Vinicius Castro
Alguns reencontros têm ressoado bem por aqui. Por conta do distanciamento forçado ou um chamado do tempo? Talvez as duas coisas. O fato é que bateu a vontade de ouvir novamente um disco especial que por uma tempo ficou guardado em um canto da memória. Mas a música tem sua hora e ela sempre chega.
A estranheza aparente, veja bem, aparente, que há em The Menace, segundo disco do Elastica, lançado em 2000, guarda pouco do que o mercado e o público esperavam por conta do sucesso do primeiro e autointitulado álbum.
Impossível esquecer de sucessos como “Car Song”. Muito menos do hit “Connection” e sua dose de polêmica por conta de o riff inicial ser praticamente igual ao de “Three Girl Rhumba”, do Wire. E a coisa não para por aí. “Line Up”, do mesmo disco, também parece ter vindo do Wire, mais precisamente de “I’m the Fly”. E “The Waking Up” tem sua origem em “No More Heroes”, do Stranglers, mas esta foi devidamente creditada no disco do Elastica.
Justine Frischmann (guitarra/vocal) e Justin Welch (bateria) formaram o Elastica em 1992 ao lado de Annie Holland (baixo) e Donna Matthews (guitarra). Justin e Justine tocavam no Suede, banda que ela ajudou a formar em 1989, ao lado de Brett Anderson, seu colega de faculdade. Vale mencionar que mesmo por um curto período, Justin fez parte do Lush, outra queridinha dos amantes das guitar bands noventeiras.
The Menace não pegou muito por aqui e mundialmente não teve o sucesso experimentado pelo disco de estreia. Mas é um discão! Na época a banda estreava nova formação em estúdio e a novidade eram as presenças de Sharon Mew (teclados/vocal), Paul Jones (guitarra), Dave Bush (teclado/programações), além de Annie Holland (baixo), Justin Welch (bateria) e Justine (guitarra/vocal/programação/teclados), que já eram da formação que gravou o primeiro disco.
Há uma proposta diferente em The Menace. É diferente do debut, ainda que “Mad Dog”, faixa que abre o segundo registro do Elastica, pareça fazer a intersecção entre os dois álbuns.
“Mad Dog”, ou God Dam. Há quem diga que a música tem alguns recados para um ex-namorado de Justine: Damon Albarn, do Blur. A gente destaca o trecho abaixo e deixa pra você as conclusões:
Don’t need a credit card to make my charge complete
Don’t want you on your back I just got on my feet
Don’t want the same boy another time
Don’t bother making love don’t want to make you mine
Don’t need this anymore [unknown]
I want to get you down
Don’t need this anymore [unknown]
I want to…
Be myself, gonna get in your way, yeah
“Generator” vem na sequência. É uma das mais legais e também mantém a gramática direta do primeiro álbum, onde grande parte das faixas não ultrapassavam os três minutos de duração.
“Generator” é explosiva em seus 1:50 e tem aquele jeitão que pede pra ser tocada em alto volume no fone, na vitrola ou em um daqueles inferninhos tipicamente noventistas. Ah, lembra da menção às acusações de plágio que rolaram em relação às músicas do primeiro disco? Pois bem, em “Generator” Justine parece dar uma (in)direta com aquela dose de ironia inglesa.
I’m a third rate imitator
I’m a second hand fornicator
I’m a spastic generator
See you later, aligator
“How He Wrote Elastic Man” aponta para o que The Menace tem de mais legal: a vontade de soar diferente e não tão pop, ainda que o Elastica falhe positivamente nesse segundo ponto, já que as músicas soam deliciosamente pegajosas. The Menace traz experimentos, ruídos, synths, colagens, loops, mas tá cheio de refrão, notas no lugar certo e toda essa mistura dá muito certo. A título de curiosidade, a faixa traz a participação de Mike E. Smith, do incrível The Fall, que também aparece em “KB”.
Em “Image Change” e “Your Arse My Place”, o Elastica parece mais despretensioso, mas isso perde espaço em “Human” e “Nothing Stays the Same”, que possuem um acento mais etéreo, porém simples e até palatável.
Em algumas entrevistas Justine mencionou sua admiração por Brian Eno, principalmente pelo disco Here Come the Warm Jets, e isso vem à tona em “Miami Nice” e “My Sex”, influenciadas pelos sons eletrônicos e ambient de Eno. Ambas foram compostas em parceria com Loz Hardy, do Kingmaker. Isso porque com a explosão do primeiro álbum do Elastica, vieram o sucesso, as drogas, algumas tretas e a saída de Donna Matthews e Annie Holland, apesar de esta última ter gravado baixo no disco. Aí o Elastica implodiu e quase acabou de vez. Vale mencionar que a primeira tentativa de gravar The Menace aconteceu já em 1996, mas a coisa não deu muito certo. Depois de ouvir as gravações, a banda resolveu refazer e gravou tudo de novo em 1999.
O segundo disco registro do Elastica tem seu desfecho com o hit “Da Da Da”, originalmente dos alemães do Trio.
Ainda em 2000, a banda também decretou o seu fim, mas Justine seguiu na música por um tempo. Produziu o primeiro disco da M.I.A, Arular. Depois disso se mudou para os EUA, foi estudar artes e hoje faz exposições e nem pensa em voltar a tocar ou ter uma banda. Paul Jones talvez seja o único ainda envolvido com música atualmente. Ele trabalha na Rough Trade e tem um selo chamado Slogan, que lançou discos do Fall e assinou com o Warpaint.
The Menace conquista por sua honestidade resultante de diversas tensões, finas de relacionamentos, saídas e entradas de integrantes, tretas e pelo interesse de Justine em buscar uma sonoridade diferente do que ela havia abordado no disco de estreia do Elastica.
Como dito no início, alguns reencontros têm soado bem por aqui e olhar novamente para uma mesma obra, por um outro espectro, ouvir com outra bagagem e menos resistência estética é uma ótima experiência. O mais importante é curtir esse reencontro da melhor forma. Afinal, o tempo da arte é sagrado.