Entre as partes mais calmas, delicados acordes. No refrão, uma concentrada explosão de banda e público em comunhão durante os seus pouco mais de quatro minutos de duração. É uma baita música e ao vivo ganha uma dose generosa de peso. A banda toca alto e na sequência vem a pouco conhecida do público “Speedaway”, que prepara o terreno para “Staircase at the University” e para a ótima e hipnótica “Ganglord”.

Em um gesto de gentileza e reconhecimento, a apresentação de cada integrante é feita por eles mesmos e não pela figura principal. Morrissey sai do foco, senta no praticável da bateria e espera cada um dos músicos, que vão até o microfone dizer seu nome e o instrumento que tocam.

MorrisseyAntes de “Meat is Murder”, Morrissey discursa em defesa do não consumo de carne animal e um vídeo TENSO, muito TENSO, começa a ser executado no telão, enquanto Moz e banda desfilam o hit que dá nome a um dos melhores discos de sua antiga banda, The Smiths. Ao final, a frase “Qual é a sua desculpa? Carne é assassinato”. As cenas são violentamente emocionantes e conseguem transmitir o recado. Ali, talvez, muita gente deve ter pensando ou repensando sobre o assunto. Afinal, qual o papel da arte senão a de provocar reflexão e mudanças. Mais uma vez, Morrissey sendo Morrissey.

A essa altura, com o calor da apresentação ele brinca: “My hair is wet, my brain is wet and I can’t make anything about this!” . Perde o visual, mas sobra presença domínio de palco.

sub_02Segue o show e entre “Bullfighter Dies” e a tristonha e radiofônica “Every Day is Like Sunday” alguém da plateia conseguiu chamar mais atenção que Morrissey, que num momento João Gilberto solta “do you need a megaphone?”. Ainda com um sorriso meio de canto, no típico sarcasmo inglês, “World Peace Is None of Your Business” vem acompanhada de imagens no telão de protestos contra Margaret Thatcher, com frases singelas como “Tatcher is dead… LOL” e “Rest in SHAME”. Depois disso “Jack the Riper” e “Kiss Me a Lot” fecharam o set.

Rolou a tradicional espera de uns 10 minutos antes da banda voltar para o palco e executar a intensa “What She Said”. Morrissey diz que passeou por São Paulo, que adora grafite, viu alguns por aqui e que gostaria de saber grafitar. Sem tocar no assunto Paris, “I’m Throwing My Arms Around Paris” fez o público cantar alto como se aquele refrão tivesse sido criado por cada uma das pessoas presentes.

sub_05Inevitável, nosso primeiro encontro como Morrissey caminhava para o fim e restava a espera de qual seria a música encarregada de encerrar esse dia de trilha sonora nostálgica, admirável e surpreendente. Antes do desfecho, veio o anúncio de que a próxima música seria sobre“pessoas que amamos e pessoas que odiamos”. Começam os acordes da densa “The Queen is Dead”, sustentada por uma imagem escrachada da rainha mostrando o dedo do meio, o que traduzia um pouco a “homenagem”.

Para infelicidade de parte do público, o setlist só contou com três músicas do Smiths. Veja bem, de alguns, o que não é o nosso caso. Morrissey tem carreira sólida e uma discografia maior do que com a banda que o revelou. Sem falar que World Peace Is None of Your Business é de 2014 e o que se viu, foi um show de quem não precisa viver de clássicos e continua relevante dentro da música que produz. Moz segue melhor com o tempo e cantando perfeitamente bem. Pode parecer um pouco demais, mas não sem fundamento, dizer que ele é uma espécie de Sinatra da sua geração. Mas guardadas as devidas proporções, cremos que essa é uma posição que ele adoraria ocupar, e mesmo sem pretensão, segue por esse caminho.

sub_07Como era de se esperar, o lugar estava cheio de casais de diversas idades, opções sexuais, credos, filosofias, seguimentos, partidos e bandeiras, mas pra nós, um deles virou o símbolo da noite. Um homem e uma mulher, ambos com aproximadamente 60 anos, as  costas já curvadas pelo peso do tempo, já grisalhos, mas que durante todo show dançaram os mesmos passos e cantaram as mesmas músicas abraçados, de mãos dadas. Juntos. E é disso que o mundo precisa.

sub_06Setlist
Suedehead
Alma Matters
You Have Killed Me
Speedway
Ganglord
Staircase at the University
Istanbul
World Peace Is None of Your Business
One of Our Own
The Bullfighter Dies
You’ll Be Gone (Elvis Presley cover)
I’m Not a Man
Yes, I Am Blind
Meat Is Murder(The Smiths)
Everyday Is Like Sunday
Smiler with Knife
Kick the Bride Down the Aisle
Kiss Me a Lot
Jack the Ripper
What She Said(The Smiths)
I’m Throwing My Arms Around Paris
The Queen Is Dead (The Smiths)

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