Entrevista: Crânula

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Impulsionada em direção retroativa ao nada, a criatividade pode ser um importante catalisador de uma força que mora ali entre a raiva e incerteza de até aonde esse sentimento pode te levar. Com dois EPs na bagagem, Paralaxe (2013) e Human Savage (2014), o que o Crânula fez foi se apropriar desse nada e tranformá-lo em uma dimensão repleta de referências que a banda traz no seu DNA.

Riffs tortos, bateria triturante e linhas de voz guturais com recado certeiro. A banda distribui sua urgência em sons livres de vícios e prontas para explorar sem ressalvas o que a música extrema tem de melhor para oferecer.

Sounds Like Us: Qual a origem do nome da banda?
Rodrigo Buitoni: A ideia foi achar um nome que espelhasse a proposta da banda, não fosse nada óbvio e que trouxesse o universo do som extremo como personalidade. Crânula foi algo que me lembrou crânio de uma forma criativa e agressiva.

Sounds: Apesar de alguns blasts aqui e ali, talvez não possamos considerar o Crânula uma banda estritamente de grindcore. É um propósito misturar tantas referências ou é um processo natural de quem sofreu diferentes influências?
Rodrigo: Os sons fluem naturalmente por cada integrante. O processo é cada um contribuir com sua parte sem perceber se algo está se moldando a uma pegada death, grind, etc. É mais um brainstorm do que qualquer outra coisa.

Sounds: Mas e na hora de descrever o som de vocês?
Rodrigo: O que sair. Fazemos os sons mexendo com preenchimentos que não sejam tão óbvios, tanto nas guitarras como na bateria. Como, por exemplo, na “Poison” que é uma música mais quebrada com bateria e guitarras diferentes.

Sounds: Como vocês enxergam o cenário atual da música extrema no Brasil e no mundo?
Caio Augustus: No Brasil o cenário é bom para o thrash metal. No death metal as coisas são mais complicadas. Foi até um papo que tive certo dia com o Moyses, do Krisiun. Ele foi claro e objetivo. Aqui, sequer tem uma cena. Esse cara é referência pra falar de death metal. Lá fora as coisas são bem diferentes. Ao que parece, na Europa e Estados Unidos, o estilo é consolidado.

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Sounds: Podemos dizer que Paralaxe (2013), por ser um disco de estreia, é movido pela gana de querer atropelar tudo e a todos mesmo?
Rodrigo: Sim! E saiu dessa forma porque eram músicas que já estavam prontas, ou muitos riffs prontos, há alguns anos até. Foi o proto de tudo que foi polido assim que o Caio entrou com o vocal, porque antes éramos eu e o Carlos (ex-Are You God) estruturando os riffs, bateria etc.

Sounds: As letras têm um conteúdo social intenso. Como é pra você dividir sua criatividade lírica entre as duas bandas? Existe uma separação consciente daquilo que cabe ao Desalmado e ao Crânula”?
Caio: Essa é uma parte um pouco complicada. Com o Crânula prefiro escrever sobre frustrações, medos, revoltas e por aí vai. No Human Savage, algumas letras foram para lado político, em especial a “March of Wolves” e “Carjacking”. Quando escrevo no Desalmado, defino um tema e faço todo o disco em cima disso. Ali está todo meu pensamento sociopolítico. No Crânula me permito sair um pouco dessa condição. Serve como escape e dá um certo alívio.

Sounds: A situação política e social do Brasil atual tem te dado mais combustível para criar essas letras?
Caio: Penso que enquanto houver privilégios a uma elite, promessa de salvação e negação da própria realidade, terei combustível pra continuar escrevendo, me aprofundando e lutando contra essa lógica perversa. Não gosto de quem faz parte da elite e se apoia em ações verticais.

Hoje temos uma “luta de classes”, não com caráter clássico, mas com uma nova roupagem, porque envolve poder econômico, religião, etnia e representatividade em diversos setores. Quando você democratiza espaços, dá condições para que pessoas ascendam de classes por meio do consumo. É automático que você vai enfrentar um realinhamento que, muitas das vezes, é traumático e violento. É importante lembrar que a situação política é ruim no Brasil e no mundo, a cultura do capitalismo tem enfrentado uma série de complicações.

Desde moleque ouvi Sepultura, Napalm Death, Ratos de Porão e Racionais. Essas letras, que colaboraram com meu desenvolvimento e me inspiraram, foram criadas há mais de 20 anos, e hoje continuam atuais. O agravante dessa história é que a classe trabalhadora periférica a qual representamos ao escrever nossas letras, que ouve nosso som, que vai em shows, é parte desse momento reacionário defensor dos privilégios da elite e isso é realmente preocupante.

Sounds: Human Savage é um disco mais maduro e puxado para o death metal, principalmente nos riffs e solos. Vocês concordam? O que mais vocês acham que mudou de um disco para outro?
Rodrigo: A idéia foi essa. Tentar deixar um lado mais homogêneo voltado para o detão mesmo, como em “March of Wolves”. Temos consciência de que quisemos deixar o lance todo mais grave, pesado e denso. Há ainda um pouco de pegada de crust junto com grind também.

Sounds: De onde vem a intro de “Rotation”?
Caio: Cânticos sagrados de monges tibetanos. É algo que sempre quis usar. O Crânula tem um lado espiritual envolvido, não sei explicar o motivo, mas gosto de usar referências das filosofias budistas. A atmosfera tornou possível o uso de cânticos litúrgicos. Cria um climão na parada.

Sounds: No Human Savage você conseguiu criar um timbre de vocal meio Glen Benton da fase Legion que funcionou muito bem e casou com as novas músicas. Por que essa mudança?
Caio: Citar o Legion me emociona cara, foi o primeiro disco do Deicide que ganhei e certamente o Benton tem alguma influência no lance da voz. Quando gravei o Paralaxe, o Carlos sempre dizia pra usar um timbre mais aberto, então acabei seguindo a linha que era mais próxima do Desalmado. O timbre de vocal de hoje é o que sempre busquei, meus últimos 4 anos foram todos em cima de gravações, é natural atingir um certo nível de maturidade. Tinha fechado com o Rodrigo, “vamos fazer um álbum totalmente pendenga pro death metal” e o vocal foi fundamental nesse processo. Acho que atingimos o objetivo.

Sounds: A capa de Human Savage ficou muito foda. Quem cuida da parte gráfica na banda?
Rodrigo: A capa foi feita pela Ece Bas, uma amiga nossa da Turquia que é tatuadora. Ela, em um primeiro momento, se ofereceu para fazer uma ilustração para a banda, que ainda não usamos. Depois disso, pensamos que ela seria a pessoa ideal para ilustrar esse EP, já que sendo fã e amiga, captaria a ideia e seria um prazer deixar ela criar para nós, imprimir seu estilo de pintura. A parte gráfica eu cuido, trabalho com isso e gosto de fazer. Criar a imagem do Crânula é mais um processo criativo além dos sons.

Sounds: Há quanto tempo vocês estão juntos na banda? O que pretendem atingir com ela e o que os faz continuar, considerando os perrengues que vocês já passaram como músicos independentes?
Rodrigo: A banda tem 4 anos, mas com a formação atual estamos há 2 anos. A ideia é conseguir tocar muito mais (no momento a movimentação de shows para banda independente está meio fraco, é o que parece), e muito mesmo mais fora de SP para divulgar esse novo EP e finalmente gravar um disco completo/full, com sons novos com uma gravação melhor ainda. O mais brutal possível.