Vinicius Castro
Ramones, Motörhead e AC/DC. A trinca que muitos amam e poucos outros não gostam. Há algum tempo, a primeira habita vitrines de lojas de departamento e seu logo passou a ser a vestimenta de uma parte das pessoas que quer se valer de alguma rebeldia. A segunda também marca presença em parte das vitrines. O AC/DC não escapa ileso, e ainda assim se mantém naquele cantinho especial nos corações de fãs.
A minha relação com o AC/DC começa de um jeito meio bizarro, no melhor dos sentidos, precisamente em 1985, ano do primeiro Rock in Rio.
Ainda lembro da magia que foi ver aqueles shows pela TV e parte dessa mágica foi evocada por esses loucos australianos liderados pelo incansável e talentoso Angus Young.
Alguns poucos anos depois, durante as férias escolares, viajei com meus pais para Boiçucanga, praia do litoral norte de São Paulo (SP), e é aí que a história começa a ganhar corpo e alguns riffs.
O local era como um desses complexos de pequenos chalés e em uma das áreas de lazer em comum, havia uma sala de projeção. Ali eram reproduzidos alguns filmes e, como em um golpe de sorte da vida, um dos que estaria em cartaz era um do AC/DC, o Let There Be Rock. Refém da ansiedade acentuada pela pouca idade, duas horas antes eu estava de banho tomado, cabelo penteado e com a roupa adequada para ver o filme de uma banda de rock pesado (o termo heavy metal ainda não era algo muito difundido, muito menos suas subdivisões. De Venom a Icon, passando por Slayer e Ratt. Tudo isso era chamado de rock pesado).
A caminhada de 5 minutos até a sala de projeção parecia ter durado uma hora. Eu era literalmente uma criança que estava recebendo um novo brinquedo, só que esse brinquedo era o filme de uma banda.
A sala estava bem vazia. Era eu e (talvez) mais cinco ou seis pessoas. Ainda trago na memória pequenos flashes desse dia. A sensação de ter, praticamente, uma sala inteira só pra mim era como a de ter aquela banda fazendo um show só pra você. Com certeza aquele momento determinou muito do que eu vim a compreender como show, banda, palco, plateia e as emoções que envolvem esses temas. Talvez seja algo estranho de tentar imaginar, mas não haviam shows dessas bandas sendo exibidos em cinemas. Não havia Youtube. Eram os anos 80. Até as revistas eram escassas. Era difícil até ter certeza se o guitarrista da banda que eu gostava era mesmo destro ou canhoto, por exemplo. Isso porque por diversas vezes, publicações nacionais espelhavam as fotos em suas revistas. Consequentemente, a foto era publicada invertida.
Passado um tempo ganhei dos meus pais o Fly on the Wall, meu primeiro LP do AC/DC. Ouvi o disco à exaustão. É uma lembrança quase tátil da poeira no disco, a leitura do encarte, a cor da parede, a cortina da sala e o sofá onde eu ficava escutando, aprendendo e assemelhando aquela aula por longas e longas horas.
Talvez esse seja um daqueles casos em que eu posso ter sido traído pela memória afetiva, mas pra mim, Fly on the Wall é um bom disco subestimado por parte do público. É um álbum pesado, com ótimas músicas e sustentado por aquela vitalidade típica de uma banda forjada na estrada e conservada no álcool y otras cositas más.
Pela crítica, foi um disco mal recebido. Em vendas, fraco. Pudera, já que ele sucede nada mais, nada menos que Back in Black e For Those About to Rock (We Salute You) e sem falar nos anteriores, clássicos absolutos sob a voz do gigante Bon Scott. Mas tá tudo lá. As letras debochadas acompanhadas dos riffs rockeirões dos irmãos Young, que aprenderam direitinho o caminho entre os becos e vielas do rock guiados pelo seu irmão mais velho, George, que tocou no Easybeats e deixou uma boa referência para Malcom e Angus Young. Os backing vocals alinhadíssimos também estão presentes somados a uma novidade, a entrada de Simon Wright na bateria que trouxe muito mais peso para essa nova fase da banda.
A energia que explode das caixas já na primeira música que dá nome ao disco é algo inexplicável e até hoje emociona. “Shake your Foundations”, “Stand up”, “Sink the Pink” e a maravilhosa “Danger” são apenas alguns exemplos, mas o disco todo traz a marca registrada do AC/DC.
Curiosidade número um. Nos anos 80 existiam álbuns de figurinhas. Entre os colantes, haviam capas de discos e fotos de algumas bandas. Foi onde conheci Van Halen, Ratt, Y&T, Coke Luche, Harppia, Smack, entre outros nomes. Um desses álbuns era o Rock Attack e nele havia uma figurinha do Angus Young. Na época eu colei a tal figurinha na contra capa de Fly on the Wall, que está lá até hoje.
Curiosidade número dois. Existia um VHS promocional desse disco que vinha com um mini documentário com uma história que, claro, acontecia em um bar desses bem detonados. Tinha um palco e os caras ficavam lá tocando e as músicas servindo de trilha para o roteiro. A fita tinha cinco músicas: “Fly on the Wall”, “Danger”, “Sink the Pink”, “Stand Up” e “Shake Your Foundations”.
“Eu odeio o Fly On The Wall. heheheh. Na verdade, não gosto daquela situação que o AC/DC e várias outras bandas passaram nos anos 80, com relação aos timbres. Mas, curto muito as canções. “Shake Your Foundations”, “Stand Up” e tal. Foi o primeiro disco do AC/DC que eu tive. Ganhei da minha mãe de Natal. Foi meio frustrante, porque eu queria o “Jailbreak” que, apesar de ser um EP com coisas de 1974, foi lançado no Brasil em 1985, talvez por conta do Rock in Rio. Quando chegou a noite de véspera de Natal, minha mãe apareceu com o Fly On The Wall. E eu sou viúva do Bon Scott, ainda não elaborei esse luto direito. O Brian é super boa praça, gente finíssima, foi extremamente atencioso quando eu o conheci, em 1996. Mas é foda. Ainda não superei a morte do Bon. De qualquer maneira, meu Fly On The Wall continua guardadinho aqui. Me lembro que na época desse disco, saiu aquele video promocional aonde eles dublavam as músicas num barzinho e tinha roteirinho, uma historinha e tal. Já notou uma coisa? O AC/DC não toca nenhuma música desse disco no repertório das turnês. Deve ter alguma razão. Talvez, eu não esteja errado”.
(Daniel Daibem – idealizador e guitarrista do Vanda and the Youngs).
“A primeira vez que ouvi algo desse disco foi o clipe de “Shake Your Foundations”, que passava vez ou outra na MTV. Depois caiu na minha mão aquele VHS do Fly on the Wall que tinha uma historinha com quatro músicas do disco. Eu assistia e achava animal ver a banda tocando num bar sujão, só pra umas 10 pessoas. Me ajudou a formar esse meu pensamento de que a gente deve tocar do mesmo jeito em qualquer lugar, independente de quantas pessoas estejam assistindo e com qualquer equipamento, sem frescuras”.
(Barata – baterista do Test e D.E.R).