Black Metal A nova, mas nem tanto assim, cena da Islândia

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Fotos: Hafsteinn Viðar Ársælsson / Grapevine

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Quando o assunto é paisagem natural, a Islândia é geralmente citada como um lugar peculiar, de geleiras deslumbrantes e campos de lava austeros. Um lugar exótico com uma população de pouco mais de 330 mil habitantes. Número pequeno se comparado ao Brasil, mas o fato é que, naquela pequena ilha, alguns nomes locais vêm fazendo um barulho diferente. E não estamos falando da Björk, do Sigur Rós ou do pastiche do pastiche Of Monsters and Men.

Se pensarmos em uma rota em linha reta, cerca de 10,1 mil km de distância separam a terra do gelo (Ísland é um vocábulo que em um dialeto nórdico significa terra do gelo) do nosso país tropical. Musicalmente falando, a distância parece um pouco menor. Há alguns anos a Islândia vem chamando atenção no universo da música extrema, mais precisamente, no black metal.

Ainda há, em 2016, quem se prenda a definições engessadas, mas o black metal é mais do que os vocais rasgados, riffs palhetados, velocidade, distorção e gravação de baixa produção.

Carpe Noctem
Carpe Noctem

O relevo irregular, berço de paisagens deslumbrantes, talvez venha servindo como uma influência estética para as bandas que vem se destacando de uns anos pra cá. Talvez. Porque entre em parte das bandas há um senso quase comum de que a Islândia é um lugar escuro, deprimente e frio. E viver em um lugar como este pode ter feito esses caras se sentirem isolados do resto do globo. É provável que isso seja uma porção importante, geograficamente falando, da semente que influencia essa nova safra de bandas que, de certa forma, fazem um tipo de música que nos anos 90 teve muita força e se manteve fiel aos ensinamentos de seus criadores Celtic Frost/Hellhammer, Venom e Bathory.

Entre a sua grande maioria, quase todos os personagens dessas bandas atribuem o significado de black metal à obra prima do Mayhem, De Mysteriis Dom Sathanas. Mas, guardadas as devidas proporções, uma nova leva de bandas vem fazendo tanto barulho quanto a turma da Noruega fez no início da década de 90.

Svartidaudi
Svartidaudi

De longe é complicado mapear 100% das bandas locais, mas mesmo sem essa possibilidade, é possível dizer que a Islândia se tornou palco de um movimento dentro do black metal. Bandas que beberam muito na cena francesa e apareceram para o mundo quase simultaneamente, em um curto espaço de tempo. Uma endemia black metal. Naturalmente, o fato de ser um país de certa forma, exótico, alimenta a curiosidade e faz com que as pessoas passem a prestar mais atenção na música e na estética que esse país tem revelado ao mundo.

Aos poucos, novos nomes foram surgindo por aqueles lados, e o interessante é que, em comum, todos tinham muita qualidade dentro do propósito. Cada uma das bandas aprendeu direitinho a lição de nomes como Deathspell Omega e Blut Aus Nord. Soam caóticas, urgentes, intensas, agarradas a riffs interessantes e com o já mencionado eco da cena francesa em suas entrelinhas.

Mannveira
Mannveira

Quando essa onda começou a tomar forma, a primeira coisa que nos veio à mente foram as bandas brasileiras dos anos 80. Pode parecer loucura, mas indo a fundo, as semelhanças podem ser encontradas respondendo uma simples pergunta. O que as bandas de ambos os países têm (ou tinham) em mãos para criar uma música tão primitiva e orgânica, além da vontade de expurgar toda sujeira que existe pela música que escolheram para expressar o seu ódio? Resposta: integridade. Naquela época, no Brasil, as bandas tinha contato restrito com o mundo que havia por além das fronteiras. Isso fez com que, em alguns aspectos, a musicalidade fosse nutrida por características brutas.

Hoje a informação está por todo canto e manter um certo primitivismo e aliar isso a novas influências é uma escolha estética possível, diferentemente da nossa cena oitentista.

Wormlust
Wormlust

A história de como tudo começou

Entre as primeiras bandas a desbravarem o estilo por aqueles lados, há um consenso em relação ao Myrk, que mostrou para aquela galera que se sentia deslocada do grande eixo que eles poderiam fazer black metal e colocar o nome da Islândia no mapa da música extrema.

A banda começou por volta de 2000 e tem dois lançamentos no currículo: a demo The Spell e o disco Icons of the Dark. Talvez esses islandeses nem imaginassem que, anos mais tarde, seriam parte da referência para o surgimento de outras tantas bandas.

O Sólstafír, que começou em 1995, produziu duas demos no final dos anos 90 que também pode ser citada como incentivo à fúria das bandas que viriam depois. Além deles, o Potentiam, anteriormente chamado Thule, também pode entrar na lista. Com exceção do Sólstafír, nenhuma delas durou muito. Gravavam uma demo ou duas, um disco e encerraram as atividades.

Na coletânea Fire & Ice você ainda pode ouvir o Thule e outras bandas, mas nenhuma delas com tanta expressão, para a cena local, como o Myrk.

