Os discos mais legais de 2015 Invertemos os papéis e comentamos os favoritos um do outro

In Discos

Sim, trocamos de perspectiva!

Em 2015, ouvimos muitos lançamentos. Mas não podemos ignorar que a lista de discos que ainda queremos ouvir está MUITO maior do que a lista dos já ouvidos, o que dá sempre uma angústia. Deve ser uma proporção de 200/800. Fizemos o Sounds Like Us justamente para alimentar nossa liberdade de escolha de discos, artistas e sonoridades, e cada conteúdo aqui acaba refletindo essa pluralidade. Na hora de fazer a lista (ADORAMOS LISTAS) dos discos de que mais gostamos no ano, percebemos o quanto eu e o Vina apresentamos músicas e sonoridades um para o outro. “Escuta isso aqui” é uma frase que representa nossa relação com a música, que é socializada, apresentada, dividida e comentada. Daí surgiu a ideia de o Vina comentar meus álbuns favoritos e eu comentar os dele. Não são resenhas críticas e cheias de afirmações. São impressões e comentários sujeitos a reformulações sempre que a gente ganhar intimidade com cada disco.

Os discos mais legais de 2015 da Amanda descritos pelo Vina:

SUFJAN STEVENS – Carrie & Lowell
O mais legal dessa vida, e da música, é não sabotar o seu aprendizado. Para isso, é importante reconhecer o seu potencial, ou a falta dele, para entender situações adversas quando elas acontecem. A Amanda sempre foi incentivadora da carreira do Sufjan, mas pra mim ele era um megalomaníaco de estúdio. Mas Carrie & Lowell veio na contra mão e bateu de frente com o meu pré-conceito. É um disco bonito, despido, confessional e que fez cair por terra a minha impressão inicial. Hoje, pra mim e pra ela, Carrie & Lowell é um dos melhores discos do ano. Um registro cheio de belas paisagens e rico em aprendizados.

LIGHTNING BOLT Fantasy Empire
Som estranho, cheio de referências estranhas feito por pessoas estranhas. Logo que vazou o primeiro single, “The Metal East”, a sensação foi boa, mas de nenhuma surpresa. Ainda era a mesma banda (ou dupla) fazendo o barulho caótico e desenfreado que sempre fizeram bem. O Lightning Bolt é formado por Brian Chippendale (bateria) e Brian Gibson (baixo) que, juntos, soam como umas três bandas tocando juntas.

WAVVES x CLOUD NOTHINGSNo Life For Me
O disco é colaborativo e consegue resultar em algo diferente do que as duas bandas estão acostumadas a fazer. Ou seja, a colaboração funciona bem. As músicas passeiam por campos ruidosos e clima Lo-Fi planejado. “Come Down” é hit certo e “No Life For Me” é prato cheio para quem busca novas traduções do que pode ser um rock jovem e disposto.

BIRTHMARK How You Look When You’re Feeling Down
Quando ela me mostrou esse disco, “Find Yourself” me lembrou o Prince do fim dos anos 80. Aí ela disse que ela entraria na lista dos discos mais legais que ela ouviu esse ano. Fui atrás e ouvi algumas vezes e dei de cara com “How You Look When You’re Falling Down”, música com um jeitão de cantiga quase infantil. Chegou a me lembrar canções do Sítio do Pica Pau Amarelo. Pop cuidadoso, feito por quem gosta de inovar e tem credencial o suficiente para não despertar qualquer tipo de desconfiança.

BEAK >< KAEB
Que banda lançaria um split com outra de mesmo nome? De um lado o Beak>. Do outro, o <Kaeb. Ambos vindos de Bristol e formados por Matt Loveridge, Billy Fuller e Geoff Barrow, que também toca no maravilhoso Portishead. Tá confuso? É basicamente a mesma banda com dois nomes diferentes dentro de um mesmo disco recheado de referências krautrock. “When We Fall” e “There´s no One” são as mais legais, o que me leva a entrar na brincadeira e concluir que, embora seja a mesma banda, eu gostei mais do <Kaeb.

RETOX – Beneath California
O Retox tem na sua formação músicos que passaram pelo The Locust e o incrível Head Wound City (banda formada por ex-membros do saudoso e barulhento Blood Brothers). É rock doidinho taquicardia mil por hora. Ou noise rock, como preferem alguns. Beneath California é cheio de recortes que vão agradar bastante quem já convive bem com bandas como Dillinger Escape Plan e Daughters.

LOMA PRIETALoma Prieta
Foi legal ver como, logo de cara, esse disco chamou a atenção da Amanda. É um aglomerado de euforia, força, melodia e consistência nada duvidosa. Para mim, é quase um paralelo com a sensação de redenção que a gente vê em alguns finais de filme, só que musicada. É um álbum cheio de músicas vibrantes montadas em uma estrutura distorcida e incandescente sem ficar presa ao metal, tango, punk, passo doble ou qualquer outra tag que o valha. Enfim, esqueça os rótulos e confie na Amanda.

