Babes in Toyland e a fúria de ‘Fontanelle’

In Discos
Vinicius Castro

1991: The Year Punk Broke é um dos marcos de toda uma geração. O documentário, dirigido por Dave Markey, traz como recorte um período em que algumas bandas desdobraram o rock alternativo daquele momento em algo mais barulhento, indo além do que a gente ouvia por meio das chamadas college bands.

Pra não fugir muito da intenção dessas linhas, em resumo, a ideia de 1991: The Year Punk Broke era registrar a turnê europeia do Sonic Youth ao lado do Nirvana no final daquele mesmo ano. O filme traz aparições de nomes como Mike Arm, do Mudhoney, apresentações dos já citados Nirvana e Sonic Youth, além do Gumball, Ramones, Dinosaur Jr e o Babes in Toyland, trio formado em 1987 e que na época contava com Kat Bjelland (vocal/guitarra), Lori Barbero (bateria) e Michelle Leon (baixo).

Pensem comigo na efervescência daquele cenário. Entre as bandas que estão no documentário, em 1990 o Sonic Youth tinha lançado o clássico Goo, com o single de “Dirty Boots” fazendo os adolescentes sonharem com um ambiente como o retratado naquelas imagens. No ano seguinte o Ramones lançou o aclamado Loco Live, que fez a cabeça do público brasileiro; e o Mudhoney, Every Good Boy Deserves Fudge. Isso sem falar em outras bandas contemporâneas que também lançaram discos incríveis.

Voltando ao Babes in Toyland, a banda foi formada em 1987, em Minneapolis. Já foi citada como influência por nomes seminais, como Kathleen Hanna (Bikini Kill/Le Tigre), conforme Kat contou ao The Current. Na mesma entrevista ela também comenta sobre o Babes in Toyland ter sido ofuscado, de certa forma, e o motivo é de fato um mistério, já que elas gravaram ótimos discos, tiveram singles veiculados na MTV e fizeram turnês com My Bloody Valentine, Melvins, White Zombie e Kyuss, entre outros.

Kat Bjelland (vocal/guitarra), Lori Barbero (bateria) e Michelle Leon (baixo). Foto: Divulgação

O primeiro disco foi lançado em 1990. Spanking Machine tem uma sonoridade bem característica daquele inicio de década. Urgente e direto, traz o single de “He’s My Thing”, que costumava frequentar as madrugadas da MTV brasileira.

Fontanelle, segundo disco do Babes in Toyland, foi lançado em 1992. Junto dele, veio uma mudança na formação. Por conta do assassinato do seu namorado à época, a baixista Michelle deixou a banda pouco antes das gravações. O posto foi ocupado por Maureen Herman, que é quem aparece nos vídeos de divulgação do disco, fechando assim a formação mais conhecida do trio.

Maureen Herman, Kat e Lori. Foto: Divulgação

Ainda mais barulhento que seu antecessor, Fontanelle traz uma sonoridade altamente viceral e primitiva, leia-se, imune aos filtros que uma banda possa estar sujeita, seja por conta da vontade de uma grande gravadora ou mesmo pelo desejo de se inserir e um determinado cenário.

Desde a primeira audição (obrigado, locadoras de CDs) nada em Fontanelle me parecia muito lapidado ou adaptado em favor de um certo estilo, fosse ele o grunge ou o rock alternativo em alta na época. Pelo contrário. Tudo ali era altamente viceral, desenfreado e até espontâneo, de certa forma.

Parte de Fontanelle foi gravada em Nova York, no Sorcerer Sound. Uma outra parcela do disco foi captada em Minnesota, no Pachyderm, estúdio de Steve Albini (Shellac), o mesmo onde o Nirvana gravou In Utero. Uma curiosidade é que a coleção de bonecas presente na contracapa do terceiro disco do Nirvana tem o dedo de Lori. Ela contou ao The Current que levou Kurt Cobain em uma loja em Minnesota, chamada Barebones. Lá o vocalista gastou uma boa grana em fetos, ossos, pedaços de bonecas e tudo mais, algo que você pode ver na arte do álbum e no vídeo de “Heart Shaped Box”.

O primeiro single de Fontanelle, e talvez a música de maior sucesso, foi “Bruise Violet”. Lembro de uma diversidade de pessoas, de diferentes gostos, ficarem chocadas. Eu fui uma dessas pessoas.

“Bruise Violet” foi um desses casos em que o interesse por uma música ou banda acontece logo no primeiro impacto. Letra e sonoridade sob uma energia genuinamente punk.

You got this thing that really makes me hot
You got a lot and more when you get caught
You got this thing that follows me around
You fucking bitch, well, I hope your insides rot!
Liar… Liar…Liar.

Fontanelle veio ao mundo em um período em que o mundo se esbaldava no loud quiet loud que o Nirvana absorveu dos Pixies; o Babes in Toyland parecia procurar o seu loud loud loud e “Bruise Violet” é um ótimo exemplo disso.

Alguns momentos são passionais. Misturam-se sussurros, gritos rasgados, andamentos instintivos e ruídos de uma honestidade sonora que sempre me pareceu ser a premissa, principalmente neste registro.

“Bluebell” traz um pouco, talvez mais em seu início, da ameaça dos Cramps e pouco depois, ao 01:10, a coisa fica ainda mais raivosa. A voz de Kat chega a tremer enquanto ela berra com todas as vísceras o trecho da letra sobre dois roadies de uma outra banda que tentaram agredir Lori sexualmente.

You know who you are
You’re dead meat, motherfucker
You don’t try to rape a goddess

A produção de Fontanelle é uma parceria entre Kat Bjelland e Lee Ranaldo, do Sonic Youth. Foi o primeiro lançamento da banda por um grande selo (Reprise), mas, pra nossa sorte, isso não intimidou o barulho que elas produziram. Parte do contrato, inclusive, envolvia uma cláusula que atendia ao posicionamento da banda: ter total controle artístico sobre sua obra. Em um tempo onde todas as grandes gravadoras buscavam por um novo Nirvana, acredite, ter uma cláusula nesse contexto era uma vitória e tanto.

A nirvanesca (Bleach-era) “Pearl”, junto com “Won’t Tell”, “Blood” e a incrível “Realeyes” são também destaques, sendo estas duas últimas sustentadas por uma vibe de pista de algum inferninho da década de 90. Já “Magik Flute” por algum motivo (talvez pelo timbre de voz de Lori) me remete à década de 80, principalmente na parte do refrão.

Fontanelle é um puta disco! Muito cultuado, porém pouco mencionado. É sujo, primitivo, barulhento e, principalmente, honesto. Uma sucessão de músicas que parecem ter nascido muito mais da necessidade de serem expurgadas do que por qualquer outra razão estética ou mercadológica.

O segundo álbum do Babes in Toyland detém o que rock sustenta de mais lindo e que, em alguns casos infelizmente, se perde pelo caminho: paixão e fúria.

Lori, Kat e Maureen com o encarte de Fontanelle