As bandas, a cena e o futuro

Um cenário vai além da música. Trata-se também de como determinadas bandas querem ser vistas por quem gosta e por quem não gosta do estilo. Não que isso seja algo premeditado, mas sim implícito em toda a estética.

vanagandr
Vanagandr

Grande parte da cena gira em torno de um dos selos que detém boa parte dos nomes que andam fazendo um barulho bom por lá: o Vánagandr.

De lá vem o Carpe Noctem, Naðra, Nornahetta , 0, Misþyrming, Mannviera, Abominor e o Sinmara, que surgiu das cinzas do Chao. Todas elas com suas peculiaridades que, mesmo fazendo parte de um mesmo universo, conseguem se apoderar de características que as diferenciam.

Sinmara
Sinmara

Pode parecer meio confuso, mas vamos tentar explicar. D.G., o guitarrista e vocalista do Misþyrming, dirige o selo junto com Tómas, que toca no Carpe Noctem. Gústaf, frontman do Úrhrak, também toca baixo ao vivo com o Misþyrming. Tómas, D.G. e Gústaf também tocam no Naðra.

Calma que tem mais. Helgi (baterista do Misþyrming) e Tómas tocam no Carpe Noctem, e Tómas e Gústaf tocam no Nornahetta. Tómas e D.G. também respondem pela banda de doom-black metal, 0. Ou seja, o Vánagandr é o ponto que une esse clã criativo e inquieto. Os últimos nomes que chegaram na gravadora são o NYIÞ, que parte para um som mais experimental e etéreo; o Grafir, que se intitula punk black metal (e se você ouvir é bem isso mesmo); e o Skáphe, que segue por um caminho menos torto do estilo. As duas primeiras são islandesas e a última vem dos EUA. Talvez esse já seja um sinal de expansão dessa horda por novas terras.

Fora as já citadas, o black metal islandês ainda tem o Nyith, Úrhrak, Svartidauði, Abominor, Vansköpun, Azoic, o incrível Wormlust entre outras.

Nornahetta
Nornahetta

Entre as mais legais, pelo menos pra gente, está o Mannveira, que transpira raiva com vocais assombrosos e lamuriantes. Em fevereiro de 2016 eles soltaram a primeira música, que deve fazer parte do próximo registro em estúdio. Sem grandes surpresas, o som segue a mesma linha, mas com uma produção um pouco superior a demo tape, lançada em 2014.

O Sinmara tem uma beleza diferente e intricada em suas músicas com passagens mais elaboradas, mas não menos ortodoxas. Lembra um pouco o Watain na forma de elaborar suas composições e um pouco no timbre do vocal.

misthyrming
Misþyrming

Entre os mais conhecidos o destaque é a fúria proferida pelo Misþyrming que, com o lançamento de Söngvar elds og óreiðu, frequentou algumas listas de melhores discos do ano em 2015, inclusive a nossa. Ainda tem o Wormlust que, em seu disco, The Feral Wisdom, propicia uma viagem atormentadora tendo a morte como enredo.

Entre os nomes recentes, o Úrhrak é uma banda que leva a sério esse lance de fazer um som nada amigável. É asqueroso de tão sujo. É tão arrastado que você involuntariamente se vê envolvido até o osso, enquanto os caras vociferam suas letras. Bom, entre todas, essa é uma que a gente diria que ainda vai fazer muito barulho por aí.

Como toda e qualquer expressão artística, o black metal também é composto por diferentes referências. Como já citamos, os franceses do Deathspell Omega tiveram um grande impacto sobre a cena islandesa. Mas isso é só um norte. É injusto e demasiadamente superficial citar apenas uma banda para falar de todo um contexto, por mais nítido que seja o efeito que os franceses tiveram nessa galera. Uma ponto curioso é a relação de alguns elementos dessa cena, não só na Islândia, mas também em outros países, com a música electro. Em algumas entrevistas o D.G, do Misþyrming, diz ser influenciado pelo electro do Gus Gus, por exemplo.

Nyith
Nyith

Talvez para não limitar sua arte a um só responsável, em quase toda entrevista ou artigo que rodam por aí, a maioria das bandas evita qualquer comparação. Ainda que, muitas delas, assumam certas influências, preferem ter um certo cuidado em criar a sua própria identidade. A maioria quer, e está conseguindo, construir seu próprio universo atordoante e não ser um clone de nomes já consagrados. Por exemplo, entre os mais comentados, o Swans é um dos nomes lembrados pela influência exercida sobre essas bandas.

Nadra
Nadra

O ponto é que existe aí um novo jeito de entender a música extrema. Há uma riqueza de identidades (algumas mais sutis, é verdade) que estão de portas abertas para engrandecer seu discurso, admitindo influências de outras praias, mas que ao mesmo tempo se fecham para evitar introjetos que criem arestas por onde sua integridade possa ser invadida.

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*As fotos (exceto da banda Mannviera) foram cedidas gentilmente pelo fotógrafo Hafsteinn Viðar Ársælsson e pelo site islandês Grapevine.is.