DEAFHEAVENNew Bermuda
Sunbather, o segundo disco dos caras, foi eleito em muitas listas como um do melhores de 2013 e um desses votos talvez fosse o da Amanda, que sempre gostou muito da banda. Como a banda era sempre pauta aqui em casa, quando o segundo disco chegou às redes fiz questão de ouvi-lo, confiante no gosto apurado dela. New Bermuda superou as expectativas. Riffs mais concisos, paisagens shoegaze, alguns rompantes de delicadeza (“Baby Blue”) e o desespero que permeia grande parte das composições (“Luna”). O vocal está menos bruxinha Dani Filth, o que me agrada mais. É um registro muito bem amarrado e revela um Deafheaven que, mesmo sem querer provar nada pra ninguém, está muito maior que o que a mídia (nada) “especializada” quer que eles sejam.

BIRDS IN ROWPersonal War
O nome do disco é incrível. A gente não conhecia a banda e quando recebi o release já imaginei que esse seria um álbum que faria sucesso no gosto da Amanda. O Birds in Row vem da França e tem na sua essência muito daquele hardcore de referências menos óbvias, mas com um contexto mais urgente e desesperador. De todas as músicas, “O’Dear” é, até o presente momento, uma das minhas preferidas. A quebra que eles conseguiram com um riff super simples aos 1:50 só prova que dá pra ser criativo e intenso sem precisar entupir nossos ouvidos com notas ou batidas quebradas. A preferida da Amanda é “Torches” e realmente, é uma música bem “pé na porta”, com a força ideal para abrir um disco. Cada um tem sua música preferida, mas o que a gente concorda mesmo é que o Birds in Row é explosivo e Personal War tem a duração ideal para que essa explosão faça o estrago necessário.

Os discos mais legais de 2015 do Vina descritos pela Amanda:

VASTUM – Hole Below
Eu bem tentei encontrar palavras bonitas ou edificantes para descrever o som do Vastum, como maneira de honrar o espaço que esse disco conquistou no coração do Vina. Mas se eu insistisse nisso, estaria ofendendo a própria banda, que extrai sua arte do brutal e do grotesco. O vocal é podraozão e rapidamente me lembrou o universal esforço pra se abrir um vidro de palmito. A gravação parece muito bem-feita, com as camadas definidas, solos de guitarra proeminentes e os gritos guturais bem audíveis em cima da massa instrumental. Imagino que eles tenham uma intenção declarada de confrontar crenças solidificadas, como a religião (vide a capa), e sendo uma banda de death metal, o vespeiro cutucado rende bastante inspiração artística.

JULIEN BAKER Sprained Ankle
Achei que o jogo estivesse ganho para o Sufjan Stevens no quesito melhor disco confessional, mas aí o Vina me mostrou a Julien Baker, uma mocinha de Memphis que musicava sua tristeza e desesperança com voz, violão e uma voz doce e bonita. A primeira impressão não foi das melhores, o que lhe rendeu apelido de “Julieta Baixo-Astral”. De repente, aqueles relatos minimalistas começaram a arrancar emoção, compaixão, identificação e toda sorte de ãos que conectam nossa vida à música. Cada palavra ou grito passou a ecoar de maneira profunda, e hoje percebo que Julien projeta uma baita luz ao arrancar arte de suas sombras e dores pessoais.

CORRECTIONS HOUSEKnow How to Carry a Whip
O Corrections House é muito mais análise do que síntese. Ainda que seja divulgado como um supergrupo, com Neurosis, EyeHateGod e Yakuza em seu DNA, o resultado não são músicas que sintetizam uma sonoridade, mas sim, que decupam a gramática do metal industrial em uma infinidade de peças, roldanas e linhas de montagem. A repetição percussiva não hesita em oscilar, a guitarra distorcida modula notas e os vocais se sobrepõem. A faixa de abertura dita as regras do jogo, mas é a dramática “When Push Comes To The Shank” (também a preferida do Vina), lá no fim do disco, que fideliza o ouvinte. Vitória na guerra!

ONE MASTERReclusive Blasphemy
O One Master parece transmitir uma certa ideia de manutenção do original e de uma música não retocada. É como uma exaltação do rascunho, da primeira ideia, do espontâneo, mas não de uma maneira descuidada. É um black metal que parece não ter frescura ou polimento; é tudo cruzão e sem maquiagem, como deve ser uma narrativa emergencial e extrema. É música de tsunami, que consome tudo ao redor sem você sequer ter tempo para checar sua abrangência, contornos ou dimensões.

MISÞYRMING Söngvar elds og óreiðu
Eu não sei pronunciar absolutamente nada dessa linha de cima, mas dá pra perceber que o black metal desses islandeses não tem nenhuma dificuldade em chegar aos ouvidos dos amantes do gênero no mundo todo. A mensagem a ser comunicada chega com clareza: é grave, é urgente, passa por cima de tudo, só se sujeita a pausas calculadas e esbraveja com firmeza com cada palavra. Tem umas cadências bem interessantes, e aí eu não saberia dizer se isso é uma adição ou uma característica do black metal. Mas se a ideia é botar fogo em tudo, acho que o objetivo foi plenamente cumprido.

