1991 – O ano do death metal Dez discos de uma época rica para a música extrema

In Bandas, Discos, Especiais
Vinicius Castro

Em um panorama rápido, 1991 foi um ano de alguns acontecimentos marcantes na música. Perdíamos Freddie Mercury e ao mesmo tempo que o ganhávamos o Nirvana e seu Nevermind, que destronou o hard rock e colocou o chamado rock alternativo à frente de Dangerous, de Michael Jackson.

O Brasil, ainda refém do chamado rock 80, usou o underground para se libertar desse estigma e ótimas bandas surgiram. Enquanto isso, na superfície, as rádios voltaram a depender de grandes empresas e, com isso, a grana e o jabá voltaram a falar mais alto. A consequência disso? Os grandes veículos continuaram exaurindo nossos ouvidos com Dire Straits e Barão Vermelho com sua “Bete Balanço”, enquanto outras duas ou três estações de rádios e programas de TV resistiam bravamente para manter o que havia de fresco na música.

Lá fora não foi diferente. Enquanto o Guns n´Roses se afundava em megalomanias, o Metallica conquistava status de banda grande com o Black Album e o U2 dominava o pop rock com suas turnês gigantescas, um monstro forjado no fim dos anos 80 vinha ganhando forma, força e voz gutural no submundo. Pode-se dizer que, o Possessed, com a clássica demo Death Metal; ao lado do Slayer, com Hell Awaits e da demo tape do Mantas, deram origem a uma série de bandas que a partir dali solidificariam o metal morte.

Era final da década de 80 e o pilar do que viríamos a ver e ouvir em 1991 vinha sendo edificado pelo Nihilist, que originou o Entombed na Suécia; pelo Massacre, o Xecutioner (que mais tarde mudaria seu nome para Obituary), e o clássico compacto Thy Kingdom Come (87), do Morbid Angel nos EUA. Pouco tempo depois, isso seria fortalecido pelo Benediction, que junto com o Bolt Thrower e o seu maravilhoso Realm of Chaos (89), catequizaram o death metal na Inglaterra. Voilà! Tínhamos então um movimento.

É importante sublinhar que essa matéria não tem a pretensão de ser uma resenha e sim resgatar e dividir memórias de um ano enriquecedor dentro de uma parte da cultura underground que, naquela época, viveu à margem. Mas que, de uns anos pra cá, vem sendo cada vez mais requisitada e reconhecida como um recorte de grande importância dentro da música extrema.

Leia também

PUNGENT STENCH
Been Caught Buttering 

Foto: Divulgação

O primeiro contato com os austríacos foi por meio do compacto Extreme Deformity, lançado em 1989. A capa tinha o logo da banda escrito em vermelho e uma cruz invertida – em outras edições o logo era amarelo. No nosso imaginários ficou uma banda que prometia muito respingo de sujeira para todos os lados. Dois anos depois, Been Caught Buttering causou certo desconforto com a famosa capa dos cadáveres enamorados e trouxe um Pungent Stench mais seguro de sua sonoridade. O disco é recheado de riffs, passagens mais lapidadas e até uns riffs que parecem beber direto na fonte do Black Sabbath. É um grande disco e um bom início para nossa lista.

GRAVE
Into the Grave

Foto: Axel Jusseit

Por algum vacilo do universo, o Grave nunca recebeu o reconhecimento merecido. Dentro da cena sueca que despontava no início da década de 90 eles eram sempre lembrados depois do Dismember, Entombed e Unleashed. Como toda arte extrema, o death metal também olhava para a velocidade como um de seus pontos focais. A própria história do Entombed começa com Nicke Andersson, Uffe Cederlund e Alex Hellid levando a sonoridade do GBH, Motorhead e Discharge a um nível mais veloz, mas isso é um outro ponto, voltemos ao Grave.

O interessante é que, enquanto a grande maioria procurava ultrapassar os limites dos bpms possíveis, o Grave preenchia o andamento mais clássico trazido do thrash. Era mais próximo do Slayer de discos como Hauting the Chapel e Hell Awaits e, ainda que com um blast aqui e outro ali, o Grave ocupou uma lacuna que carecia de uma rispidez como personagem principal. Buscando aqui na memória, houve quem dissesse não gostar da banda por soar “lento demais” – o mesmo eram os comentários sobre o Bolt Thrower. Vai entender…

CANNIBAL CORPSE
Butchered At Birth

Podre! Não haveria outra definição mais apropriada para esses representantes do lado mais, digamos, pútrido do death metal.

