Julien Baker Uma entrega visceral na voz doce dessa americana vinda de Memphis

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Algumas músicas evocam imagens repletas de sensações que passeiam por todos os nossos sentidos. Outras dominam campos ainda inexplorados, mas que, já em um primeiro contato, conseguem silenciar o mundo à sua volta de um jeito inexplicável.

Julien Baker conseguiu esse feito. Gravou um disco de formato simples, sozinha, tocando violão e guitarra, cantando e dividindo com o mundo suas letras. O resultado disso atende pelo nome de Sprained Ankle, um disco lindo, entregue a sussurros e de intimidade gritante.

Baker é jovem. Sustenta em seus recentes 20 e poucos anos de vida numa voz rouca, doce e com a potência ideal para suas interpretações. A pouca idade não intimida e a menina expurga seus demônios, vence desencontros, enfrenta algumas frustrações e indecisões de maneira genuína e com uma entrega visceral.

Nascida em Memphis, mudou-se para Nashville para cursar literatura, espanhol e o ensino secundário. Nessa etapa, além de sua cidade natal, deixou para trás também a sua antiga banda, Forrister, nascida das cinzas do pouco conhecido The Star Killers.

Sem banda, Julien passou a escrever músicas sob o olhar solitário de quem ainda mantém feridas frescas e algumas incertezas que passam sem filtros pela sua voz.

Foto: Sounds Like Us

Gravado em Richmond e lançado oficialmente em outubro de 2015, o disco de força cativante começa com “Blacktop” embalada por um dedilhado quase monótono. A impressão é de que Julien está cantando ali, próxima a quem escuta, despida de qualquer defesa. É uma faixa perfeita para abrir o disco.

A música que dá nome ao disco vem na sequência. Sprained Ankle (tornozelo torcido) é mais curta e sintetiza o clima que o álbum oferece. Seja pela redenção ou falta de fé, em um plano físico ao querer traduzir a dor de uma torção real, ou ainda a busca por uma tradução que reflita a atmosfera que acompanha cada acorde e palavra dentro das músicas. O que importa é que ela foi feliz no nome ao criar esse paralelo de diferentes possíveis interpretações.

“Brittle Boned” é uma das mais bonitas. Fala sobre uma internação hospitalar. Baker busca novamente um dedilhado simples, em cima de harmônicos e um crescendo que puxa sua voz para a linha de frente. Ao final, ela diz: cause I’m so good at hurting myself. Esse é o clima.

O passeio segue com “Good News” que tem algo de “No Surprises” (Radiohead) no ar. Já “Something” é mais aveludada e mantém o clima confessional e a procura por respostas teimosas que parecem tomar um rumo diferente às suas procuras angustiantes.

“Rejoice” sangra por cada uma das palavras entoadas por Julien. Ela questiona a existência de Deus ao mesmo tempo que acredita que ele ainda estará lá para ouvi-la: I think there’s a God and he hears either way when / I rejoice and complain. É uma música de paisagens inquietas e entrega visceral. É uma das melhores músicas do disco.

“Vessels” é mais linear e contida, mas não menos forte. Ela prepara o terreno para que “Go Home” feche o ciclo de maneira brilhante. Sustentada por um piano espaçado, ela canta sobre estar cansada e sozinha querendo voltar pra “casa”. Julien diz que tem mais whisky do que sangue em suas veias e que seu corpo é apenas uma roupa suja. Ao final, ela toca o hino cristão “In Christ Alone” enquanto uma voz de pastor entra em pregação efusiva. Ao que parece, isso foi tirado de uma interferência que invadiu o amplificador de Julien durante as gravações do álbum enquanto ela cantava sobre querer ser ouvida. Sustentada pelo andamento final do piano o disco encerra com a voz do pastor: He is now a judge. Emblemático.

Mesmo tendo a morte, e suas diferentes leituras, como palco, tudo pode ser interpretado como um recomeço. Afinal, a morte pode ser só o final de um capítulo dentro de uma história que, depois de contada, pode ser recontada, revivida ou redefinida.

Sprained Ankle nos diz que os finais têm vontade própria e, na falta de um poder maior em conseguirmos lutar contra algo eminente, esperá-lo acontecer é a nossa única certeza.