BATUSHKA – Litourgiya
De cara, pela capa e pelo nome do disco, o Batushka, da Polônia, anuncia algum tipo de subversão de mensagens sacras. Não é uma novidade para o black metal, que se construiu sobre o estremecimento de verdades religiosas. Mas aqui esse viés parece mais escancarado, com um duelo de vocais bem marcante e polarizado. O primeiro evoca tradições litúrgicas e seu conteúdo melódico nos traz para ambientes internos, como uma igreja. Já o segundo vocal é rasgado e profano, apoiado em uma percussão brutalizada e que externa sentimentos pouco apaziguadores e até mesmo uma sensação de desbravamento diante do desconhecido. Na soma, temos um registro conceitual com força lírica e melódica, sem frescuras, e também sem medo de ser grandioso.

CRÂNULA Human Savage
O Vina já vinha me falando desse disco com bastante carinho, sobre como o momento criativo da banda era rico e potente. Não tenho como mensurar isso em um antes e depois (se ouvisse tudo agora, seria meio forçado), mas pelo que escutei, o disco traz uma energia e uma vitalidade capturadas em seu instante original, sem retoques na pós-produção que aditivam força e agressividade. Mais uma prova de que o grind/crust/death metal brasileiro não cospe fogo, mas sim, um incêndio irremediável.

EXTREME NOISE TERROR – Extreme Noise Terror
As raízes do crust e do grindcore que se encontravam no Extreme Noise Terror da década de 80 bem poderiam ser encontradas na banda em 2015. Se por um lado a banda continua jogando no mesmo time, por outro denuncia uma atualização sincera da fúria que lhe dava motor décadas atrás. Não é um cozido da raiva e da revolta que deixava os riffs extremamente velozes e os arranjos bastante ríspidos. É uma sensação recente, por vezes retroativa, de que o mundo continua caótico, e há motivos suficientes para continuar esbravejando contra isso. Afinal, “No One is Innocent” (catapish!).

TEST – Espécies
Esse disco marca a ilimitada expansão criativa do Test, que soma diversas colaborações líricas ao seu já conhecido contêiner de pesos e sobrecargas sonoras. As letras de Kiko Dinucci, Fernando Catatau, João Gordo e Jair Naves, entre outros nomes, percorrem trilhas particulares, improváveis e sem qualquer tipo de expectativa linear. Esses percursos se diferenciam drasticamente entre si. É o Test que já ouvimos, mas também é um Test completamente diferente, com possibilidades ainda mais claustrofóbicas e agonizantes de se fazer música pesada com apenas uma guitarra e bateria.


DUAS UNANIMIDADES EM 2015: ALL THEM WITCHES E BOSSE-DE-NAGE
A grande verdade é que um acabou contaminando o outro com o entusiasmo por alguns discos. No fim das contas, o Carrie & Lowell, do Sufjan Stevens, se tornou um favorito do Vina, e eu acabei achando a Julien Baker e seu Sprained Ankle, que o Vina me mostrou, a maior descoberta desse ano. Mas dois discos foram unanimidade pra gente: o Dying Surfer Meets His Marker, do All Them Witches, e o All Fours, do Bosse-de-Nage:

ALL THEM WITCHESDying Surfer Meets His Marker
É bem gratificante quando você pode acompanhar a evolução de bandas com que você se identifica. O All Them Witches vem de Nashville e a gente sabe, a água de lá tem substâncias poderosas até hoje não identificadas. Resta a nós aproveitar e é isso que a gente fez, mais precisamente a partir de outubro. “Dying Surfer Meets His Marker” foi lançado no segundo semestre e chegou para deixar claro que a música desses americanos transita por uma estrada livre, árida e que, por vezes, deixa a visão turva. É um disco com um tipo de aditivo que desperta linhas sensoriais que fazem com que, a cada audição, a gente monte clipes imaginários durante um longo trajeto no metrô, ônibus ou mesmo caminhando pela cidade.

BOSSE-DE-NAGEAll Fours
Apesar do nome mais francês que croissant, o Bosse-de-Nage vem da ensolarada Califórnia. Mas não há sol nas músicas da banda, que assim como os conterrâneos do Deafheaven, vem desenhando uma nova maneira de expurgar metal, hardcore, post rock, refinamento nas letras e melodias grandiosas. As músicas são bastante imponentes, com tempos contrastantes na guitarra e na bateria, e possuem um teor dramático bastante expressivo. Se tem algo que você jamais vai encontrar no All Fours vai ser apatia. Ou tédio. O posicionamento melódico é bastante inclinado para a catarse, o crescendo, o desespero. É um disco emocionante.