Já no primeiro disco, Eaten Back to Life (1990), o Cannibal Corpse mostrou um nível escatológico de elaboração das letras e um altíssimo nível na execução das músicas. Já no ano seguinte o Cannibal Corpse lançou seu segundo disco de estúdio, Butchered At Birth, e confirmou que aquela era uma banda altamente técnica e comprometida com sua música.

Curiosidade: no ano de lançamento de Butchered At Birth, circulava pela Galeria do Rock uma K7 pirata que trazia de um lado um show curto da época e, do outro, um ensaio dos caras tocando algumas músicas desse álbum. A gravação não era das melhores, mas a sensação de imaginar como era aquela banda ao vivo era única. Talvez junto ao Impetigo, Autopsy e o Carcass, o Cannibal Corpse era imbatível quando o assunto era jogar o lado podre do ser humano no divã.

DEATH
Human

Chuck Schuldiner, a mente por trás do Death, sempre deu indícios de ser um cara muito determinado e consciente da sua busca artística. Além da genialidade que carregava em suas composições, Chuck também sabia como colocar em prática sua criatividade e transmitir isso em seus discos. Era uma grande fã do Slaughter, banda que teve boa influência na configuração do início do Death e com quem Chuck chegou a tocar e gravar. Fora isso, Chuck também frequentava os ensaios do Possessed e sempre pedia conselhos a Jeff Becerra, com quem conversava muito naquele tempo. Esses são somente alguns detalhes que contam muito sobre a banda que mais tarde viria a gravar discos tão definitivos e únicos. Chuck é um talento, uma força natural e Human reflete tudo isso da primeira a última faixa.

Além de Chuck, a formação ainda tinha Sean Reinert (bateria), Paul Masvidal (guitarra) e Steve DiGiorgio (baixo), que encaixou perfeitamente nos complexos moldes de composição. “Flattening of Emotions”, “Suicide Machine” e “Together as One” são uma trinca de abertura tão incrível e poderosa quanto “Fight Fire With Fire”, “Ride the Lightning” e “For Whom the Bell Tolls”, do Metallica. O verbete genialidade ganhou outro significado depois desse disco.

BOLT THROWER
War Master

Foto: Divulgação

Uma das prediletas da casa. Apesar de In Battle is There Is No Law e Realm Of Chaos serem dois grandes registros, os primeiros segundos de “Unleashed (Upon Mankind)” já deixavam claro que War Master seria um disco que mexeria com as estruturas da época. O Bolt Thrower tem boa parte de suas raízes no punk. Traz o posicionamento anarco de nomes como Crass e Flux of Pink Indians e isso fez a diferença quando, em War Master, eles deixaram essas referências mais salientes.

O timbre do disco é lindo, você consegue cantar os riffs que ficam grudados na memória. Música é um troço regado a sentimentos complexos e, conseguir trazer tudo isso à superfície, tocando death metal, não é para qualquer um. O Bolt Thrower conseguia isso e muito mais.

War Master é a flor da pele. Pode ilustrar a mais amarga derrota ou sustentar um discurso efusivo depois de vencer a mais horrível e traumática das batalhas. Uma banda única e sem dúvida, um dos melhores discos de todos os tempos.

ENTOMBED
Clandestine

Primeiramente, gostaríamos que você se transportasse ao ano de 1991. Uma época com poucos veículos que pudessem trazer informações sobre música e quase nenhum que tratasse da música extrema. Posto isso, existia uma lenda de quem seria o cara que havia gravado os vocais em Clandestine, já que o vocalista original, Lars Göran Petrov, não tinha participado das gravações. Falava-se em ser alguém do Carbonized, outra grande banda, mas nada era muito certo. O fato é que depois que saiu o clipe de “Stranger Aeons” a coisa ficou mais confusa ainda. A gente explica. No vídeo, quem aparece é como vocalista é Johnny Dordevic (ex- baixista do Carnage) só que, a essa altura, corriam rumores de que o baterista, Nicke Andersson, era quem realmente havia gravado as vozes. O tempo passou e tudo foi esclarecido pelo tribunal de contas do metal. Nicke Andersson realmente havia, não só gravado o vocal, como também cuidado da parte gráfica do disco. Dordevic, que também participou rapidamente do Nihilist, além de aparecer no clipe, é creditado na contracapa como vocalista.

