R.E.M 10 anos depois, 'Accelerate' ainda é um autêntico disco de rock

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Foi realmente interessante ficar distante do R.E.M por alguns anos. Depois de certo período, a maturidade veio contar, em um contexto menos rígido, o tanto que essa banda foi, é, e ainda será, por um bom tempo, algo muito importante. A questão é que, olhar para a nossa história mostra que a college band R.E.M é uma marca na nossa, e na vida de muita gente.

O aveludado baixo de levada funk 70 em “Orange Crush” ainda reverbera marcante na memória, assim como a dança meio esquisita do clipe de “Pop Song 89”, um hit e tanto da década de 80. O fireeeee no refrão de “The One I Love”, foi cantado incontáveis vezes quando a idade era pouca. Mais tarde, nas baladas adolescentes, transformou-se em grito quando a gente agia como se o mundo fosse acabar no minuto seguinte. E talvez fosse. Michael Stipe avisava isso em “It’s The End of the World as We Know It” e sentia-se bem com isso. A gente acreditava e também nos sentíamos confortáveis. Era um tempo onde um mundo acabava a cada descoberta enquanto outro era inaugurado no segundo seguinte, com emoções inéditas.

O R.E.M conseguiu dosar conteúdo rico e apelo radiofônico como poucos. Sempre foi fácil cantar com eles. Equilibravam a idoneidade do rock alternativo com a facilidade em falar o idioma da grande massa. Uma máquina de cuidadosas canções, mas depois de Automatic For the People e Monster, nos distanciamos. Sem muito motivo, com bons amigo(a)s, tomamos direções distintas. Coisas da vida. Mas o curioso é que, sem este hiato, nosso reencontro não teria sido tão bonito como o que aconteceu em 2008.

Accelerate, elogiado pela crítica e não tão acolhido pelos fãs como merece, é um álbum que tem um gás juvenil e a retomada de uma aura menos complexa por Peter Buck (guitarra), Mike Mills (baixo) e Michael Stipe (vocal). Há guitarras altas, refrãos lindos, letras inteligentes e uma musicalidade que nunca deixou de se relacionar com a banda, mas andava meio coadjuvante por conta de experimentos mais complexos. Mas já era hora de reencontrar a simplicidade do bom e velho rock. Era hora de voltar ao básico.

E que nome perfeito para o momento em que a banda se encontrava. Accelerate veio depois de outros discos, digamos, mais mornos: Up, Reveal e Around the Sun. Todos gravados depois da saída do baterista original da banda, Bill Berry, substituído por Bill Rieflin, que já tinha tocado com o Ministry, Revolting Cocks, Lard.

Foto: Brian Rasic

No século XVI o poeta inglês George Herbert já tinha avisado o que o R.E.M adotou como um statement compromissado com a sua história até ali: “Living Well Is The Best Revenge”.

All your sad and lost apostles
Hum my name and flare their nostrils
Choking on the bones you toss to them
Well I’m not one to sit and spin
‘Cause living well’s the best revenge

Na sequência temos um desfile de letras e músicas que soam bem confortáveis em seu tempo e espaço. “Man-Sized Wreath” é objetiva. Rock despido e com cara de single. Na verdade esse é um álbum que parece feito quase todo por potenciais singles. É quase impossível não cantar junto:

Throw it on the fire
Throw it in the air
Kick it out
On the dance-floor
Like you just-don’t-care


Radiofônica, “Supernatural Superserious” tem no seu início uma pitada do mesmo rock feito em Document. Mas o disco também traz momentos mais 2000 da banda e isso acontece em “Hollow Man”, para que depois dela a faixa-título entre e faça com que você aí, que passou batido por esse álbum na época, questione “onde eu estava com a cabeça que não dei a devida atenção a esse disco?”. Tudo bem, isso é passado. O que a gente quer é encher você de motivos para recuperar o tempo perdido e “Accelerate”, a música, é um deles.

Mas como nem tudo são flores, há também momentos menos empolgantes. Entre eles, “Houston” e “Until the Day Is Done”, com seu jeitão meio “Daysleeper”, são as que respondem por isso. Ambas fazem a ponte para te levar ao encontro com “Mr. Richards”, um personagem fictício talvez, mas que parece ser bem merecedor da mensagem real. Por isso, seja lá quem for, o tal Mr. Richards ganhou uma faixa com uma dinâmica interessantíssima.

Foto: Divulgação

O mesmo cabe a “Sing in the Submarine”, um momento quase épico, coisa que Stipe e sua turma sabem fazer tão bem. E como é gratificante ver como essa faixa evolui por volta dos 2:37. É delicioso ouvir a explosão emocional onde o R.E.M soa realmente como uma banda de protagonismo compartilhado. É Buck, Mills e Stipe como uma formação e a sonoridade típica de uma banda de rock.

“Horse the Water” ainda empolga, e mesmo não sendo um primor de criatividade, traz de volta uma veia quase punk rock que não vinha pulsando tanto nos anos que precederam Accelerate. Por fim, é preciso aplaudir a divertidíssima “I’m Gonna DJ”.

If death is pretty final, I’m collected vinyl
I’m gonna DJ at the end of the world
Cos if heaven does exist with a kickin’ playlist
I don’t want to miss it at the end of the world

Ela tem o encaixe perfeito para uma pista de dança da década de 2000. É rock dançante. E dos bons. É também o mesmo Stipe. Criativo, sagaz e, mais uma vez, um tanto confortável e sentindo-se bem com o tal fim do mundo.

O R.E.M, envolto em toda sua maturidade, olhou pra dentro e revolucionou. É o que transmite Accelerate. Um lugar onde eles deixaram as emoções simplesmente serem o que elas são num fluxo quase juvenil de descarrego. Dá a impressão de que é um disco gravado junto, com a banda tocando numa mesma sala, naquele clima de college band edificado pelos próprios.

Voltando a “I’m Gonna DJ”, nela Stipe confirma ser um dos melhores letristas do nosso tempo: Music will provide the light you cannot resist. Dito isso, não há motivo mais convincente pra você revisitar esse grande disco, né?

Accelerate segue sendo um belo marco na discografia da banda. Um disco bom de ouvir e de ter por perto.

Foto: Divulgação