Clandestine é um dos melhores registros do death metal da história. Apesar de Left Hand Path ser mais, digamos, death metal, na essência, Clandestine é onde o Entombed usa e abusa da qualidade um pouco represada no registro anterior. Os tempos complexos, as melodias e andamento das músicas traziam uma liberdade corajosa para uma época em que o metal extremo não flertava muito com outras sonoridades. Dá pra dizer que Clandestine é um disco necessário para o death metal como Ride the Lightning, Bonded By Blood ou Reign in Blood é para o thrash.

MORBID ANGEL
Blessed are the Sick

Foi nesse mesmo ano que o Morbid Angel passou pela primeira vez pelo Brasil em shows realizados em Belo Horizonte, Santos, Recife, Rio de Janeiro e dois em São Paulo; um no Dama Xoc e outro, numa noite tensa e memorável na saudosa Dynamo.

Blessed are the Sick é um disco peculiar. Na época ganhou o status de “estranho”, muito por conta das músicas serem mais cadenciadas e instrincadas Por aqui, é o meu preferido, mas vez ou outra compartilha o pódio com o clássico Altars of Madness.

Em Blessed are the Sick o Morbid Angel evoluiu suas composições para um território de tempos quase jazzísticos. O início com “Fall From Grace”, o lindo riff de “Day of Suffering”, o peso e o refrão tenso de “Blessed are the Sick/ Leading the Rats” eram muito à frente, e quando isso acontece, não é raro que ganhe o status de “estranho”. Foi um disco contestado pela sua produção, mas ainda assim é um retrato da fase mais criativa da banda.

BENEDICTION
The Grand Leveller

The Grand Leveller, que ainda conta com alguns resquícios estéticos de Subconcious Terror (90), mostra um Benediction muito mais seguro. É o primeiro com Dave Ingram nos vocais, que fez bonito substituindo Barney Greenway, que deixou a banda para se juntar ao Napalm Death.

As influências de Celtic Frost continuavam latentes e alguns riffs flertam com o heavy metal tradicional, algo que o Benê aprimoraria nos discos seguintes, usando e abusando de referências da NWOBHM (New wave of british heavy metal). Curiosidade: a versão nacional, lançada na época em LP, trazia o cover de “Return to the Eve” do já citado Celtic Frost. Um ótimo registro de um dos maiores nomes do estilo.

MASSACRE
From Beyound

Chuck Schuldiner costumava dizer que o início do Death estava muito ligado ao Motorhead e ao Venom. Mas, para que o Death se tornasse a banda desafiadora que conhecemos, foi necessário que Kam Lee, vocal do Massacre, mostrasse ao jovem Chuck a demo do Possessed. Ali tudo mudou de vez. Os dois piraram naquela sonoridade e definiriam que era aquilo que eles queriam.

A história então tomou rumo diferente para ambos. Enquanto Chuck buscou ampliar sua sonoridade inserindo outros elementos em suas composições, Lee se manteve fiel ao original death metal embebido no Possessed e outras referências, e isso diz muito sobre a sonoridade de From Beyond.

Falar em death metal sem citar o Massacre é um equívoco. Além dos ensinamentos do death metal estarem todos ali, Kam Lee (vocal) tem uma das vozes mais poderosas e características do estilo. Portanto, se alguém um dia te perguntar sobre o que é death metal puro e simples, daquelas bandas que seria legal ouvir para conhecer melhor o estilo, pode responder na certeza: Massacre.

DISMEMBER
Like an Ever Flowing Stream

Houve uma época em que era comum ouvir: “ah, isso é só uma cópia de Entombed” quando o assunto era falar sobre o Dismember. Não é verdade. Pelo menos pra nós, não é, e muito menos usaríamos a palavra cópia.

O Dismember é uma banda que pegou toda aquela identidade sueca e soube usar a seu favor. Os riffs são melódicos, criativos e, por que não, inventivos, já que Entombed, Carnage e Dismember vieram tudo da mesma incubadora e são bandas contemporâneas.

“Override of the Overture” é um ótimo demonstrativo da potência do Dismember. Like an Ever Flowing Stream é um disco forrado por lindas melodias e o que mais chamava nossa atenção era que suas estruturas bebiam, e muito, na NWOBHM (New Wave of British Heavy Metal). Escute “Dismembered”, “In Death’s Sleep” e tire suas conclusões. A comparação pode ser até inevitável, mas Dismember é Dismember, Entombed é Entombed. E vice-versa.